Não existia no mundo filosófico nada sobre Espiritismo. O Professor Rivail era apenas ilustre pedagogo, entretanto, aqui no Império existia um grupo neo-espiritualista formado por elementos cultos que expandiam por onde fosse possível seus conhecimentos.
- Qual a importância de se conhecer isso?
Porque desse núcleo de estudiosos é que vai se preparando terreno, no qual mais tarde será lançada a semente do Espiritismo. Esse grupo constituía o Círculo Homeopático do qual fazia parte o Patriarca da Independência que desde 1818 se correspondia com Hahnemann. A história, porém, só vai registrar nomes a partir de 1840 quando aqui chegam Benoit Mure e João Vicente Martins, homeopatas, médicos, médiuns, que, embora incompreendidos, desenvolveram um apostolado brilhante em favor do povo. A eles também se deve a introdução das Irmãs da Caridade e dos princípios vicentinos. Toda ação deles se estribava na divisa: “Deus, Cristo, Caridade”. Em 1848, Mure volta para França; Martins assume sozinho todo o trabalho atraindo nomes importantes para auxiliá-lo. Exercendo suas atividades, aplicavam Passes, nunca como ato religioso e sim como auxiliar na dinamização da Homeopatia, sendo, portanto eles que introduziram a aplicação dos Passes e não os espíritas, que, por motivos racionais, continuaram a aplicá-los.
Esses detalhes ressaltam haver ambiente favorável às ideias espíritas que, a partir de 1848, principiam a irradiar na América do Norte. Antes mesmo do lançamento de “O Livro dos Espíritos”, Melo Morais funda, por volta de 1853, um grupo espírita, considerado este como o mais antigo, inclusive sendo contado dessa data o primeiro período espírita do Brasil, sucedendo-se outros com inúmeros detalhes que não vêm ao caso agora.
“O Livro dos Espíritos” chega a Corte causando reações inusitadas da parte do povo, da imprensa, das crenças habituais. Em 27 de setembro, o Diário da Bahia transcreve de um jornal francês, artigo debochativo, burlesco difamando o Espiritismo, assinado pelo Dr. Déchambre. Tal matéria provoca veemente réplica publicada no mesmo jornal, dia 28.
Vejamos que interessante: a polêmica, o desconforto colocará o Brasil em destaque na atenção de Allan Kardec. (R E vol. 8, p. 334). A R.E ano 1864 traz matéria interessante a respeito. Allan Kardec desencarna; o Espiritismo sente-se sem chefe com pretendentes a surgir de todos os lados. Em meio a divergências, inseguranças, aqui instala-se cisão: para alguns, no Espiritismo só é válido a Ciência: os que adotam são chamados de “científicos”. Os que o entendiam como religião são os “místicos”; “espíritas” os que seguem “O Livro dos Espíritos” e “kardecistas” estudavam as demais obras da Codificação. *
Em meio a tal confusão, atritos mesmo, duas entidades disputavam a hegemonia: União Espírita do Brasil e a Federação Espírita Brasileira, ambas em crise financeira, mas, com a ideia de unir os grupos.
Um Espírito de nome Menezes, em janeiro de 1889 anuncia no Fraternidade que Allan Kardec proximamente se comunicaria para “...fazer uma análise da marcha da Doutrina no Rio de Janeiro, dirigindo-se a todos os espíritas”.
Realmente, a 5 de fevereiro, através do médium Frederico Junior, o Codificador se manifesta, dizendo que na sessão seguinte traria instruções, o que, de fato, aconteceu.
A mensagem é longa. Recebe o nome de “Instruções de Allan Kardec aos Espíritas do Brasil”, e começando com a frase “ Paz e amor sejam convosco” levanta de forma dura, real, detalhes a requererem imediata volta e retomada aos princípios e ideal doutrinário.
Em determinado momento de suas palavras diz:
“ Será que convém à propaganda o que fazeis? Mas, para a propaganda precisamos dos elementos constitutivos dela. Pergunto: - onde a Escola de Médiuns? Existe? Porventura os homens que têm a boa vontade de estudar convosco os mistérios do Criador, preparando seus Espíritos para o ressurgir na outra vida, encontram em vós, os instrumentos disciplinados – os médiuns perfeitamente compenetrados do importante papel que representam na família humana e cheio dessa serenidade, que dá uma ideia exata da grandeza da nossa doutrina”?
Dr. Bezerra se impressiona com as reflexões. Embora cansado, sentindo-se sem forças aceita a presidência da Federação. Empenhando-se por fazer um movimento na direção mostrada pelo Codificador, convoca todos os grupos; propõe deixar de lado as diferenças e interpretações pessoais; formar-se o “Centro Espírita do Brasil” no qual cada grupo teria um representante que levaria as sínteses das discussões, formando-se um movimento unificado.
Dr. Bezerra fazia de tudo pela união. Em 23 de maio de 1889, inaugura as sessões das sextas feiras com estudo de “O Livro dos Espíritos” explicando à massa que se atraia pelo sobrenatural, por curas, desejosas da “proteção” do invisível maravilhoso, o convite para que cada um construa no amor sua liberdade. Escreve os “Estudos Filosóficos”, faz palestras sobre “O Evangelho Segundo o Espiritismo”. Frequenta trabalhos em outros Centros; sessões de desobsessão, traduz “Obras Básicas”.
Sobrecarregado, passa a presidência da Federação visando dedicar-se mais ao “Centro”. Não lhe saindo do pensamento o questionamento de Allan Kardec, vendo que nada tínhamos a respeito, entendendo estar nesse campo grande necessidade de trabalho e abnegação junto com Elias da Silva instala solenemente, em 1890, a “Escola de Médiuns”.
Desentendimentos prosseguiram por mais alguns anos, mas o movimento espírita se estabilizou, fruto de trabalhos dinamizados a partir das Instruções de Allan Kardec aos Espíritas do Brasil.
A divisa lá do nosso início do estudo: “ Deus – Cristo – Caridade”, passa a ser bandeira da Federação; o “Reformador”, sua plataforma; e a Federação, o núcleo diretor do Espiritismo brasileiro.
Nota: A Doutrina Espírita não consiste apenas no que está contido em “O Livro dos Espíritos” mas é formada pelas cinco obras básicas que constituem a Codificação: “O Livro dos Espíritos”, “O Livro dos Médiuns”, O Evangelho Segundo o Espiritismo”, “O Céu e o Inferno”, “A Gênese”.
Espiritismo e Doutrina espírita são sinônimos. Deve-se evitar a expressão Kardecismo, pois o vocábulo Espiritismo foi criado por Allan Kardec para denominar a doutrina por ele codificada
Material de pesquisa altamente reduzido: “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”; - “Bezerra de Menezes, o Médico dos Pobres” de F. Aquarone; “Bezerra de Menezes” de Canuto de Abreu; “ Lindos Casos de Bezerra de Menezes”, de Silvio Soares.
Autora: Leda Marques Bighetti