São claras as palavras de Jesus no evangelho de Mateus, 5: 43 e 44: “Ouvistes
que foi dito: Amarás ao teu próximo, e odiarás ao teu inimigo. Eu, porém,
vos digo: Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem e caluniam; (…)”.
Nesta parte de um de seus evangelhos, Jesus trata de uma das mais complexas dificuldades
do ser humano: perdoar à quem o ofende.
Passados dois mil anos, será que nós já conseguimos assimilar e praticar mais
efetivamente este preceito do mestre?
Quem de nós nunca sentiu no âmago do ser, o quanto é duro ser humilhado, ser
perseguido ou caluniado, muitas vezes indebitamente.
Uma das grandes diferenças entre o comportamento de Jesus e o nosso, é que Ele
além de pregar, também exemplificava o que preconizava.
Certa vez depois de proferir uma palestra em um centro espírita, fui abordado
por um jovem que disse querer me falar algumas palavras. Aqueci prontamente, convidando-o
a nos sentarmos em um banco que estava próximo.
O jovem me relatou que há algum tempo atrás estava em seu trabalho com um colega
e este fizera uma brincadeira de mau gosto com uma funcionária de sua seção. Esta
reclamou na gerência e ambos foram chamados em separado pelo gerente da loja para
prestar esclarecimentos. Dissera-me ele que como a corda arrebenta sempre do lado
mais fraco, seu colega – que ocupava um cargo superior ao seu – atribuíra a autoria
da brincadeira a ele e que por mais que tivesse tentado explicar ao gerente que
não fora autor do desagravo, levara uma advertência da loja.
O rapaz relatou-me ter ficado bastante consternado com o fato e que desde então
passara a alimentar um rancor pelo seu colega de trabalho, agravado pelo fato de
ter que vê-lo todos os dias.
Ouvi a narrativa sensibilizado e recordei-lhe (pois me revelara ser espírita)
que Jesus havia recomendado o perdão incondicional das ofensas e que o Espiritismo
viera revelar ao homem que todas as dores, todas as vicissitudes porque passamos
são destinadas ao nosso aperfeiçoamento moral, características de um planeta de
provas e expiações.
Recomendei-lhe que se era difícil o perdão imediato aquele que o prejudicara,
que orasse em favor do seu antagonista e que se aspiramos realmente a seguir o exemplo
Daquele que se imolou em prol da humanidade, urgia suportar ofensas e dores.
O semblante do jovem parecia refletir tudo aquilo que eu lhe falara e este me
disse que pensaria melhor no assunto. Despedimos jubilosos e cada qual tomou o caminho
de sua casa.
Algum tempo depois estava eu no meu trabalho, e fui ofendido por um colega, vítima
também de uma acusação indébita.
Silenciei diante da ofensa, mas pude sentir na pele, em minha condição de criatura
humana, o quanto era difícil suportar a ofensa que nos é dirigida em rosto.
Lembrei-me daquele jovem e indaguei se a vida não me fazia a seguinte pergunta:
— Você é muito bom para pregar, mas será que já consegue exemplificar?
O espírito de Manoel P. Miranda diz que “(…) o ódio é fruto do egoísmo, do
personalismo magoado1 e Kardec comenta no Evangelho segundo o Espiritismo que
“O ódio e o rancor denotam uma alma sem elevação e sem grandeza. O esquecimento
das ofensas é próprio da alma elevada, que paira acima do mal que lhes quiseram
fazer. (…)” 2
É certo que a maioria de nós ainda se melindra diante da ofensa, pois somos todos
espíritos em evolução, a bordo da nave Terra. Mas se realmente já desejamos assinalar
a luz que resplandece do evangelho do Consolador Prometido, devemos nos lembrar
que toda dor chega e passa e que Ele próprio disse que “(…) todo o que a si mesmo
se exaltar será humilhado, e aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado”.(Lucas,
XIV: 11)
Mas além disso, o Espiritismo veio revelar ao homem um sentido mais amplo para
o perdão das ofensas. Não se trata apenas de uma questão moral, da prática muitas
vezes da falsa bonomia.
Allan Kardec também abordou no mesmo capítulo do Evangelho segundo o Espiritismo,
que citamos anteriormente, no item “Reconciliar-se com os Adversários”, que
na prática do perdão e do bem em geral, além de um efeito moral, há um efeito também
material, pois a morte não nos livra dos nossos inimigos. Daí a causa da maioria
dos casos de obsessão, pois “O espírito mau espera que aquele a quem quer mal
esteja encerrado em seu corpo, e assim menos livre, para mais facilmente o atormentar,
(…)”.
A nossa dificuldade em perdoar, se dá em grande parte por causa do orgulho ferido.
Todos nós que abraçamos o Espiritismo, temos que nos lembrar que nenhuma dor
é por acaso e que esta doutrina nos dá o lenitivo para todas as dores, todas as
decepções porque ainda é necessário que passemos.
E em se falando de perdão, mais uma vez recordamos a figura do mestre, que durante
o seu apostolado de luz salientou a importância do perdão das ofensas, numa reformulação
da lei mosaica. Lembremo-nos que mesmo perseguido, zombado e ultrajado pela multidão,
diante da cruz, Jesus invocou o perdão irrestrito nas palavras:
“— Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem.” (Lucas, XXIII: 34)
1. – Nas Fronteiras da Loucura, Análise das Obsessões – psicografia de Divaldo
P. Franco.
2. – KARDEC, Allan – O Evangelho segundo o Espiritismo – Perdoai para que Deus
vos perdoe, Cap. X. Edição EME.