Ficou célebre aquele que teria sido o primeiro encontro entre o médium Chico Xavier e o seu guia espiritual, Emmanuel. O jovem Chico mostrava-se inseguro ao ter um vislumbre do trabalho que se lhe apresentava pela frente, e pedia amparo aos guias para não fracassar no labor que lhe era confiado. E após instrui-lo a trabalhar, estudar e esforçar-se no bem, e garantir que não faltaria o apoio espiritual, o antigo senador romano estabeleceu que três fatores seriam essenciais para o êxito. E ao ser questionado pelo médium quais seriam esses, repetiu por três vezes a palavra “Disciplina”1...

Mas qual será a essência dessa virtude?

A palavra “disciplina” provém da mesma raiz latina de discípulo, e disso depreendemos que, assim como um discípulo deve estar atento às orientações do seu mestre, a disciplina envolve organização, dedicação e vontade para que determinado projeto, labor ou objetivo possa seguir um curso favorável. E quanto mais nobre seja esse objetivo, tanto mais a disciplina deve estar aliada ao comportamento ético, cuja falta tem gerado os resultados lamentáveis que temos acompanhado na atualidade.

No campo do comportamento humano, muitos pais e educadores queixam-se da indisciplina de jovens e crianças, alertando que isso tem sido observado com uma frequência cada vez maior, e que não sabem mais o que fazer para solucionar o problema. Na tentativa de encontrar os responsáveis por tal fator, aponta-se a escola, a televisão, a tecnologia e, não raro, coloca-se a culpa nos próprios jovens, que não são mais como os de antigamente. Será?

Certamente vivemos novos tempos, nos quais a tecnologia modificou de forma intensa as relações e o processo de comunicação. Mas a base humana, a psique, permanece com os mesmos desafios, apenas adaptados às novas realidades, e muito do comportamento infantil e juvenil é reflexo do que aprendem ou deixam de aprender dentro dos lares. Se algo aconteceu na trajetória entre as gerações antigas e a atual, deveremos nos questionar qual são as lacunas que deixamos.

O psiquiatra suíço, Carl Gustav Jung, ao referir-se ao processo educativo, já atentava para algo essencial: “Tudo aquilo que quisermos mudar nas crianças, devemos primeiro examinar se não é algo que é melhor mudar em nós mesmos”2.

Nesse aspecto, devemos atentar novamente para a raiz da palavra disciplina, pois antes de requerer que os discípulos sejam corretos, deveremos nos questionar se somos bons exemplos na condição de mestres. Se a vida requer disciplina para todos, antes de tudo somos nós, os adultos, que devemos exemplificá-la em nosso comportamento. E sendo sincero conosco mesmo, temos sido disciplinados no campo da moral, da saúde, dos estudos, do trabalho, da religiosidade, social etc., da mesma forma como gostamos de exigir dos nossos filhos? Temos dedicado o tempo necessário para auxiliá-los a lidar com a dinâmica da vida moderna, cheia de interatividade, informações e acesso a tudo quanto se possa buscar? Já buscamos compreender a nova dinâmica do mundo? Se não conseguimos dar conta disso, é difícil conseguir dialogar com as novas gerações, e consequentemente estabelecer um programa de disciplina que possa auxiliar os jovens nesse período de transição a terem uma vida saudável.

Por todos esses fatores, a disciplina exigida para o momento que vivemos não se limita àquela voltada para atingir os objetivos materiais da vida, porquanto esses, embora também requeiram organização e esforço, são muitas vezes ilusórios e transitórios. A disciplina à qual nos referimos é essencialmente moral, voltada à conquista de valores e virtudes, que nos permitirá alçar voo rumo à plenitude que nos aguarda. Temos tido essa disciplina, para poder ensiná-la aos nossos filhos?

Recentemente uma paciente contou algo curioso. A filha perguntou a ela por que ainda não ia para o centro espírita, para as atividades da evangelização, pois tinha uma coleguinha que participava e que gostava muito. E após muito insistir, a mãe a levou para o encontro. No término, a filha de 6 anos disse a ela: e não será somente hoje mamãe, quero vir toda semana...

Existe uma carência moral e de espiritualidade muito grande nesses dias modernos, no qual temos acompanhado o exemplo de tantas vidas vazias, resultando em tragédias sem fim. A disciplina, aliada a valores morais e a uma existência saudável, é o caminho para construção de uma nova era, pautada em novos valores. Chico Xavier conseguiu cumprir sua jornada, com muitas noites mal ou não dormidas, muitas incompreensões e com a saúde física testada várias vezes. No entanto, disciplinado e conectado à consciência e aos seus guias espirituais, conseguiu cumprir sua trajetória de luz. Que no exemplo do notável apóstolo da mediunidade possamos extrair a lição da disciplina, incorporando-a ao nosso comportamento.


1 Ramiro Gama. Lindos casos de Chico Xavier. Editora Lake

2 Carl Gustav Jung. O Desenvolvimento da Personalidade  


Fonte: www.correioespirita.org.br

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