Ele não passava de um garotinho levado.

Adorava pendurar-se nos galhos das árvores para se balançar.

Vivia com os cabelos ao vento e os pés descalços. Tinha uma alma doce, toda amor.

Chamava-se Guilherme Augusto Araújo Fernandes e morava ao lado de um asilo de idosos.

Ele conhecia todos os que moravam lá. E gostava de cada um deles de uma maneira especial.

Gostava da sra. Silvano que tocava piano. E do sr. Cervantes que sempre lhe contava histórias arrepiantes.

Também do Sr. Waldemar que andava de um lado a outro com um remo, como se houvesse um lago por perto, para remar.

Ajudava a Sra. Mandala a ir de um lado para outro, apoiada em sua bengala.

E admirava o Sr. Possante com sua voz de gigante.

Mas a pessoa de quem ele mais gostava era a sra. Antônia Maria Diniz Cordeiro. É que ela tinha quatro nomes, como ele.

Ele a chamava de dona Antônia e lhe contava todos os seus segredos.

Um dia, Guilherme Augusto ouviu seus pais conversarem a respeito da sua amiga.

E entre uma frase e outra, descobriu que dona Antônia tinha perdido a memória.

A mãe comentou que não era de admirar. Afinal, ela estava com 96 anos de idade!

Guilherme quis saber o que era a memória e o pai lhe disse que era alguma coisa da qual a pessoa se lembra.

A resposta não satisfez o menino, que foi perguntar para a sra. Silvano.

"É algo quente", meu filho, "muito quente", foi a resposta.

O Sr. Cervantes lhe disse que era uma coisa muito, muito antiga.

E o sr. Waldemar informou que era uma coisa que fazia chorar, chorar muito.

Para a sra. Mandala, era uma coisa que fazia rir, rir bastante.

Já o Sr. Possante lhe disse que a memória era alguma coisa que valia ouro.

Então o garoto foi para sua casa e começou a procurar memórias para dona Antônia, já que ela havia perdido as suas.

Procurou uma caixa de sapatos cheia de conchas, guardadas há muito tempo, e as colocou numa cesta.

Também colocou uma marionete e a medalha que seu avô lhe tinha dado um dia.

Também para a cesta foi a sua bola de futebol, que valia ouro.

E até um ovo fresquinho, ainda quente, retirado debaixo da galinha.

Aí Guilherme Augusto foi visitar dona Antônia e deu a ela, uma a uma, cada coisa da sua cesta.

Ela ficou emocionada com os presentes daquela criança admirável. E começou a se lembrar.

Segurou o ovo ainda quente, entre suas mãos, e contou para o menino sobre um ovinho azul, todo pintado, que havia encontrado uma vez, dentro de um ninho, no jardim da casa de sua tia.

Encostou uma das conchas no ouvido e lembrou da vez que tinha ido à praia de bonde, há muito tempo, e como sentira calor com suas botas de amarrar.

Pegou nas mãos a medalha e recordou, com tristeza, de seu irmão mais velho, que tinha ido para a guerra. E nunca mais voltou.

Sorriu para a marionete e lembrou da vez em que mostrara uma para sua
irmãzinha, que rira às gargalhadas.

Conseguia lembrar até do detalhe do mingau escorrendo pela boca risonha da menina.

Ela jogou a bola de futebol para Guilherme e lembrou do dia em que se conheceram. E recordou de todos os segredos que haviam compartilhado.

Guilherme Augusto e dona Antônia sorriram e sorriram, pois toda a memória perdida tinha sido encontrada.

E por um menino que nem era tão sábio, nem tão velho.

Era simplesmente um menino que amava os idosos e sabia ser amigo.

 

***

 

Para se brindar alguém com alegria, não há necessidade de somas exageradas de dinheiro, nem de dotes especiais.

Para fazer feliz a vida de alguém é suficiente uma dose de tempo, uma pitada de amor e um pouquinho de imaginação.

Em resumo: uma bela amizade.

 

Autor Desconhecido

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