Muitas vezes, em determinados dias da nossa existência terrena, e algumas vezes todos os dias, nos queixamos e nos revoltamos ante as dificuldades que nos surgem e que somos obrigados a enfrentar. Lamentamos nossa sorte – gostaríamos de realizar todos os nossos desejos e caprichos – porque nos achamos injustiçados diante da Justiça Divina.
Temos a sensação de que merecemos muito mais do que recebemos, independentemente das nossas atitudes, e por isso nos revoltamos, pois acreditamos ser melhores do que os outros; aguardamos ter mais privilégios e direitos que os outros, devido à nossa posição social, o nosso nome ilustre, a nossa fortuna e até mesmo, muito comum hoje em dia, a nossa beleza física. Quase não conseguimos enxergar um milímetro que seja além da nossa visão moral estreita, por causa do nível evolutivo em que nos encontramos. Ainda presos às paixões terrenas, sequer nos damos conta de que temos uma vida espiritual que precisa e deve ser cuidada com o mesmo zelo que dedicamos à nossa vida material.
Se cuidássemos dessa vida que vai muito além da pequenez dos nossos sentidos físicos, certamente não teríamos um décimo das aflições que hoje nos consomem a existência, e que nos adoecem tantas vezes. Se cuidamos da higiene do corpo, da casa, daquilo que ingerimos, por que não cuidamos da nossa higiene mental? Por que permitimos que pensamentos inferiores, doentios, saiam de nossas mentes? Por qual razão permanecemos desatentos com aquilo que entra em nossas mentes, através dos nossos olhos, ouvidos, de todos os sentidos, enfim?
Por tudo isso é que o Pai nos envia, sempre, sinais de que é chegado o momento da nossa renovação. É chegado o momento em que a necessidade da transformação interior deve ser conscientizada em nós, para que a mudança aconteça dentro de nós. Sem esse primeiro passo fica mais difícil iniciarmos a tarefa de elevação e aprimoramento.
É bem verdade que ela ocorrerá, queiramos ou não, de forma bem mais dolorida, mas, se colocarmos à nossa disposição a vontade firme a serviço dessa tarefa, tudo será mais fácil. Por esse motivo é que a generosidade de Deus está presente nas concessões, nas oportunidades que nos oferece, por toda parte, com igualdade a todas as suas criaturas, a fim de que percebamos que enquanto o homem “raciona a distribuição deste ou daquele recurso, Deus não altera suas leis de abundância”.¹
Observemos ao nosso redor: O Sol magnífico, nutrindo a vida, espalha-se em todas as direções; o ar puro e sem medida é celeiro de bênçãos divinas e, alimentando nosso corpo, faz a vida continuar em nós... A fonte que se dá sem reservas, engrossando rios, mares, levando a vida à terra sedente que recebe carinhosamente a semente que dorme... Tudo doado a todos, infinitamente, igualmente repartido...
Se a bondade divina nos concede tantas graças no campo material, também assim acontece no reino do Espírito. Tudo está aí, à nossa disposição: “os tesouros da Ciência, as alegrias da compreensão humana, as glórias da arte e as luzes da sublimação interior” ¹, acessíveis que são a todas as criaturas. Entretanto, do rio das graças da vida, cada alma retira a porção de riqueza que consegue perceber e carregar, para utilizá-la proveitosamente. Por essa razão, o Pai nos chama à renovação: para aprendermos a estudar, observar, trabalhar e a renovar-nos, ajudando a nós mesmos através da ajuda ao outro. Emmanuel recorda-nos que “Deus a ninguém dá seus dons por medida, contudo, cada alma traz consigo a medida que instalou no próprio íntimo para a recepção dos dons de Deus”. ¹
Mas, que rio de graças é esse de que nos fala o querido instrutor espiritual? Observemos nas nossas próprias vidas, a presença dessas graças: acreditamo-nos frágeis e recorremos a Deus para suprir nossas energias, e Ele as supre. Quantas vezes, desanimados e sem forças para continuar a luta redentora, nos aprontamos para a deserção, para a fuga, e algo acontece – um fato ou a palavra de alguém, não importa – que nos coloca em movimento, fazendo com que nos sintamos mais fortalecidos, mais esperançosos, porque renovados em nossas forças.
Prestemos atenção na maneira como o Pai age com suas criaturas: usa o próprio homem para ajudar os homens. Silenciosamente. Sem alardes. E quase sempre aguardamos grandes manifestações divinas vindo em nosso socorro. Temos, às vezes, atitudes infantis diante da sabedoria divina, quando éramos crianças e acreditávamos que o brinquedo maior, o mais enfeitado e o mais barulhento, era o melhor.
Hoje, mais amadurecidos na idade, deveríamos já ter compreendido que a utilidade não está subordinada ao tamanho, à beleza ou a qualquer outra característica que chame a atenção dos nossos sentidos. Reconheçamos nossas próprias limitações e Deus nos conferirá o crescimento, e isso é certo, queiramos ou não crescer. Alguns o farão de forma mais rápida, outros mais lentamente, mas sempre cresceremos, porque é da lei de Progresso que assim seja. Outras vezes declaramo-nos pobres e, no entanto, temos à nossa disposição as riquezas infinitas do Pai. Aquilo que não conseguimos obter não é porque nos falte o recurso, mas porque não conseguimos vê-lo ao nosso redor.
Todavia, precisamos entender que o processo para assimilação desses recursos será sempre o serviço prestado aos outros. Sob esse aspecto, não podemos, portanto, alegar inaptidão, fraqueza, desalento ou penúria para fugirmos da tarefa que nos cabe na construção do edifício do bem. Mais trabalho, mais entendimento, melhor captação dos recursos divinos à nossa disposição representam a chave para abrir as comportas desse manancial de luz. Queixas contínuas, lamentações descabidas, tristezas sem motivos reais, intolerância, maledicência são portas fechadas para o processo de assimilação desses benefícios.
Assim, em cada momento que pudermos dedicar ao companheiro necessitado de uma palavra de reconforto, de otimismo, necessária ao fortalecimento para continuar suas lutas, Deus nos abençoa.
Pelo gesto de silêncio, com a palavra não dita, pela prece silenciosa com a qual podemos amparar e sustentar o equilíbrio de todos que nos cercam, seja em nosso lar, no nosso trabalho, na casa de oração que nos serve de abrigo espiritual, seja nos trabalhos de assistência que realizamos em benefício de tantos, Deus nos abençoa.
Quando com caridade temos a oportunidade de usar palavras esclarecedoras, assegurando o entendimento fraterno, aliviando corações mergulhados em sentimentos dolorosos de culpas e arrependimentos por atos impensados, fortalecendo almas enfraquecidas pela desesperança e falta de fé, Deus nos abençoa.
Pela migalha de tempo ou de socorro que dispensamos no apoio àqueles que nada têm e que de tudo carecem, onde essa migalha pode ser a diferença entre a vida e a morte, onde muitas vezes será a única ajuda que receberão, mas que poderá mantê-los lutando por mais alguns dias, Deus nos abençoa.
Pela atitude de tolerância e serenidade que pudermos manter frente à incompreensão que nos rodeia a existência, e que nos convida a testemunharmos nossa fé e nossa disposição de praticar o ensinamento evangélico do “amar ao próximo como a ti mesmo”, Deus nos abençoa.
Diante desse convite à renovação e ao aprimoramento, ficamos pensando: mas, se não somos capazes de realizar nem um milésimo de tudo isso, como pode Deus nos abençoar?
Sem dúvida alguma, convivemos com almas heroicas, abençoadas por Deus, capazes de renunciarem a si próprias e de sacrificarem a felicidade pessoal em benefício da felicidade alheia. Mas, se Deus abençoa esses rios de almas que são capazes de garantir as searas do campo, na expressão de Emmanuel, pelo imenso desprendimento que demonstram, pela fé inabalável em Deus e na Sua Justiça, também é verdade que Ele “abençoa cada gota de orvalho que ameniza a sede da rosa”.
Erros e acertos marcaram nossa estrada até ontem. Hoje, entretanto, é momento de nos voltarmos para Deus, com sinceridade em nossos corações “refazendo a esperança e suportando sem mágoas as acusações do caminho”. É natural termos sempre alguém nos censurando. Mas, ouçamos com paciência. Se existe bom senso na advertência, aproveitemos o conselho para que possamos crescer mais um pouco; se a crítica for injusta, conservemos a tranquilidade, na certeza de que temos a consciência pura por estarmos fazendo o melhor que podemos. Em qualquer dificuldade que venhamos a enfrentar, apoiemo-nos na confiança em Deus, “trabalhando e servindo com alegria, na certeza invariável de que Deus” nos abençoa e nos vê.
Bibliografia:
XAVIER, F. C. Palavras de Vida Eterna, ditado pelo Espírito Emmanuel – 20ª edição – Editora CEC – Uberaba/MG – lições 02 e 180.
por Leda Maria Flaborea
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