Passeando pelas lojas do Shopping Center, observamos várias telas representando a figura de Jesus. Nas revistas do jornaleiro, na locadora, várias representações do meigo nazareno. Em todas essas imagens observamos os olhos azuis de Jesus… Sim, o mestre é geralmente representado nas diversas situações pertencente a uma etnia europeizada, com belos olhos azuis. Que segredos se escondem por detrás desses olhos?
Não existem segredos e códigos ocultos nesses olhos. O que a princípio parece uma questão da forma, traduz conteúdos que se irradiam sobre outros posicionamentos na questão religiosa que adotamos. Que no local onde Jesus nasceu, a Palestina, a parecença européia não seria possível, isso é óbvio. Até por que se ele fosse tão diferente assim (como um oriental nascido no seio da África pré-colonização), esse fato seria citado ao longo dos escritos sobre a sua vida.
Hoje observamos que Jesus se fez diferente por outros motivos… Mas, no processo histórico de consolidação do cristianismo, como supor que o Senhor dos Exércitos poderia se assemelhar aos povos tidos como inimigos? Como crer que nos dois mil anos de cristianismo, onde a religião perseguida sobe aos píncaros do poder, estimulando guerras e invasões, que o Cristo fosse representado por pintores e escultores em expressão diferente da beleza clássica tão exaltada?
Passaram-se os séculos e a sociedade ocidental imortalizou a figura de Jesus com seus traços nórdicos principescos, na cultura valorizada pelos dominantes e vencedores, depois colonizadores dos países hoje fortes no cristianismo. Das “fantasias , das ficções e das deformações que nos foram impingidas pelos que se dedicaram , no passado, a inglória tarefa de utilizarem-se do Cristo como peça importante no tabuleiro de suas paixões, no qual disputam as maiores fatias de poder transitório” (MIRANDA, 1998,p. 43) surgiu a representação gráfica do Cristo que vemos estampada por aí, carregada da influência dessa ideia clássica do renascentismo.
Esses atavismos, imbricados de pensamentos ingênuos e ainda presentes, como os que pensam que o espírito vestido de branco é um espírito de luz, ou que a beleza física exterior é sinal de evolução espiritual, pois é uma beleza angélica (anjos loiros e de olhos azuis como nos afrescos renascentistas), trazem conseqüências muito mais profundas para a nossa vivência evangélica do que possamos imaginar.
Essa lógica da forma predominante rejeita a lógica de valorizar o espírito e a essência. Não podemos nos esquecer de que a roupagem carnal é instrumento para a nossa evolução, conforme apresentado no planejamento da encarnação de Segismundo no livro “Missionários da luz” de André Luiz, e não reflexo de nossos dons espirituais.
A beleza é culturalmente relativa, como comprovam os estudos antropológicos, e a etnia é parte da nossa roupagem com relativização de sua importância no tempo e no espaço. Nascer negro no período da escravidão é diferente de nascer negro na África dos dias de hoje, em termos de provas e vivências. Essa diversidade é ferramenta de crescimento e evolução e após séculos, vivemos hoje dias de maior tolerância e compreensão das diferenças, e pelo menos no discurso as pessoas estão valorizando a nossa essência comum.
Quando no Capítulo II de “O Evangelho segundo o espiritismo”, Allan Kardec e os espíritos superiores falam da realeza de Jesus e do ponto de vista, torna-se claro que a ótica que as questões devem ser observadas é a da vida espiritual. Jesus não era o Rei que todos esperavam e esperam, assim como os valores da vida não são os que valorizamos… Nesse balaio se ocultam conceitos elitistas e salvacionistas que contrariam a lógica da reencarnação e da prática do bem. Essa deve ser a ótica da nossa vida como espírita. Se procurarmos valorizar os “olhos azuis” em detrimento dos “olhos do espírito”, serviremos sempre as realezas terrenas, desprezando os valores espirituais. Valorizaremos os “mega-eventos”, os confetes e os holofotes, esquecendo os dividendos no campo espiritual. Não há beleza maior que o amor. O formato é do campo do mundo terreno, servindo tão somente para a transformação dos espíritos, da essência.
Se os “Olhos de Jesus” eram azuis ou castanhos, negros ou verdes, isso não importa. Tanto que esse dado não se perpetuou nas passagens evangélicas, ainda que tenhamos a necessidade de representar Jesus graficamente. Esses olhos que nos observam permanentemente, com certeza são olhos cheios de um amor incomensurável para os nossos padrões terrenos. São olhos que se enchem de lágrimas quando tratamos uma pessoa pela sua aparência e gastamos a nossa energia em atividades voltadas apenas para o exterior. São olhos firmes que enxergam apenas o espírito endividado que somos, mas que com certeza está fadado acertar nessa nova oportunidade bendita.
Terminamos com a lição do espírito André Luiz, no final do capítulo X da magistral obra psicografada pelo saudoso Chico Xavier, “Libertação”, onde a bela mulher encarnada acompanhada de obsessores ao sair do corpo físico pelo sonho mostra aparência perispiritual tão aterradora que assusta até seus algozes. Lição válida e atual em dias onde a beleza e a aparência tem ocupado cada vez mais as nossas mentes em suas nuvens de transitoriedade. Lição válida para que não olvidemos Jesus, que sempre falou da beleza eterna, da beleza da alma humana, criada a “imagem e semelhança de Deus”.
Marcus Vinícius de Azevedo Braga
Referências:
(1) MIRANDA, Hermínio C. de- Cristianismo: A mensagem esquecida.- Editora O Clarim- Matão, SP- 1998;
(2) KARDEC, Allan- O Evangelho segundo o espiritismo– FEB, Rio de Janeiro-1993;
(3) KARDEC, Allan- Obras Póstumas– FEB, Rio de Janeiro-1993;
(4) XAVIER, Francisco Cândido- Libertação– FEB, Rio de Janeiro, 1984; e
(5) XAVIER, Francisco Cândido- Missionários da Luz– FEB, Rio de Janeiro, 1990.
Fonte: www.agendaespiritabrasil.com.br