O ditado popular “O homem propõe e Deus dispõe” pode ser aplicado a penosos processos obsessivos, sustentados por recíproca animosidade.
Ainda que os obstinados adversários pretendam loucamente continuar a se agredir um ao outro, tais vendetas contrariam os princípios de harmonia que sustentam o Universo.
O ódio é a negação do Amor, lei suprema de Deus.
Infalivelmente, sempre chega o momento de mudar.
As bênçãos do tempo acabam por esgotar o fel de seus corações. Exaustos de tantos rancores, sedentos de paz, os “duelistas” acabam por desejar ardentemente uma trégua, uma possibilidade de renovar seus caminhos.
E um dia, após longo sono, ei-los reencarnados nas experiências em comum, ligados agora por laços de consangüinidade.
Ontem inimigos, hoje irmãos.
Ontem verdugo e vítima, hoje pai e filho.
Ontem obsessor e obsidiado, hoje marido e mulher.
Assim a Justiça Divina exige a reparação.
Assim a Divina Misericórdia promove a reconciliação.
Assim a Sabedoria do Eterno transforma o ódio em amor.
É uma metamorfose difícil, sofrida, porquanto, embora as bênçãos do esquecimento e os elos familiares, eles conservam, inconscientemente, indelével ressentimento.
Daí a ausência de afinidade, a dificuldade de relacionamento, a mágoa indefinível, a animosidade e, não raro, a aversão que experimentam entre si.
Para os mais esclarecidos isso tudo é motivo de aflitivos padecimentos, em duras experiências que somente à custa de abnegação e sacrifício poderão vencer.
É como se enxergasse nele um velho perseguidor disfarçado, uma ameaça.
-A convivência com minha mãe é complicada.
Nutro por ela sentimentos contraditórios de amor filial e rancor figadal que revolve minhas entranhas.
-Brigamos eu e meu irmão como gato e cachorro. Quando adolescentes era até natural.
Agora que somos adultos é inexplicável. Ao menor desentendimento sinto-me possuído de ódio por ele, tentado a ofendê-lo e agredi-lo.
-Até hoje não sei como casei com minha mulher. Uma atração física irresistível talvez, mas foi só. Passado o fogo da paixão, resta invencível animosidade. Simplesmente não nos entendemos.
Vivemos às turras, com intermináveis cobranças.
Uma situação insustentável.
-Amo extremadamente meu filho mais novo.
Quanto ao mais velho, não há nenhuma afinidade entre nós. Ele me desrespeita e eu não consigo ser carinhosa com ele. Há momentos em que me parece um estranho. É recíproco. Ele simplesmente me ignora.
Parece sadismo de Deus promover esses “desencontros” no lar para que as pessoas vivam a brigar.
Tais problemas, entretanto, relacionam se muito mais com a ausência de compreensão, tolerância e respeito no presente e muito menos à presença de inimigos do passado.
Embora se trate de uma situação desconfortável e complicada, é preciso lutar pelo pleno aproveitamento da experiência. Não podemos perder a oportunidade de corrigir os desvios de ontem, habilitando-nos a transitar amanhã com maior conforto e segurança pelos caminhos da Vida.
Imperioso não esquecer, em relação aos nossos desafetos do pretérito, transvestidos possivelmente em familiares de convivência difícil, que as lições serão repetidas tantas vezes quantas forem necessárias, até aprendermos todos que somos irmãos.
Richard Simonetti