A aceitação consiste na adoção do conformismo, principalmente perante as situações desagradáveis, numa passividade sofrida e frustrante?
Aceita a vida que Deus te deu.
Aceite-te como és.
Aceita teus familiares.
Aceita teus conflitos.
Aceita tuas decepções.
Aceita tua parentela.
Aceita tuas dificuldades financeiras.
Aceita tuas desilusões.
Aceita as ingratidões contra ti.
Aceita tudo e todos. [1]
Essas palavras iniciais do Espírito Hammed podem nos suscitar as seguintes indagações: Temos mesmo de concordar com tudo isso? Aceitar significa se conformar com algumas dessas situações, numa passividade sofrida e frustrante?
Para o desenvolvimento do assunto, entendamos o que significa a palavra aceitar: “Receber (o que é dado ou oferecido). Concordar com, conformar-se com. Admitir, reconhecer.” [2]
Como nos dispormos a receber algo que não desejamos? Como concordar com circunstâncias que não compreendemos?
De início, vejamos o que a Doutrina Espírita tem a nos ensinar. O capítulo V, de O Evangelho segundo o Espiritismo, intitulado “Bem-aventurados os aflitos”, traz a interpretação espírita para estas palavras de Jesus.
Ao desenvolver o assunto, Allan Kardec explica que as vicissitudes da vida são de duas espécies. Umas têm causa em vivências anteriores e outras têm origem na presente existência. E, se aquele que sofre, atentasse para seu comportamento, perceberia que, em grande número de situações, foi o seu orgulho, sua imprevidência e ambição, ou ainda mesmo seus ilimitados desejos, que o colocaram na presente condição. Assim, o homem evitará suas dificuldades “quando trabalhar para seu aprimoramento moral, tanto quanto para o seu aprimoramento intelectual” [3], pois os sofrimentos que o afligem são, além das consequências de suas opções, a advertência de que errou.
Mas Kardec também aborda os problemas que têm origem em vivências anteriores: eles podem referir-se a provas que o próprio indivíduo escolheu, antes de assumir a presente existência, para que sua evolução acontecesse de maneira mais rápida e efetiva.
E, assim, o Espírito Hammed prossegue com suas considerações sobre a aceitação:
Aceita atos e atitudes e fazes o melhor que puderes.
Aceitar não quer dizer aplaudir e fazer o mesmo, mas compreender que cada um de nós tem e faz o que pode, que cada indivíduo está num determinado grau de evolução. Portanto, aceita o próximo como ele é.
Tu, porém, aceita, mas trabalha em favor do teu adiantamento espiritual e autoconhecimento, a assim serás mais feliz, livre de amargores e sentimentos que te aprisionam a vida interior.
(...) Portanto, aceita-te como és, aceita teu próximo e faze sempre o teu melhor.
Com isso, alcançarás vitória sobre teus conflitos existenciais e encontrarás o devido valor para todas as coisas da vida. [1]
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Ainda no mesmo capítulo de O Evangelho segundo o Espiritismo, podemos encontrar: “O homem pode abrandar ou aumentar a amargura de suas provas pela maneira que encara a vida terrestre.” [4]
Analisar a vida pelo prisma espiritual – procurando compreender o que a Sabedoria Divina designou para cada um de nós – tende a nos fortalecer e a nos proporcionar a devida serenidade perante a dor e o sofrimento.
Uma das emoções que mais derrubam o ânimo de uma pessoa – minando com seu espírito empreendedor e de superação de percalços – é a autocomiseração, ou seja,quando ela sente pena ou dó de si mesma, tornando-se uma criatura amarga, ressentida, frustrada, rebelde...
A infelicidade que passa a sentir, então, é decorrente da visão negativa que alimenta em relação às circunstâncias e às pessoas, superdimensionando tudo aquilo que a aborrece. Mas, ao deixar de alimentar a crença de que viver é difícil – elevando, com isso, a qualidade de seus sentimentos e pensamentos –, passa a compreender que não é a vida que é tão problemática como supõe, mas são as suas atitudes perante a própria existência que a transformam em algo complicado. Com essa mudança de percepção, sua amargura diminui consideravelmente, em razão de, entre outras coisas, deixar de idealizar fatos e pessoas.
No entanto, inúmeros são os aspectos de nosso cotidiano que julgamos estarem além da nossa capacidade de aceitação ou de adequada solução, e pelos quais reclamamos, brigamos e dos quais nos queixamos. Mas quando avaliamos, com a devida acuidade, todo esse dispêndio de energia e frustração, o resultado é quase sempre o mesmo: muitas das coisas que nos importunam continuam as mesmas, não importando o quanto nos enfureçamos em relação a elas.
Embora preferíssemos que algumas coisas fossem diferentes – e não há como negar essa preferência –, necessitamos admitir e reconhecer (e isso é sinônimo de aceitar) que há aspectos em nossa vida que não temos como modificar completamente! E é neste momento que receber, mas com serenidade e sabedoria, o que nos é ofertado pelas situações e pessoas (e isso também significa aceitar), que nos possibilitará a indispensável maturidade em nossas ações e reações.
Das considerações do Espírito Hammed, podemos concluir que aceitar não significa tornar-se apático perante as situações que consideramos desagradáveis ou ser conivente, por exemplo, com o desrespeito à nossa pessoa. A adequada atitude de aceitação implica uma criteriosa e imparcial análise da realidade e a consequente adoção de medidas que tragam não a mera satisfação de caprichos e desejos, mas um legítimo bem-estar.
A vida é feita de ajustes, e todos nós temos o dever de melhorar a própria qualidade de vida. Contudo, tomar atitudes apropriadas e positivas é completamente diferente de sentir-se irritado e frustrado diante de situações que não correspondem exatamente às nossas expectativas.
Muitas de nossas aspirações se concretizam apenas gradativamente, na época e no momento adequados. Fundamental, então, alimentarmos a crença de que a Sabedoria Divina sempre nos reserva algo de bom. Com isso, aceitar também consiste na sustentação de uma paciente espera, principalmente quando o nosso querer igualmente leva em consideração o bem-estar alheio.
Quando deixamos um espaço em nosso coração para a aceitação dos erros humanos – tanto os nossos com os alheios –, mais facilmente conseguimos admitir e reconhecer que os contratempos da vida são situações que nos competem aprender a superar e a melhorar, ou simplesmente acatar, não carecendo de maiores desgastes de nossa parte.
Conforme pudemos anotar, Hammed enfatiza: “Aceita tudo e todos”. E o por quê? Acreditamos que a resposta pode se encontrar nas seguintes palavras:
Aceitação é a prática da humildade (ou seja, o reconhecimento de que ainda temos muito o que aprender e crescer). Cumpre-nos amar ao Criador e aceitar sua criação, tal como se apresenta. Toda a grandeza do Universo, embora não a compreendamos integralmente ainda, toda a diversificação da Criação, nos diversos reinos da Natureza, estão contidas na aceitação. Nela incluímos nós mesmos, como somos; nela respeitaremos sempre nosso semelhante, qualquer que seja sua condição evolutiva, sua posição na sociedade, sua crença, sua cor, sua raça, seu sexo, sua idade. [5]
RENOVEMO-NOS DIA A DIA
"...Transformai-vos pela renovação de vossa mente, para que proveis qual é a boa, agradável e perfeita a vontade de Deus." – Paulo. Romanos (12:2)
Não adianta a transformação aparente da nossa personalidade na feição exterior.
Mais títulos, mais recursos financeiros, mais possibilidades de conforto e maiores considerações sociais podem ser simples agravo de responsabilidade.
Renovemo-nos por dentro.
É preciso avançar no conhecimento superior, ainda mesmo que a marcha nos custe suor e lágrimas.
Aceitar os problemas do mundo e superá-los, à força de nosso trabalho e de nossa serenidade, é a fórmula justa de aquisição do discernimento.
Dor e sacrifício, aflição e amargura, são processos de sublimação que o Mundo Maior nos oferece, a fim de que a nossa visão espiritual seja acrescentada.
Facilidades materiais costumam estagnar-nos a mente, quando não sabemos vencer os perigos fascinantes das vantagens terrestres.
Renovemos nossa alma, dia a dia, estudando as lições dos vanguardeiros do progresso e vivendo a nossa existência sob a inspiração do serviço incessante.
Apliquemo-nos à construção da vida equilibrada, onde estivermos, mas não nos esqueçamos de que somente pela execução de nossos deveres, na concretização do bem, alcançaremos a compreensão da vida, e, com ela, o conhecimento da "perfeita vontade de Deus", a nosso respeito. [6]
Silvia Helena Visnadi Pessenda
REFERÊNCIAS
[1] HAMMED (espírito); SANTO NETO, Francisco do Espírito (psicografado por). Um modo de entender: uma nova forma de viver. 2. ed. Catanduva, SP: Boa Nova Editora, 2004. Cap. 24. p. 91-92.
[2] MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998.
[3] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 195. ed. Araras, SP: IDE, 1996. Cap. V. Item 4. p. 72.
[4] Idem. Item 13. p. 78.
[5] SOUZA, Juvanir Borges de. Tempo de transição. 2. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1990. Cap. 31. p. 265
[6] EMMANUEL (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Fonte viva. 12. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. Cap. 107.
HAMMED (espírito); SANTO NETO, Francisco do Espírito (psicografado por). Renovando Atitudes. 2. ed. Catanduva, SP: Boa Nova Editora, 1997. Capítulo “A arte da aceitação”.
Literatura não-espírita
CARLSON, Richard. Não faça tempestade em copo d’água com a família: maneiras simples de evitar que as responsabilidades diárias e o caos doméstico tomem conta de sua vida. Tradução de Joana Mosela. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
Matéria Publicada no site: http://www.aluzdoespiritismo.com.br