Ciência, Filosofia e Religião representam o tríplice aspecto, as três áreas compreendidas pela doutrina espírita, contudo muitos espíritas ainda sentem dificuldade em entendê-las.

O aspecto de Ciência precisa ser visto a partir de um objeto de estudo: O Espírito.  “O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal”, afirma-nos o Codificador em “O que é o Espiritismo”. Mas a definição de Ciência em si, vale lembrar, não é simples, nem tampouco universal, posto que a produção do saber, seja este natural ou científico, é vasta, agregando diferentes vertentes, métodos e propósitos. Uma ciência pura, por exemplo, visa princípios gerais e leis universais. Já a ciência aplicada foca a solução de problemas do dia-a-dia.

O conceito de Ciência, desde a aurora do pensamento ocidental, vem se aprimorando, vindo da idade das especulações gregas, passando pelas organizações metodológicas medievais e renascentistas, para culminar no positivismo do século XIX e nas contestações do século XX. Em verdade, a epistemologia, modo de se elaborar o conhecimento, vem sendo discutida ao longo das últimas décadas, o que induz à reavaliação de todos os estatutos de cientificidade, principalmente no campo das humanidades. Não é por isso que vamos renunciar às ciências e reconduzir o senso comum ou saber natural como a única via de elaboração de conhecimento.

Sem nos limitar aos postulados de Augusto Comte, cujo positivismo buscava matematizar elementos quantitativos mínimos e mensuráveis, adotamos como definição de Ciência a linha de Georges Canguilhem: “Ciência é um sistema de organização do saber, um estudo de fenômenos repetitivos e uma elaboração metodológica.

Ora, Kardec imprimiu esses conceitos no caráter científico do Espiritismo, elegendo o Espírito como seu objeto de estudo, pesquisando e demonstrando sua sobrevivência após a morte física, perscrutando criteriosamente sua comunicabilidade e sua interação com a dimensão física.

Diferentemente das Ciências, que admitem contestações e contribuições para sua permanente reelaboração, os aspectos filosófico e religioso nutrem em seu cerne o caráter da adesão, pois se determinada escola filosófica ou se alguma abordagem religiosa não nos contentar, não há alternativa ali, além de migrarmos para alguma outra corrente que nos atenda ao gosto e convicções.

Filosofia é um sistema de reflexão, uma postura crítica formada por hábitos mentais. Por isso se define o Espiritismo como “fé raciocinada”, que pede raciocínio, trabalho mental.

A palavra religião não tem definição única, sua elaboração é complexa, conquistando leituras várias no curso da história e da evolução das sociedades. Sua origem mais comum refere-se ao latim “religio”, termo ao qual se atribuem diferentes derivações, como: “relegere” – reler, considerando atentamente o nosso pertencer aos deuses (Cícero, séc. I); “religare” – religar a Deus, de quem estamos separados (Lactâncio, séc.IV); “religere” – reeleger, escolher a Deus novamente, de quem nos apartamos pelos pecados (Santo Agostinho, séc.IV); e “relinquere” – o que foi deixado pelos antepassados (Macróbio, séc.V).

Vale lembrar que certas idéias religiosas podem ainda ser objeto de algum tipo de reelaboração, como se observa no debate da Igreja Católica. Durante o Concílio de Nicéia de 325, que confrontou duas teses de importantes teólogos: de um lado Ário e Eusébio de Nicomedia, que defendiam que Jesus não é Deus; e do outro, Atanásio, que alegava que Jesus é Deus, em sua tese da consubstancialidade, pois ambos partilhariam da mesma essência. A vitória de Atanásio resultou na consolidação de sua tese e na condenação mortal de seus antagonistas.

Religião é um sistema de crenças, valorativo, inspiracional, com pressupostos absolutos e atitude de fé. Em nosso caso, o traço inspiracional se dá pela revelação espírita, criteriosamente organizada por Kardec. Como crença absoluta há a existência dos espíritos, sua capacidade de comunicação e interação com o orbe terrestre, sua evolução, a reencarnação etc.  O ato de fé que neste caso é raciocinada, por nutrir-se do conhecer científico, pode se ilustrar pela convicção na realidade do mundo espiritual, de sua organização universal e do permanente intercâmbio com os desígnios da humanidade.

Esperamos com este texto oferecer aos confrades espíritas oportunidade de aprofundamento na leitura da Codificação no seu tríplice aspecto e em seus campos do conhecimento transversais.

 

Autor: Antonio Alexandre de Lima

Bibliografia:

CANGUILHEM, Georges. “Qu’est-ce qu’une idéologie scientifique?” apud ALMEIDA, T.S., “Aventuras e estratégias da razão sobre a história epistemológica das ciências”, São Paulo: USP, dissertação de mestrado em História Social apresentada à FFLCH, 2011;

Gran Enciclopedia Rialp GER. Madri: Rialp, 1981;

KARDEC, Allan. “A Gênese”, cap.I, item 16, cap.XII, item 18.

KARDEC, Allan. “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, introdução;

KARDEC, Allan. “O Livro dos Espíritos”, introdução;

KARDEC, Allan. “O que é o Espiritismo”, preâmbulo;

LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Marina de Andrade. “Metodologia Científica”. São Paulo: Atlas, 1992.

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