Afinal de contas, o que diferencia a Doutrina Espírita das religiões e movimentos filosóficos tradicionais? "A reencarnação...", responderão alguns. "A comunicação com os espíritos...", dirão muitos. "A nossa fé...", ecoarão outros.
Na verdade, nada disso diferencia o Espiritismo das religiões e filosofias tradicionais. A reencarnação é comumente aceita nas religiões orientais. A comunicação com os espíritos não é exclusividade do Espiritismo. A maior parte das religiões alega que seus fiéis professam a "fé verdadeira".
Nada do colocado inicialmente e mesmo nenhum dos postulados básicos do Espiritismo representa diferencial, quando comparado com que se convencionou chamar de "religiões tradicionais", mesmo o Espiritismo não sendo uma religião, no sentido de seita, igreja, culto.
O que deveria ser o diferencial do Espiritismo, está desaparecendo na estruturação de uma "religião espírita", na sistematização organizacional do "movimento espírita", na acomodação resultante da prática espírita restrita à casa espírita. Esse diferencial, que dilui-se no meio de rumos equivocados na estruturação e difusão do "movimento espírita", é o modelo espírita de vida de relação.
Em verdade, esse diferencial, que poderia provocar mudanças profundas na sociedade, que é a "novidade" trazida pelo Espiritismo, é exatamente a proposta prática de viver-se em relação com a sociedade e com a natureza segundo as Leis Divinas ou Naturais.
Nesse sentido, o Espiritismo deveria estar se desenvolvendo como uma proposta alternativa de vida, onde os Espíritas discutiriam, ensinariam, praticariam e exemplificariam a vida de relação, baseada no amor, na ética, na solidariedade, na eqüidade, na fraternidade, na lógica e na razão, em processo de desenvolvimento equilibrado e sustentável com a natureza e recursos naturais.
No entanto, o movimento espírita, na contra-mão de sua filosofia de vida, se "enclausura" nas Casas Espíritas, onde "discursa" para si mesmo, onde faz palestras para o seu próprio "umbigo", onde pretende "evangelizar" sem saber como se faz isso no dia-a-dia e na práxis de uma vida inevitável e inexorável de relação, que ocorre dentro de uma sociedade conturbada e em constante transição. Recebe-se (na verdade diz-se "toma-se") passe e "bebe-se" água fluida, mais com sentido ritual do que de efetivo reforço de energias para enfrentar a dura e constante batalha pela difusão de conceitos, de ideais e de exemplificação.
Muitas Federações Espíritas e seus órgãos auxiliares, tentam estruturar o movimento espírita, formatando as Casas Espíritas em "modelos" nitidamente "religiosos" no sentido estreito da palavra, impondo linhas de pensamento e de organização que só restringem, confinam e impedem que a Doutrina Espírita amplie horizontes. A difusão e a comunicação, mesmo na grande mídia, é pobre, limitada, discursiva e "religiosa". Até os expositores e palestrantes são "formatados" e "estandardizados" num padrão "divaldiano".
Infelizmente, a riqueza doutrinária do Espiritismo é perdida, por limitar-se seu universo. A proposta dos Espíritos Superiores, na Codificação Espírita, é a da ação com sentimento, a da emoção com participação, a de fazer comprometendo-se, a de agir pela razão, a de transformar a lógica em concretude.
A proposta espírita original é a de fazer a diferença pelas nossas atitudes e ações, demonstrando que a Lei de Amor é o guia perfeito das ações humanas em todos os campos. Essa proposta é a da fé raciocinada, que não pode prescindir da efetiva prática diária, que se dá exatamente na vida de relação, e não apenas no que ocorre dentro da Casa Espírita.
Não estamos aqui dizendo que a Casa Espírita não tem importância. Muito pelo contrário, é um local indispensável e fundamental, pois todo agrupamento humano organizado necessita de um local para o aprendizado, para as discussões, para haurir forças, para planejar, e nesse caso em especial, para orar em conjunto.
O que estamos colocando é que o movimento espírita deve "ultrapassar" as portas da Casa Espírita, da sala de passes, das salas mediúnicas e projetar-se para as ruas, para a participação societária, para a ação consciente nas mudanças sociais, para o marcar presença e para o colocar o "selo de qualidade" da ação espírita em todos os campos do relacionamento humano.
Só com isso atrairemos a atenção das pessoas para os Ideais Espíritas, para o Comportamento Espírita, para a Proposta Espírita. Tentar atrair as pessoas para a "casa espírita" é um grave erro estratégico, pois não temos como "concorrer" com promessas de "salvação eterna", de "solução de problemas", de "resolver a vida", de "descarregos", de "lugar no paraíso" e outras coisas mais.
O correto é, sem sombra de dúvida, motivar as pessoas para a Causa Espírita, o que só é possível "colocando o bloco na rua", ou seja, expondo o ideal espírita na vida societária, pela participação consciente, engajada e exemplificadora (não há necessidade de proselitismo) de cada um dos Espíritas.
E aí nos reuniremos nas Casas Espíritas para estudar, orar, nos equilibrar física e espiritualmente e planejar. Sim, planejar, pois "....para quem não sabe aonde quer chegar, todos os caminhos não levam a lugar algum...".
O bem e o amor não podem prescindir da ação firme e cuidadosa, da exemplificação e da ocupação de espaços. Esse é o escopo da Doutrina Espírita. É aí que podemos fazer a diferença!
Autor: Carlos Augusto Parchen
Fonte: www.carlosparchen.net