A alegria explodia em todo o Brasil na tarde de 30 de junho de 2002. Ronaldo e companhia haviam detonado pela manhã a Alemanha e conquistado o pentacampeonato mundial de futebol. Mas, em meio à alegria, uma notícia urgente (e triste) interrompeu a cobertura da festa das emissoras de rádio e TV: Francisco Candido Xavier acabara de morrer após parada cardiorrespiratória, aos 92 anos, em sua casa em Uberaba, no Triângulo Mineiro. Estima-se que 120 mil pessoas tenham participado de seu velório.
Se você não acredita em vida após a morte, vai se surpreender como o médium Chico Xavier continua tão vivo na memória dos brasileiros. Vinte anos depois de seu desencarne, o médium permanece ativo no mercado, com o lançamento póstumo de 98 livros. São duas décadas de ausência física, mas de exposição espantosa. Uma nova leva de biografias, documentários e filmes prometem torná-lo ainda mais presente.
— “Cândida missão” (lançado em março) é o livro de número 537. Depois de morto, 98 livros da sua lavra, inédita em termos editoriais, foram publicados. É uma média quase igual a de quando ele estava encarnado, em torno de cinco a seis livros por ano — diz o presidente da Casa de Chico Xavier, Geraldo Lemos Neto, um dos principais divulgadores da obra do médium.
— Muitos livros póstumos estão sendo publicados agora. Ele deixou farto material que não havia sido incluído em livro — observa o médium Carlos Baccelli, parceiro de Chico na autoria de uma dezena de livros.
Desde então, a data da morte do médium passou a impulsionar uma extensa programação sobre a doutrina espírita. Para a primeira semana de outubro está previsto o Encontro Nacional dos Amigos de Chico Xavier. São aguardados ainda um longa, “Chico para sempre”, de Wagner de Assis, e uma série documental, com o mesmo nome. A obra terá mais de 80 entrevistas sobre o médium.
As produções baseadas em obras do médium são uma das causas apontadas pela popularidade de Chico Xavier em um país marcadamente católico e com grande número de evangélicos.
— Primeiro teve a cinebiografia “Chico Xavier”, dirigido por Daniel Filho, com elenco espetacular. Tony Ramos, Cristiane Torloni e Nelson Xavier estupendo no papel do Chico Xavier maduro. Depois veio um blockbuster, fenômeno de bilheteria, o “Nosso Lar”, de Wagner de Assis, baseado no principal best-seller do Chico, assinado por André Luiz, e que vendeu na época, já na largada, um milhão de exemplares. Um colosso — destaca Marcel Souto Maior, autor do best-sellers “As vidas de Chico Xavier”.
O sucesso de Chico no mercado editorial e nos cinemas ecoa também na internet.
— Quando você navega pela internet vê que o nome e que frases e mais frases dele, e vídeos também, estão em destaque. Você tem vídeos do Chico que acabam viralizando. Porque é muito fora da curva, para usar um termo mais de hoje, ver alguém com uma mão sobre os olhos, preenchendo páginas e páginas de papel com mensagens atribuídas a espíritos — observa Marcel.
O diretor da Federação Espírita Brasileira, João Rabelo, destaca que a doutrina espírita e os ensinamentos de Chico Xavier ganharam mais espaço com a febre das lives nas redes sociais.
— A quantidade de lives que tivemos neste período da pandemia foi uma coisa difícil de medir. Cada casa de espírita atuante virou um centro espírita. Todos passamos a ser pregadores. Eu, por exemplo, tenho feito muitas lives para o exterior — conta Rabelo.
O interesse por Chico Xavier, para Marcel, está associado à busca pela eternidade.
— O Chico mobiliza a esperança imensa de que a vida seja mais do que uma contagem regressiva com uma morte total. Estamos em plena contagem regressiva rumo ao fim. Quando a gente fala sobre o Chico, falamos sobre uma vida que continua. Ele jura que os espíritos estão aí, estavam escrevendo através das mãos dele. É claro que essa esperança move muita gente.
Chico Xavier nasceu em 2 de abril de 1910, em Pedro Leopoldo, a 40 quilômetros de Belo Horizonte. Era filho do operário João Candido Xavier e da lavadeira Maria João de Deus. Com a doença e morte da mãe, ele, aos 5 anos, e os sete irmãos foram morar com parentes. Chico chegava a apanhar até três vezes por dia de sua madrinha. Nesse período, começaram os relatos dos contatos com o espírito da mãe, que lhe pedia paciência.
Como penitência, recebeu do padre local a tarefa de carregar um pedregulho na cabeça durante uma procissão e rezar mil vezes a Ave-Maria. Depois de dois anos infernais, Chico encontrou a paz nos braços de Cidália, que casara com o seu pai e passou a criar também seus sete irmãos.
Chico continuaria a relatar contatos com espíritos e a surpreender amigos, vizinhos e parentes. Em 1927, com 17 anos, passou a psicografar mensagens do além. Em 1931, contou ter tido o primeiro contato com um espírito que se apresentou como Emmanuel, e seria o seu mentor na Terra. O primeiro livro “Parnaso de além túmulo”, uma coletânea de poemas atribuída a autores já mortos, saiu em 1932.
Com a morte da madrasta, coube a ele cuidar dos irmãos mais novos. Ele, que havia começado a trabalhar aos 9 anos no comércio, conseguiu emprego como datilógrafo no Ministério da Agricultura, onde se aposentou. Todos os direitos sobre os livros foram doados a entidades beneficentes.
Os fenômenos mediúnicos se propagaram. Psicografias, curas e uma obra assistencial mantida pela venda dos livros romperam os limites da pequena Pedro Leopoldo. Seus livros psicografados, como “Há dois mil anos” (1939), e “Nosso Lar” (1944), fazem grande sucesso.
Mas a fama traria problemas. Uma reportagem do “Cruzeiro” o retratou de maneira negativa. Os jornalistas David Nasser e Jean Manzon deramnomes falsos e o fotografaram em uma banheira. Mais de 30 anos depois, Nasser revelaria que nos livros que Chico dera a ele e ao fotógrafo como presente eram identificados pelo nome, em dedicatória assinada por Emmanuel.
Chico passaria a ser mais avesso ainda à imprensa. Somente em 1968, já morando em Uberaba, procurado pelo jornalista Saulo Gomes, ele voltou a dar entrevista. Três anos depois, o mesmo jornalista o convidou para participar do programa “Pinga Fogo”, na extinta TV Tupi. O sucesso foi tão grande que o médium aceitou participar de outra edição, alcançando, segundo Saulo, mais de 85% de audiência. Saulo conseguiria resgatar os originais do programa e relançá-lo décadas depois em DVD, com trechos que viraram virais na internet.
O programa marcou uma mudança na imagem de Chico. Artistas passaram a procurá-lo, como o cantor Roberto Carlos e as atrizes Glória Menezes e Vera Fischer. Hebe Camargo e Gugu Liberato o entrevistaram.
O médium morreu aos 92 anos sem nunca ter casado ou tido filhos. Embora tenha sido levado a um bordel uma vez, aos 20 anos, não perdeu a virgindade. Naquele dia não houve atendimento na casa. O jovem atraiu a atenção das moças falando da doutrina espírita. O biógrafo Marcel Souto Maior diz que a única vaidade de Chico era a peruca.
A residência em que morou em Pedro Leopoldo, entre 1946 e 1959, foi transformada na Casa de Chico Xavier. Em Uberaba, sua residência é hoje a Casa de Memórias e Lembranças Chico Xavier. Na cidade, há ainda o Memorial Chico Xavier.
Fonte: https://extra.globo.com/noticias