O desenvolvimento da mediunidade não guarda relação com o desenvolvimento moral dos médiuns. A faculdade propriamente dita se radica no organismo; independe do moral. O mesmo não se dá, porém, com o seu uso, que pode ser bom, ou mau, conforme as qualidades do médium.
A mediunidade é um dom de Deus, uma graça, um favor. Não constitui privilégio dos homens de bem e se veem pessoas indignas que a possuem no mais alto grau e que dela usam mal. Todas as faculdades são favores pelos quais deve a criatura render graças a Deus, pois que homens há privados delas.
Se há pessoas indignas que a possuem, é que disso precisam mais do que as outras, para se melhorarem.
Se os médiuns delas fizerem mau uso, serão punidos duplamente, porque têm um meio a mais de se esclarecerem e o não aproveitam. Aquele que vê claro e tropeça é mais censurável do que o cego que cai no fosso.
Há médiuns aos quais, espontaneamente e quase constantemente, são dadas comunicações sobre o mesmo assunto, sobre certas questões morais, por exemplo, sobre determinados defeitos. O fim é esclarecê-lo sobre o assunto frequentemente repetido, ou corrigi-los de certos defeitos. Por isso é que a uns falarão continuamente do orgulho, a outros, da caridade. É que só a saciedade lhes poderá abrir, afinal, os olhos O pior é que as mais das vezes eles não as tomam como dirigidas a si próprios.
Muitas vezes, os avisos e conselhos não lhe são dirigidos pessoalmente, mas a outros a quem não se pode dirigir, senão por intermédio dele, que, entretanto, deve tomar a parte que lhe caiba em tais avisos e conselhos, se não o cega o amor-próprio.
A faculdade mediúnica não é dada somente para correção de uma ou duas pessoas. O objetivo é mais alto: trata-se da humanidade. Um médium é um instrumento pouquíssimo importante, como indivíduo. Por isso é que, quando se dá instruções que devem aproveitar à generalidade dos homens, os Espíritos se servem dos que oferecem as facilidades necessárias.
Ocorre que pessoas dotadas de grande poder, como médiuns, e que muito de bom poderiam fazer, sejam instrumentos do erro. Os Espíritos Superiores procuram influenciá-las; mas, quando essas pessoas consentem em ser arrastadas para mau caminho, eles as deixam ir.
Um médium imperfeito pode algumas vezes obter boas coisas, porque, se dispõe de uma bela faculdade, e não é raro que os bons Espíritos se sirvam dele, à falta de outro, em circunstâncias especiais; porém, isso só acontece momentaneamente, porquanto, desde que os Espíritos encontrem um que mais lhes convenha, dão preferência a este.
Deve-se observar que, quando os bons Espíritos veem que um médium deixa de ser bem assistido e se torna, pelas suas imperfeições, presa dos Espíritos enganadores, quase sempre fazem surgir circunstâncias que lhes desvendam os defeitos e o afastam das pessoas sérias e bem-intencionadas, cuja boa-fé poderia ser laqueada. Neste caso, quaisquer que sejam as faculdades que possua, seu afastamento não é de causar saudades.
Sabemos que a perfeição não existe na Terra. Podemos dizer que exista o bom médium e que eles são raros. Médium perfeito seria aquele contra o qual os maus Espíritos jamais ousassem uma tentativa de enganá-lo. O melhor é aquele que, simpatizando somente com os bons Espíritos, tem sido o menos enganado.
Os bons Espíritos permitem, às vezes, que o engano aconteça com os melhores médiuns, para lhes exercitar a ponderação e para lhes ensinar a discernir o verdadeiro do falso. Depois, por muito bom que seja, um médium jamais é tão perfeito, que não possa ser atacado por algum lado fraco. Isto lhe deve servir de lição. As falsas comunicações, que de tempos a tempos ele recebe, são avisos para que não se considere infalível e não se assoberbe. O médium que receba as coisas mais notáveis não tem que se gloriar disso.
As condições necessárias para que a palavra dos Espíritos superiores nos chegue isenta de qualquer alteração se consegue querendo o bem; trabalhando para repulsar o egoísmo e o orgulho. Ambas essas coisas são necessárias.
Apesar de que a palavra dos Espíritos superiores não nos chega pura, senão em condições difíceis de se encontrarem preenchidas, esse fato não constitui um obstáculo à propagação da verdade, pois a luz sempre chega ao que a deseja receber. Todo aquele que queira esclarecer-se deve fugir às trevas e as trevas se encontram na impureza do coração.
Se o médium, do ponto de vista da execução, não passa de um instrumento, exerce, todavia, influência muito grande, sob o aspecto moral. Pois que, para se comunicar, o Espírito desencarnado se identifica com o Espírito do médium, esta identificação não se pode verificar, senão havendo, entre um e outro, simpatia e, se assim é lícito dizer-se, afinidade. A alma exerce sobre o Espírito livre uma espécie de atração, ou de repulsão, conforme o grau da semelhança existente entre eles. Ora, os bons têm afinidade com os bons e os maus com os maus, de onde se segue que as qualidades morais do médium exercem influência capital sobre a natureza dos Espíritos que por ele se comunicam. Se o médium é vicioso, em torno dele se vêm grupar os Espíritos inferiores, sempre prontos a tomar o lugar dos bons Espíritos evocados. As qualidades que, de preferência, atraem os bons Espíritos são: a bondade, a benevolência, a simplicidade do coração, o amor do próximo, o desprendimento das coisas materiais. Os defeitos que os afastam são: o orgulho, o egoísmo, a inveja, o ciúme, o ódio, a cupidez, a sensualidade e todas as paixões que escravizam o homem à matéria.
Todas as imperfeições morais são outras tantas portas abertas ao acesso dos maus Espíritos. A que, porém, eles exploram com mais habilidade é o orgulho, porque é a que a criatura menos confessa a si mesma. O orgulho tem perdido muitos médiuns dotados das mais belas faculdades e que, se não fora essa imperfeição, teriam podido tornar-se instrumentos notáveis e muito úteis, ao passo que, presas de Espíritos mentirosos, suas faculdades, depois de se haverem pervertido, aniquilaram-se e mais de um se viu humilhado por amaríssimas decepções.
Começa por uma confiança cega nas comunicações e na infalibilidade do Espírito que lhes dá. Daí um certo desdém por tudo o que não venha deles: é que julgam ter o privilégio da verdade.
O prestígio dos grandes nomes, com que se adornam os Espíritos tidos por seus protetores, os deslumbra e, como neles o amor-próprio sofreria, se houvessem de confessar que são ludibriados, repelem todo e qualquer conselho; evitam-nos mesmo, afastando-se de seus amigos e de quem quer que lhes possa abrir os olhos. Aborrecem-se com a menor contradita, com uma simples observação crítica e vão às vezes ao ponto de tomar ódio às próprias pessoas que lhes têm prestado serviço. Assim, confiança absoluta na superioridade do que obtém, desprezo pelo que deles não venha, irrefletida importância dada aos grandes nomes, recusa de todo conselho, suspeição sobre qualquer crítica, afastamento dos que podem emitir opiniões desinteressadas, crédito em suas aptidões, apesar de inexperientes: tais as características dos médiuns orgulhosos.
Devemos também convir em que, muitas vezes, o orgulho é despertado no médium pelos que o cercam. Se ele tem faculdades um pouco transcendentes, é procurado e gabado e entra a julgar-se indispensável. Logo toma ares de importância e desdém, quando presta a alguém o seu concurso.
O médium verdadeiramente bom, aquele em que se pode confiar, são os que tem uma grandíssima facilidade de execução, que permita com que se comuniquem livremente os Espíritos, sem encontrarem qualquer obstáculo material. Persuadido de que a sua faculdade é um dom que só lhe foi outorgado para o bem, de nenhum modo procura prevalecer-se dela, nem apresentá-la como demonstração de mérito seu. Aceita as boas comunicações, que lhe são transmitidas, como uma graça, de que lhe cumpre tornar-se cada vez mais digno, pela sua bondade, pela sua benevolência e pela sua modéstia. O primeiro se orgulha de suas relações com os Espíritos superiores; este outro se humilha, por se considerar sempre abaixo desse favor.
Referências:
O Livro dos Médiuns – Segunda Parte – Cap. XX - Allan Kardec