A doação de órgãos é um ato grandioso de amor ao próximo, que possibilita milhares de vidas serem salvas anualmente.
Alguns transplantes como o do rim, parte do fígado, do pulmão e medula óssea, podem ser realizados pelo doador em vida. Contudo, após o desencarne a doação é mais ampla e engloba os dois rins, fígado, coração, válvulas, pâncreas, pulmões, intestino, córneas, pele, veias, artérias, tendões, cartilagem e ossos.
Somente após a confirmação da morte encefálica, que é a morte do cérebro e do tronco cerebral, a pessoa é considerada apta a doar seus órgãos, pois estes podem ser aproveitados enquanto houver circulação sanguínea irrigando-os, ou seja, antes que o coração deixe de bater e os aparelhos não possam mais manter a respiração do paciente.
Analisando a doação de órgãos sob a ótica espírita, podemos levantar inúmeras reflexões e questionamentos.
Nas Obras Básicas não há nenhuma citação sobre este assunto, visto que o primeiro transplante bem-sucedido de órgãos ocorreu em 1954, em Boston (EUA).
Contudo, Kardec afirmou que o espiritismo deveria sempre caminhar com a ciência, aperfeiçoando-se e evoluindo igualmente.
Hoje, temos grandes representantes da nossa Doutrina, como Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco, que trazem em suas obras a continuidade da missão de Kardec.
Em uma entrevista, Divaldo esclarece algumas dúvidas levantadas por espíritas a esse respeito, como por exemplo a incompatibilidade perispiritual entre o doador e o receptor do órgão. O médium afirma que esta não existe, porque o perispírito de quem recebe consegue adaptar às futuras células sua própria organização.
Outra dúvida muito frequente é se o Espírito desencarnado pode sofrer, caso ainda esteja ligado ao corpo físico, quando seus órgãos forem retirados.
Divaldo diz que o períspirito permanece inalterado, já que o desligamento do corpo físico é feito antes da retirada dos órgãos, mas adverte que, no caso de ocorrer a doação sem o consentimento prévio da pessoa, pode advir um choque emocional para o Espírito doador.
Diante esta observação, vale trazer algumas reflexões sobre o processo de desencarne.
A sabedoria popular nos diz que, para termos uma boa morte, é necessário que tenhamos antes uma boa vida.
A questão 165 de O Livro dos Espíritos é bastante esclarecedora a respeito deste assunto. Vale ressaltar que o período de perturbação durante e após o desencarne pode variar bastante tanto em intensidade como em duração. Cada morte, assim como cada renascimento, é para nós uma experiência única.
À vista disso, no capítulo 15 de Obreiros da Vida Eterna, psicografado por Chico Xavier, o mentor Jerônimo destaca que não existem duas desencarnações estritamente iguais, pois depende daposição espiritual de cada um.
Vale ainda destacar a recomendação de Emmanuel quanto ao tempo de espera para que uma cremação não seja prejudicial ao Espírito desencarnante. Ele recomenda que se aguarde por volta de 72 horas para que a cremação seja efetuada.
Com isso, verificamos que 72 horas é um tempo superior ao requerido para a retirada de órgãos. Podemos assim entender que, em um tempo inferior a este pode haver algum risco de trauma psicológico para o Espírito doador. No entanto, é importante acentuar que, a retirada de um órgão é bem menos drástica do que a cremação.
Ao levarmos em conta essas reflexões, podemos considerar que a doação de órgãos se torna um pouco mais complexa do que poderíamos imaginar, pois não existe absoluta certeza, da condição espiritual do doador, já que se trata de uma situação que engloba inúmeros fatores.
Assim, verificamos que a evolução moral, o conhecimento sobre a realidade espiritual, o momento emocional do desencarnante e da família são fatores que influenciam no processo de desligamento do Espírito com o corpo físico.
Divaldo esclarece ainda que, no caso em que a família opta pela doação, mesmo que seu ente querido não seja conhecedor da continuação da vida, num primeiro momento pode haver uma sensação desagradável, porém, a seguir, o Espírito compreenderá o bem que foi feito e com isso sentirá uma grande felicidade pessoal.
No livro Amor e Saudade, psicografado por Chico Xavier, o Espírito Wladimir, fala do benefício recebido pelas preces que revigoraram suas forças espirituais, levando-o a compreender o valor da doação, mesmo feita sem a sua autorização quando encarnado.
No livro Entrevistas também psicografado por Chico Xavier, os mentores assumem uma posição favorável aos transplantes de órgãos, por considerarem que não contrariam as leis naturais, pois trata-se de um avanço da ciência, totalmente legítimo, que deve ser levado adiante. Porém, Chico Xavier também adverte que, se a pessoa for demasiadamente apegada a objetos, posições sociais e a seus afetos, é aconselhável não autorizar a doação.
Com isso, podemos averiguar, mais uma vez, que a decisão de doar os órgãos é do doador e, dentre vários fatores, vai também depender do maior ou menor desprendimento das coisas que o cercam neste mundo. Contudo, é válido considerar as preciosas palavras de Divaldo Franco, quando diz que: “Não pode haver maior dádiva do que oferecer algo que não nos é mais útil e que vai salvar uma vida, pois a doação voluntária e consciente expressa a sublimidade do amor incondicional em benefício do próximo, sendo para o receptor um exemplo da misericórdia Divina".
Isso posto, ao se analisar a doação de órgãos sob a ótica espírita, podemos sintetizar que a nossa Doutrina aprova esta iniciativa, mas é importante que seja livre e espontânea por parte de quem deseja doar seus órgãos, não nos cabendo a imposição desta ação a ninguém. O mais importante é termos consciência de que a doação é um ato nobre que pode salvar vidas, pois pode ser a única esperança de recomeço para um irmão que depende de uma atitude como esta, para dar continuidade à vida no plano físico.
32.º Edição
Jornal Fraterno Maria de Nazaré
Publicação do Grupo Socorrista Maria de Nazaré
Janeiro a Março de 2022
Autora: Margareth Rosa Cavalcanti - Trabalhadora do GSMN