“E disse Lameque a suas mulheres Ada e Zilá: Ouvi a minha voz; vós, mulheres de Lameque, escutai as minhas palavras; porque eu matei um homem por me ferir, e um jovem por me pisar. Se Caim há de ser vingado sete vezes, com certeza Lameque o será setenta e sete vezes”. (Gênesis, 4: 23-24)


“Então Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou: Senhor, quantas vezes deverei perdoar a meu irmão quando ele pecar contra mim? Até sete vezes? Jesus respondeu: Eu digo a você: Não até sete, mas até setenta vezes sete”. (Mateus, 18: 21-22)


Em “Tesouros libertadores”, do Espírito Joanna de Ângelis, na psicografia de Divaldo Pereira Franco, no Capítulo 7, em “Justiça e Amor”, chamou-me a atenção o escrito sobre o Velho Testamento:


“Confundiam-se a necessidade de retificação do erro com o impositivo da punição perversa… (…) Recorrendo-se ao Velho Testamento, por exemplo, em breve reflexão, podemos ler em Lameque, no capítulo 4, versículos 23 e 24, a triste conceituação de justiça exarada na vingança ilimitada.


Lameque, segundo o mito bíblico, era bisneto de Caim, de tormentosa memória.


Em diálogo mantido com as duas mulheres com as quais convivia, vangloriava-se, ao explicar: – (…) Pois matei um homem por me ferir e um mancebo por me pisar. Se Caim há de ser vingado sete vezes, com certeza Lameque o será setenta e sete vezes…


Ante conceito arbitrário desse porte em torno de uma justiça lavrada no ódio e no espírito de vingança contra o outro, mais tarde, Moisés, através do Decálogo, fixando-se de alguma forma na lei de Talião, refunde-a, limitando a justiça ao nível da ofensa, à cobrança legal de acordo com o delito perpetrado: olho por olho, dente por dente, braço por braço…”


Do livro “Boa Nova”, do Espírito Humberto de Campos, na psicografia de Francisco Cândido Xavier, temos a seguinte narrativa:


“Ambos os discípulos compreenderam e se puseram a meditar, enquanto o Cristo continuava:


– O que é indispensável é nunca perdermos de vista o nosso próprio trabalho, sabendo perdoar com verdadeira espontaneidade de coração. Se nos labores da vida um companheiro nos parece insuportável, é possível que também algumas vezes sejamos considerados assim. Temos que perdoar aos adversários, trabalhar pelo bem dos nossos inimigos, auxiliar os que zombam da nossa fé. Nesse ponto de suas afirmativas, Pedro atalhou-o, dizendo:


– Mas, para perdoar não deveremos aguardar que o inimigo se arrependa? E que fazer, na hipótese de o malfeitor assumir a atitude dos lobos sob a pele da ovelha?


– Pedro, o perdão não exclui a necessidade da vigilância, como o amor não prescinde da verdade. A paz é um patrimônio que cada coração está obrigado a defender, para bem trabalhar no serviço divino que lhe foi confiado. Se o nosso irmão se arrepende e procura o nosso auxílio fraterno, amparemo-lo com as energias que possamos despender; mas, em nenhuma circunstância cogites de saber se o teu irmão está arrependido. Esquece o mal e trabalha pelo bem. Quando ensinei que cada homem deve conciliar-se depressa com o adversário, busquei salientar que ninguém pode ir a Deus com um sentimento de odiosidade no coração. Não poderemos saber se o nosso adversário está disposto à conciliação; todavia, podemos garantir que nada se fará sem a nossa boa-vontade o pleno esquecimento dos males recebidos. Se o irmão infeliz se arrepender, estejamos sempre dispostos a ampará-lo e, a todo momento, precisamos e devemos olvidar o mal.


Foi quando, então, fez Simão Pedro a sua célebre pergunta:


– ‘Senhor, quantas vezes pecará meu irmão contra mim, que lhe hei de perdoar? Será até sete vezes?’


Jesus respondeu-lhe, calmamente:


– Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete”.


Jesus em seu ensino fez inúmeras vezes menção ao perdão, destacando-o por valioso e indispensável imperativo à evolução humana na busca da perfeição. Quando interpelado por Pedro se devia perdoar “sete vezes”, respondeu-lhe que devia perdoar “setenta vezes sete”, que equivale a dizer: perdoar indefinitivamente, tantas vezes quantas forem necessárias.


Allan Kardec, em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, no Capítulo XII, “Amai os vos inimigos”, esclarece:


“Se o amor do próximo constitui o princípio da caridade, amar os inimigos é a mais sublime aplicação desse princípio, porquanto a posse de tal virtude representa uma das maiores vitórias alcançadas contra o egoísmo e o orgulho. (…)


Os preconceitos do mundo sobre o que se convencionou chamar ‘ponto de honra’ produzem essa suscetibilidade sombria, nascida do orgulho e da exaltação da personalidade, que leva o homem a retribuir uma injúria com outra injúria, uma ofensa com outra, o que é tido como justiça por aquele cujo senso moral não se acha acima do nível das paixões terrenas. Por isso é que a lei moisaica prescrevia: olho por olho, dente por dente, de harmonia com a época em que Moisés vivia. Veio o Cristo e disse: ‘Retribuí o mal com o bem’. E disse ainda: ‘Não resistais ao mal que vos queiram fazer; se alguém vos bater numa face, apresentai-lhe a outra’. Ao orgulhoso este ensino parecerá uma covardia, porquanto ele não compreende que haja mais coragem em suportar um insulto do que em tomar uma vingança, e não compreende, porque sua visão não pode ultrapassar o presente”.


Ainda Kardec, em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, no Capítulo X, comenta:


“A misericórdia é o complemento da brandura, porquanto aquele que não for misericordioso não poderá ser brando e pacífico. Ela consiste no esquecimento e no perdão das ofensas. O ódio e o rancor denotam alma sem elevação, nem grandeza. O esquecimento das ofensas é próprio da alma elevada, que paira acima dos golpes que lhe possam desferir. Uma é sempre ansiosa, de sombria suscetibilidade e cheia de fel; a outra é calma, toda mansidão e caridade.


Ai daquele que diz: nunca perdoarei. Esse, se não for condenado pelos homens, sê-lo-á por Deus. Com que direito reclamaria ele o perdão de suas próprias faltas, se não perdoa as dos outros? Jesus nos ensina que a misericórdia não deve ter limites, quando diz que cada um perdoe ao seu irmão, não sete vezes, mas setenta vezes sete vezes”.


Por fim, Joanna de Ângelis, seguindo as pegadas do Mestre, em sentido oposto a Lameque, ensina:


“Jamais te coloques na condição doentia do prepotente Lameque, credor de valores que realmente não possuía. (…)


A terra hospeda enfermos de variada gênese, especialmente portadores do primarismo que neles predomina com vigor.


Quando luz a claridade do amor no âmago do ser, a ofensa, mesmo grave, transforma-se em catarse de desespero na faixa em que ela estagia.


Quando te escasseie o sentimento do amor pleno como terapia de emergência, que te utilizes da misericórdia, compreendas a situação inglória do outro e tentes perdoá-lo. No entanto, se o gravame apresenta-se superior à tua capacidade de imediato perdoar, recorre à compreensão, desculpa o agressor infeliz que se encontra em surto de loucura e não se dá conta.


Nunca, porém, permitas, quando agredido, direitos e privilégios que Jesus, que era justo e inocente, não se arrogou como precedente”.


Bibliografia:


BÍBLIA SAGRADA.


ÂNGELIS, Joanna de (Espírito); (psicografado por) Divaldo Pereira Franco. Tesouros libertadores. 1ª Edição. Salvador/BA: Leal, 2016.


CAMPOS, Humberto de (Espírito); (psicografado por) Francisco Cândido Xavier. Boa Nova. 37ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2016.


KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019

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