Quando Jesus afirmou no momento conhecido como ascensão do Senhor1: Ide e evangelizai a todas as gentes…, deixou-nos um sério e difícil compromisso: divulgar a Boa Nova junto à criatura humana, sem que as suas condições peculiares representem obstáculo ou cerceamento a esse acesso.
Longe, porém, de ser uma ordem a ser cumprida por Seus seguidores, a assertiva de Jesus representa Sua preocupação com a continuidade da divulgação da Boa Nova como Ele mesmo O fez… a todas as gentes.
É que o Mestre é exemplo vivo da ação e da postura inclusiva, numa visão abrangente, para além da pessoa com deficiência. Certo que curou incontável número de cegos, coxos, paralíticos, surdos, leprosos, catalépticos, além de pessoas com distúrbios e obsessões. Mas, foi mais além em Sua atuação inclusiva: agregava mulheres como seguidoras, frequentava casas de fariseus e publicanos, acolhia as crianças e os pobres e preconizava que a Boa Nova deveria ser levada a todas as criaturas.
Seu colégio apostólico era formado por galileus de variadas faixas etárias e outro, da Judeia, também foi incluído.
Em Seus ensinos destacou que vinha para todos, sem privilégios ou exclusões. Quando João Batista envia seus discípulos para indagar-lhe se Ele mesmo era o Messias ou se deveria esperar por outro, responde2: Os cegos veem, e os coxos andam; os leprosos são limpos e os surdos ouvem; os mortos são ressuscitados, e aos pobres é anunciado o evangelho.
A postura de Jesus estimularia os excluídos em razão de deficiências bem como as minorias a buscarem Seus discípulos que nem sempre seguiam a atitude do Senhor. Dificuldades pessoais, preconceitos e visões distorcidas, insegurança, medo, inibições, inadequações de abordagens e altas exigências quanto a resultados são alguns dos fatores presentes nas ações dos propagadores da mensagem evangélica.
Por outro lado, pessoas deficientes e/ou seus familiares, por medo e insegurança, preferiam o isolamento, quando não enfrentavam as restrições impostas pelas exclusões sociais, barreiras físicas e comunicativas e desinteresse pelos processos inclusivos.
Ontem, como hoje, adotamos a lente da ignorância e do preconceito, do orgulho e do egoísmo, para repetir as atitudes de exclusão e de exploração, de repúdio e de segregação, atestando nossa dificuldade em lidar com as diferenças e diversidades, validando privilégios e desrespeito pelo outro.
Ao longo da História, porém, vamos defrontando, no caso das deficiências, com extraordinários casos de superação, forçando a revisão de conceitos e atitudes.
Um dos mais impactantes exemplos encontramos na vida de Helen Keller, símbolo de superação e de luta pelas oportunidades e direito ao atendimento às necessidades de pessoas especiais.
Helen (1880-1968) nasceu no Alabama (EUA) e até mais ou menos um ano e meio seguia o curso de um desenvolvimento infantil normal quando foi acometida por uma doença (escarlatina? febre cerebral?) que a deixou cega e surda. Só aos seis anos e meio, aproximadamente, recebeu Anne Sullivan como sua preceptora, numa das ações educativas mais extraordinárias já registrada na História da Educação. Helen Keller se tornaria exemplo de superação e luta em defesa das pessoas com deficiências, viajando, durante décadas, escrevendo, proferindo palestras.
Significativos avanços nessa área podem ser percebidos, especialmente, a partir dos anos 70 do século passado, quando associações de profissionais e familiares passaram a atuar mais ostensivamente, tanto no âmbito das pesquisas (os primeiros), como nas reivindicações dos direitos humanos e cidadania para os denominados deficientes.
O quadro atual revela avanços e desafios: pesquisas e estudos oportunizam benefícios tecnológicos e terapêuticos; políticas de inclusão asseguram participação na vida social e produtiva de legiões de irmãos portadores de algum tipo de deficiência, sem falar em oportunidades singulares nas artes e nos esportes, onde extraordinários seres humanos expressam sua capacidade de superação, participação, criatividade e produtividade.
No entanto, há muito caminho a percorrer exigindo ainda muita luta para a superação da ignorância, preconceito e exclusão até que cheguemos à interação de todos, sob a bandeira do respeito e da fraternidade.
No Relatório Mundial sobre a Deficiência, da OMS (Organização Mundial de Saúde), de 2011, os prefaciadores Robert Zoellick e Margaret Chan afirmaram que no planeta havia mais de um bilhão de pessoas com algum tipo de deficiência, sendo que no Brasil esse índice atinge 6,2% (deficiência auditiva, visual, física ou intelectual).
Mais surpreendentes, porém, são as estatísticas dos excluídos socialmente, falando pelas condições econômicas que vivenciam, os que pertencem às diversas minorias (por exemplo, as étnicas, religiosas, políticas, de diferentes opções sexuais, dentre outras) ou pelas dificuldades de sobrevivência, decorrentes de processos migratórios, tendo como causa as guerras civis que já geraram milhões de refugiados no mundo.
Como podemos perceber, estamos distantes da proposta inclusiva exemplificada pelo Cristo de Deus. Se a temática em questão nos toca o coração e a mente, é hora de uma atitude ainda que tateante, mas com desejo de acertar, especialmente na Casa Espírita que hoje, mais do que ontem, tem sido procurada pelos excluídos. No que se refere às pessoas com deficiências alguns caminhos precisamos percorrer:
- avaliar nossas próprias visões;
- discutir aprofundadamente para identificar as demandas existentes;
- acolher com amor a todos, incluindo a família;
- buscar uma qualificação, pelo menos básica, para esse acolhimento;
- preparar a Casa Espírita para receber essas pessoas (inclusive acessibilidade).
Se ouvimos a exortação de Jesus quanto à universalidade de Sua mensagem, comecemos desde já a superar nossas próprias deficiências. A partir dos princípios fundamentais da Doutrina Espírita compreendemos a condição provisória, regenerativa e educativa das deficiências físicas e psicológicas e identificamos na atual condição evolutiva da Terra, mundo de provas e expiações, onde predominam o egoísmo e o orgulho, causas radicais das exclusões sociais que ainda permanecem em nosso orbe.
Todos… eis o foco de Jesus que ainda asseverou3: Nenhuma das ovelhas que o Pai me confiou se perderá. Certos de que o Seu amor nos inclui a todos, busquemos fazer nossa parte no exercício do acolhimento, da amorosidade, da cooperação para com todos em nosso processo coletivo de evolução.
Referências:
BÍBLIA, N. T. Marcos. Português. O novo testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Campinas: Os Gideões Internacionais no Brasil, 1988. cap. 16, vers. 15.Op. cit. Mateus. cap. 11, vers. 5.
Op. cit. João. cap. 6, vers. 39.
*Capítulo dez do mais recente lançamento da autora, Educação em Foco, editado pela FEP.
Autor: Sandra Maria Borba Pereira
Fonte: http://www.mundoespirita.com.br/