Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e dos fariseus,
de modo nenhum entrareis no reino dos céus. Mt, 5:20

A justiça dos escribas e dos fariseus, referida por Jesus, era aplicação da Lei de Moisés, que preconizava: Olho por olho, dente por dente; mão por mão, pé por pé, e assim por diante. Em verdade, é uma lei de justiça, baseada, segundo alguns autores, no Código de Hamurábi, de alguns séculos antes de Moisés. Inegavelmente, foi um avanço na História humana, pois conscientizava o homem que, ao cometer uma agressão a alguém, dava, ao agredido, o direito de retribuir a agressão na mesma medida.

Jesus, com a Sua autoridade, veio inaugurar uma nova era na Humanidade: a Era da Misericórdia. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos; fazei o bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos perseguem e caluniam. (Mt, 5:44)

Há pessoas que, ao ouvirem esse ensinamento maior de Jesus, exclamam: Amor aos inimigos, isso é coisa para santos e eu não sou santo. Como vou orar por aqueles que me perseguem? Outros, não só se sentem incapacitados de orar, como pensam que se orassem estariam dando forças ao inimigo. Outros, ainda, argumentam que se não tomarem uma atitude punitiva, os ofensores nunca aprenderão que não devem prejudicar o próximo…

Entretanto, se analisado por quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir, será fácil verificar que o ensinamento de Jesus é para todos aqueles que se disponham a se tornarem cristãos…

Amor aos que não nos querem bem é exatamente o que distingue o ensinamento de Jesus daquele secularmente conhecido dos judeus: … amareis o vosso próximo, e odiareis os vossos inimigos. (Mt, 5:43)

O Mestre é muito claro, quando reforça o ensinamento, para que não fiquem dúvidas: … se só amardes os que vos amam, qual será a vossa recompensa? Não procedem assim também os publicanos?(Mt, 5:46)

E vai mais além: Se apenas os vossos irmãos saudardes, que é que com isso fazeis mais do que os outros? Não fazem outro tanto os pagãos? (Mt, 5: 47) Os pagãos a que se refere Jesus não eram os não batizados, conforme seria interpretado hoje. Pagãos, para os judeus, eram todos os que não partilhavam da sua religião.  No caso, os romanos, os sírios, os gregos. Jesus quis, com isso, evidenciar que mesmo os outros povos, que não acreditavam em Deus, amavam os seus amigos.  Entretanto, para ser discípulo do Mestre, seria necessário um passo além.

Como se vê, Jesus não lança o ensinamento como uma máxima abstrata, ou um conceito teológico para ser repetido no interior dos templos como fórmula mágica para agradar a Deus. O Mestre ensina que esse é o caminho daqueles que querem ser Seus discípulos. E, para que fique claro, dá exemplos, usando pessoas da Sua época, do convívio cotidiano.

Chamando sempre as criaturas à reflexão, Jesus lhes diz: Se a vossa justiça não for mais abundante que a dos escribas e dos fariseus, não entrareis no reino dos céus. (Mt, 5:20). Nessa passagem, ve­mos que o Mestre concita o homem a transcender os simples limites da justiça, que até ali era válida: olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.  (Ex, 21:24 e 25)  Assim pensavam e agiam aqueles que se diziam seguidores de Moisés, que estavam presos unicamente à ideia de justiça.

Como a Natureza não dá saltos, devemos entender que o primeiro passo para o amor aos inimigos é não retribuir o mal com o mal. É necessário caminhar por etapas, conforme nos ensina O Evangelho Segundo o Espiritismo, no capítulo 12: primeiramente aprendemos a não deixar que o espinho do rancor, da mágoa entre em nosso coração. Daí a necessidade da vigilância e da oração. Exercendo a vigilância sobre nós mesmos, podemos verificar o que estamos guardando em nosso íntimo. Através da oração, conseguimos, pouco a pouco, expelir o fel da mágoa, o desejo de vingança e da malquerença. Vamos, assim, procedendo a uma revisão naquilo que guardamos no coração. Essa limpeza interior é extremamente saudável, pois ao substituirmos os maus sentimentos por outros bons, estaremos melhorando nosso ânimo e até a nossa saúde física.  Além do mais, não tendo mágoa, amargura, rancor, azedume dentro de nós, nosso relacionamento com o próximo será cada vez melhor, (…) porque da abundância do seu coração fala a boca. (Lc, 6:45)

Assim é que aprendemos a retribuir o mal com o bem. É um processo vagaroso, a ser trabalhado dentro de nós ao longo dos séculos. Aquela extraordinária capacidade de perdoar, Ghandi não a recebeu como graça, nem a conseguiu de um dia para o outro. Ele a desenvolveu através do seu esforço, vida após vida, seguindo o que preceitua o Evangelho: Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens. (Mt, 5:16)

O perdão, com o apagamento de qualquer resquício de mágoa, é essencial para o progresso das criaturas. Ensinando-nos isso, Jesus colocou o esforço de apaziguamento acima de um ponto alto do culto judeu, recomendando: Se trouxeres tua oferta ao altar, e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali, diante do altar a tua oferta e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão, e depois vem e apresenta a tua oferta. (Mt, 5:23 e 24)

O Espiritismo, como doutrina evolucionista, nos ensina que a santificação não se consegue com o esforço alheio, nem através de rezas, nem de graças caídas do céu. O progresso, a espiritualização da criatura humana é tarefa individual, constante, intransferível e consciente. E o Espírito que se detém a colecionar ofensas recebidas, desejos de revide, ou apenas mágoas, queda-se estacionado na senda do progresso espiritual.

O Mestre iniciou um novo ciclo da evolução humana, ensinando o caminho para a angelização do homem, no sentido de transcender os limites da justiça, alcançando aqueles da misericórdia.

O desafio evolutivo está lançado, a palavra está conosco…

Fonte: Por José Passini