Ele era um jovem nascido em Assis, na Itália, provavelmente no final de setembro de 1182. Sua mãe o chamou João, em homenagem a João Batista. Quando o pai, meses depois de sua viagem à França, para onde viajara a negócios, retornou, enfureceu-se com a escolha.

Ele não podia revogar o nome batismal, mas fez questão de que seu filho passasse a ser conhecido como Francesco, o francês, em homenagem ao país onde ganhava dinheiro e de onde trazia as modas e as formas de elegância social que tanto admirava.

Na sua mocidade, Francesco era alegre, apreciava cantar e sair com amigos. Pensava em se tornar um cavaleiro, defensor de pobres e oprimidos.

Partiu para uma batalha, foi feito prisioneiro e retornou ao lar quase um ano depois, enfermo. Nunca mais foi o mesmo. Dentro de si, sentia que tinha algo muito importante a realizar na Terra.

Então, ouviu uma voz que o convidava a agir. Francesco atendeu o convite e causou grande revolução no pensamento religioso da época.

Ele deu ao mundo uma vida de simplicidade radical, desvinculada de quaisquer posses (….) Seu espírito possuía excepcional espontaneidade: corria ao encontro das necessidades alheias, assim como se apressava em chegar até Deus, que continuamente o convidava a novas aventuras.1

Ele se dizia o menestrel de Deus. Amava a música e compunha canções. Fazia um arco de viola imaginário com um graveto e cantava para seus amigos, enquanto andava pelas estradas.

Embora não tenhamos registro da melodia, os versos de algumas dessas composições emocionam até hoje. Um dos grandes hinos que ele deixou brotar de sua inspiração é uma canção adiantada vários séculos em relação ao seu tempo. Uma canção de sensibilidade e, podemos acrescentar, também ecológica.

Francesco dizia que a Criação de Deus não era somente bela, mas também era boa porque retratava a Sua bondade.

Ele reconhecia tudo o que havia na Criação como irmã, irmão e amigo seu. Amava o sol, a lua e as estrelas, o vento, o ar, a água, o fogo. Todo ser vivo, tudo que brotava da terra.

Mesmo quando a cegueira lhe apagou a luz dos olhos, ele continuou a compor. As cores das flores eram somente lembranças, mas ele as louvava em cânticos.

Para Francesco, a fraternidade ia além das pessoas. Tudo, dizia ele, vem de Deus, está ligado a Deus e encontra seu sentido em Deus.

A canção Louvação a Deus foi composta após uma noite exaustiva de muitas dores físicas. É o primeiro exemplo de poesia em italiano vernáculo.

Altíssimo, Todo Poderoso, bom Deus, a Ti o louvor,

A glória e a honra e todas as bênçãos.

A Ti somente, Altíssimo, elas pertencem

E homem algum é digno de mencionar Teu nome.

Sê louvado, Senhor, com as Tuas criaturas,

Especialmente o senhor irmão sol

Que é o dia e por meio do qual nos dás a luz.

E ele é belo e radioso com grande esplendor

E feito à Tua semelhança, Altíssimo.

Sê louvado, Senhor, pela irmã lua e as estrelas

No céu as formaste, claras, preciosas e belas.

Sê louvado, Senhor, pelo irmão vento, e pelo ar nublado e sereno

E todos os tipos de clima por meio dos quais dás sustento a Tuas criaturas.

Sê louvado, Senhor, pela irmã água,

Que é muito útil e humilde, preciosa e pura.

Sê louvado, Senhor, pelo irmão fogo, por meio do qual iluminas a noite

E ele é belo e alegre.

Sê louvado, Senhor, por nossa irmã, a mãe Terra que nos sustenta e governa e que produz variados frutos, com flores e ervas coloridas.2

No ano de 1219, Francesco, que fora se juntar aos combatentes da Quinta Cruzada, decidiu ir à presença do sultão Al-Malik Al-Kamil.

Ele desejava converter o sobrinho de Saladino ao Cristianismo. E se isso redundasse em martírio, não se importava. Com seu companheiro Illuminatus foi em direção ao quartel-general do sultão.

Era sabido que os cristãos podiam praticar sua fé em terras muçulmanas. Mas, se tentassem converter algum maometano, estariam sujeitos à pena capital.

Quando Francesco e o amigo se aproximaram do acampamento do sultão foram imediatamente levados à sua presença.

O governante muçulmano tinha a mesma idade de Francesco. Ele governava o Egito, a Palestina e a Síria. Era competente em artes militares. Também completamente dedicado às tradições de sua fé e à sua disseminação.

Cinco vezes ao dia, ao ouvir o chamado para a adoração a Alá, era o primeiro a assumir a postura devida. Francesco, pois, estava diante de um homem profundamente devoto, que também acreditava em um Deus único.

Através de um intérprete, falou ao sultão e ao seu Conselho sobre a fé em Cristo e o apelo de paz em nome de Jesus, o filho de Deus.

Quando concluiu, os conselheiros presentes opinaram que os visitantes deveriam ser, de imediato, decapitados. Entretanto, o sultão era homem que apreciava a verdadeira fé onde quer que a encontrasse e disse:

Vou contrariar esses conselhos. Jamais te condenarei à morte. Seria uma perversa recompensa para alguém que voluntariamente arriscou-se a morrer a fim de salvar minha vida diante de Deus, como acreditas.3

Até onde os registros medievais, em italiano e francês, bem como as crônicas muçulmanas relatam, o fato não teve precedente na História das relações entre cristãos e muçulmanos.

Os frades ficaram no acampamento muçulmano durante uma semana. E, ao despedi-los, o sultão lhes forneceu salvo-conduto de volta ao seu acampamento.

E até mesmo a Jerusalém, pois Francesco desejava venerar os ditos lugares santos cristãos. Deu-lhes o suficiente em provisões para a viagem de retorno e presentes preciosos. Esses, delicadamente foram recusados por Francesco, o que mais provocou a admiração de Al-Kamil.

Francesco não conseguiu converter o sultão à fé cristã, mas saiu de lá com uma impressão bem diferente do seu anfitrião.

Eram dois líderes. Um liderava homens à guerra, motivado por suas convicções religiosas. O outro somente desejava que se implantasse a paz do Cristo no mundo.

Dois líderes. Caminhos divergentes. Batalhas gigantescas a vencer. Armas diferentes. Mas um ao outro ouviu e deixou bem claras as linhas do respeito.

Francesco, Francisco de Assis não era um teórico da vida espiritual. Jamais falava de Deus a não ser em termos de experiência, porque era testemunha de um Deus vivo e atuante.1

Ele desencarnou no dia 3 de outubro de 1226 e, ao descrever seus últimos momentos, os amigos nunca esqueceram um detalhe: muitas cotovias esvoaçaram, por sobre o teto da cabana onde ele jazia, fazendo círculos e cantando.

 

Bibliografia:

1. SPOTO, Donald. Francisco de Assis, o santo relutante. Edição de bolso. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010

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