CARIDADE NA DOUTRINA ESPÍRITA

A máxima deixada por Allan Kardec no Capítulo XV do Evangelho Segundo o Espiritismo (ESE) nos mostra a importância da caridade em nossas vidas: Fora da caridade não há salvação. Essa premissa nos remete a vários questionamentos: Qual caridade? Que salvação? Caridade para quem? Os capítulos XI, XII e XIII do ESE discorrem essencialmente sobre a caridade e trazem grandes ensinamentos sobre sua  prática.

O espírito de verdade nos esclarece que “caridade conforme ensinava Jesus, é a benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições alheias e perdão das ofensas” (Livro dos Espíritos, questão 886). Isso significa dizer que caridade não se limita à esmola, mas abrange todas as relações em que nos encontramos com nossos semelhantes.

O conceito de caridade trazido por Jesus nos adverte que sua prática deve permear toda e qualquer ação no nosso dia-a-dia. Portanto, a caridade nas Casas Espíritas deve ser a mola propulsora de todas as atividades.

EXERCÍCIO DA CARIDADE NO MOVIMENTO ESPÍRITA

Para exercitar a concepção de caridade e contribuir significativamente com a construção de uma sociedade mais justa, humana e fraterna, o Movimento Espírita Brasileiro em seu Plano de Trabalho estabelece como uma de suas diretrizes a Participação do Espírita na Sociedade. O objetivo dessa diretriz consiste no incentivo para que os espíritas participem de forma efetiva junto à sociedade organizada e aos órgãos do poder público, contribuindo para o encaminhamento de assuntos de interesse social; estimulando o atendimento solidário às pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social.

Compõe também ação do Movimento Espírita Brasileiro o desenvolvimento nas Casas Espíritas da área denominada Assistência e Promoção Social Espírita – APSE, que tem por finalidade:

  • Atender às pessoas e às famílias, em vulnerabilidade e risco social, que procuram o Centro Espírita, ou que, por algum modo, possam ser abrangidas pela ação comunitária desenvolvida pela instituição, conjugando-se a ajuda material, o socorro espiritual e a orienta­ção moral-doutrinária, com vistas à sua promoção social e cresci­mento espiritual.
  • Proporcionar ao frequentador do Centro Espírita a oportunidade de praticar a caridade pela vivência do Evangelho, junto às pes­soas e famílias em situação de vulnerabilidade e risco social. (fonte: Orientação ao Centro Espírita – Feb)

Diante do exposto, é importante nos questionarmos: como está nossa participação na sociedade no que refere às ações de interesse social? Como estamos efetivando a APSE na nossa casa espírita? Parece uma pergunta com resposta óbvia, no entanto, precisamos refletir sobre a prática dessa área na casa espírita, assim como ressignificar nossas ações.

A APSE tem um papel fundamental nos Centros Espíritas, por ser através dela que efetivamos nossa participação na sociedade, por meio do desenvolvimento de ações e projetos relacionados ao abandono infanto-juvenil, à violência, à drogadição, ao suicídio, ao aborto, à fome, à pobreza generalizada, à organização familiar e ao fortalecimento de vínculos familiares.

ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA

A partir da Constituição de 1988, a Assistência Social tornou-se uma política pública: dever do Estado e direito do cidadão. Desta forma, as ações sociais de cada município, realizadas pelas instituições da sociedade civil, religiosas ou não, passaram a compor a rede socioassistencial, e portanto devem seguir as normas vigentes na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS.

ONDE ATUAMOS?

A realidade social brasileira exige de nós ações concretas de enfretamento das vulnerabilidades sociais, o que não é mais possível com ações pontuais ou emergenciais. O enfoque hoje é o da promoção do ser humano (corpo e espíri­to) pelo trabalho[1], a fim de que ele possa participar ativamente da socieda­de, usufruindo direitos e exercitando deveres perante o Estado.

A realidade vivenciada pela maioria das Casas Espíritas demonstra que não é possível a realização de grandes obras sociais. Por isso, devemos partir para alternativas de ações viáveis e que vão além da prestação de serviço e doação de alimentos e roupas.

As Casas Espíritas que tiverem disponibilidade podem e devem realizar projetos sociais compondo, dessa maneira, a rede socioassistencial do município onde se localiza. Lembrando que para qualquer ação social que a casa desenvolva é preciso observar a vigência das leis que regulam a Politica de Assistência Social no Brasil. Mesmo que a Casa Espírita não desenvolva grandes projetos, sua atuação sociorreligiosa pode integrar a rede socioassistencial local.

Precisamos pensar em ações transformadoras, que tenham impacto social na localidade onde serão desenvolvidas e que efetivamente promovam, socialmente e espiritualmente, aqueles que participam das ações realizadas. A responsabilidade em realizar projetos sociais na comunidade é séria e requer planejamento.

PLANEJANDO AÇÕES

Comece pequeno: do tamanho da sua capacidade de atendimento. É importante conhecer o contexto social onde a casa espírita esta localizada, qual o seu público e a partir dessa realidade, traçar objetivos claros do que se pretende alcançar.

Converse com a comunidade e os representantes locais e vejam quais são as necessidades que precisam de intervenção. Vejam quais os serviços já existentes, sejam públicos ou de outras organizações, evitando assim, ações paralelas e desperdício de energias. Faça um levantamento das principais demandas que aparecem como solicitações sociais na casa espírita e vejam em que aspecto pode contribuir.

Após identificar os desafios existentes, analise quais saídas são tecnicamente possíveis e financeiramente viáveis para serem colocadas em prática. Faça um plano de ação. Coloque no papel a proposta de trabalho. Defina a importância do projeto, seu objetivo, para quem ele é destinado; como será desenvolvido; por quanto tempo; quanto vai custar; quem vai trabalhar nessa ação; de onde virão os recursos necessários; qual a periodicidade, enfim, o que avaliar ao final da ação.

Divulgue suas ideias na casa espírita, encontre pessoas e voluntários que possam colaborar com a realização do projeto.

Caso a ideia principal não possa ser colocada em prática imediatamente, a Casa Espírita pode colaborar e ser parceira com ações sociais que já vem sendo desenvolvidas por outra casa espírita da cidade ou outra instituição social. O importante é multiplicar o amor ao próximo em ações sérias e confiáveis, incentivando sempre a prática de ações de promoção social, entendendo que aquele ser que busca ajuda na casa espírita é um cidadão, ser integral e espírito imortal que momentaneamente encontra-se em situação de vulnerabilidade.

O trabalho da APSE ao renovar-se e ampliar-se, deverá proporcionar melhorias individuais e coletivas, onde trabalhadores e frequentadores serão beneficiados. Dessa forma, a prática da assistência e promoção social espírita passam a ter condições de influir no processo de transformação da sociedade.

CASA ESPÍRITA COMO ESPAÇO DE CONVIVÊNCIA

O Centro Espírita ao implantar uma atividade social que atenda a população em situação de vulnerabilidade social, seja ela qual for, deve primeiramente acolher, ter compaixão, ouvir as demandas daqueles que chegam e procurar fazer os encaminhamentos adequados à rede de proteção socioassistencial existente no município. Quando necessário, acompanhar o andamento dos atendimentos e evolução do caso, visando ao estabelecimento do vínculo fraterno.

Dessa forma, a Casa Espírita passa a ser um espaço de convivênciaem que a fraternidade não é apenas um ideal, mas um exercício de construção de relações. Mais do que uma casa prestadora de serviços (doação de alimentos, de roupas etc.), torna-se um  espaço de convivência, onde o usuário de seus serviços, em sua condição de cidadão — sujeito de direitos —, gosta de estar, sente-se bem, é recebido como é, com o seu jeito, com as suas caracterís­ticas, com a sua forma de falar,  onde encontra quem se disponha a con­versar com ele de forma natural, de irmão para irmão, dando-lhe tempo para que caminhe do ponto em que se encontra e permita acesso ao seu coração, abrindo-se, também, para o coração do outro, à semelhança do Bom Samaritano da história evangélica.

CARIDADE ESSENCIAL

Independente de projetos sociais sistematizados, a Casa Espírita não pode deixar de incentivar nos frequentadores a caridade que cada um precisa ter para consigo mesmo, assim como a solidariedade e a fraternidade para com o próximo.

A construção de um mundo melhor depende da atitude individual de todos nós. Tenhamos atitude humanitária; sejamos gentis com todos que cruzem nosso caminho; respeitemos as vagas de estacionamento e dê preferência de passagem; valorizemos a paz no lar, lembrando que a paz no mundo começa em nós; compartilhemos o que faz bem; sejamos voluntários de algum projeto social; exerçamos o consumo consciente.

E não nos esqueçamos da caridade essencial ensinada por Emmanuel:

Antes, porém, da caridade que se manifesta exteriormente nos variados setores da vida, pratiquemos a caridade essencial, sem o que não poderemos efetuar a edificação e a redenção de nós mesmos. Trata-se da caridade de pensarmos, falarmos e agirmos, segundo os ensinamentos do divino Mestre, no Evangelho. É a caridade de vivermos verdadeiramente nele para que Ele viva em nós. Sem esta, poderemos levar a efeito grandes serviços externos, alcançar intercessões valiosas, em nosso benefício, espalhar notáveis obras de pedra, mas, dentro de nós mesmos, nos instantes de supremo testemunho na fé, estaremos vazios e desolados, na condição de mendigos de luz.(Vinha de luz. Ed. FEB. Cap. 110)

Texto elaborado pela Equipe de Trabalho da Área de Assistência e Promoção Social Espírita (APSE) da Federação Espírita do Estado do Tocantins -Feetins

[1]  O trabalho deve ser entendido como toda ocupação útil, conforme questão 675 do Livro dos Espíritos.


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