Seguir Jesus é renunciar às quiméricas aquisições que são confiscadas na aduana da morte.
“O Espírito mais perfeito que Deus nos
ofereceu como Modelo e Guia é Jesus.”
– O Livro dos Espíritos, q. 625
A primavera espocava escarlate nas pétalas das anêmonas em flor... O campo relvado em matizes brancos apresentava-se salpicado de madressilvas que oscilavam no verde, ao sabor da brisa suave, brincando no rés-do-chão… O Céu azul e transparente parecia confraternizar com o mar tranquilo que espelhava as nuvens esvoaçantes que se abria aconchegante aos barcos de velas coloridas.
Havia mesmo uma sinfonia discreta na manhã formada das onomatopeias generosas da Natureza exuberante, enriquecida por Seu Verbo de Luz que despertava as consciências inquietas e asserenava os espíritos em turbulência moral... Sua silhueta de braços abertos bordada de ouro no contraste com o dia fulgurante parecia a de uma ave sublime que estivesse prestes a alçar voo, buscando rumos ignotos… Havia n’Ele um poderoso magnetismo que Lhe acompanhava as palavras conhecidas e comuns, encadeadas como outrem jamais o fizera, que tocava com estranho e vigoroso poder balsamizante que rociavam como perfumes de lavanda no ar, enquanto outras penetravam como punhais remexendo nas mais profundas “carnes” do Espírito: “aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água se lhe fará fonte inesgotável que saltará para a Vida Eterna.”
O Espírito andarilho das estradas do Infinito, seguindo na direção do Amanhã, sofrendo em paz e paciência se recupera e ressarce: “aquele que não nascer de novo, não pode ver o Reino de Deus.”
Renascer e recomeçar a vida para se libertar. A luz clareia e penetra, espancando as trevas. Muitos preferem a ignorância para não carregar a luz da responsabilidade. Jesus é a Luz do Mundo!…
Os companheiros seguiam-no animados, desejosos de penetrar-Lhe todas as lições e integralmente o ministério, que, às vezes, lhes parecia complexo demais para suas mentes desacostumadas a incursões mais profundas pelos meandros e anfractuosidades dos raciocínios transcendentais.
Seguindo Jesus, o Amigo Excelente, não tem sabido o homem abandonar a estreiteza das limitações ideológicas em torno das quais circunvaga, para buscar os horizontes ilimitados da solidariedade onde se pode realizar e adquirir plenitude.
Por enquanto, condicionado às circunstâncias da própria necessidade, não tem sabido valer-se do gral asseado da abnegação e a toma em vasilhames impregnados de sujeira que impedem a absorção total e lenificadora do refrigério de que se faz instrumento.
Deslumbram-se sempre, logicam raramente… O alimento espiritual produzido por Seus lábios sublimes caía nos seus corações, mas algumas vezes se apresentava azedo, desagradável. Estar com Ele era vibrar de felicidade e sofrer de ansiedades incontroláveis.
“Pai, se queres, passa de mim esse cálice, todavia, não se faça a minha, mas a Tua vontade.”
E, posto em agonia, orava mais intensamente. E o Seu suor tornou-se grandes gotas de sangue, que corriam até o chão… Ele era capaz de tudo, e o demonstrou vezes sem conto. No entanto, também falava ao Pai de Suas dores, lutas e paixão… A que paixão Se referia, não compreendiam.
“Eis que subimos a Jerusalém, e se cumprirá no Filho do Homem tudo o que pelos profetas foi escrito; pois há de ser entregue às gentes e, escarnecido, injuriado e cuspido, havendo-o açoitado o matarão; e ao terceiro dia ressuscitará.”
A perene madrugada inebriava aquelas vidas… Dias assinalados pela apoteose da Esperança, inundados de amor, em que a cornucópia da misericórdia esparzia bênçãos em abundância, constituíam uma quadra que jamais a Terra experimentara nos seus fastos passados ou voltaria a gozar no futuro… A paisagem dos corações cada vez se multiplicava pela presença dos aflitos e angustiados que se atropelavam na expectativa de fruir os resultados felizes daquele momento que, talvez, fossem interrompidos logo mais…
“Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo.”
Aqui estão embrulhadas na dor as aflitas mães viúvas em evocação à de Naim, rogando ajuda com as almas em frangalhos, desesperançadas; vestidas de ilusão, derrapando na ociosidade alucinada, virgens loucas desfilam em contínuo cortejo de insensatez, esquecidas da responsabilidade, embriagando-se para logo tombarem sonolentas nos resvaladouros de erros escabrosos, perdendo os noivos, quando chegam, onzenários que preferem a algaravia cambial e o sonido expressivo dos valores que perseguem, em detrimento da joia de alto preço, que merece adquirida com o resultado arrecadado pela venda de todas as pequenas joias, e porque estão desatentos, perdem a mais preciosa: a paz interior.
Interrogantes, os príncipes da ciência e da filosofia, indagando e indagando sempre, sem reflexionar, fixados nos compêndios tradicionais e aos conceitos dúbios a que se aferram, são surpreendidos pela desencarnação para constatarem, arrependidos, tardiamente, o verdadeiro aspecto da verdade.
“E entrando numa certa aldeia, saíram-Lhe ao encontro dez homens leprosos, os quais pararam de longe; e levantaram a voz dizendo: Jesus, Mestre, tem misericórdia de nós. E Ele, vendo-os, disse-lhes: Ide, e mostrai-vos aos sacerdotes. E aconteceu que, indo, eles ficaram limpos.”
Ali estavam todos os elementos constitutivos da melodia dos sofrimentos humanos. Mutilados em permanente exibição das deformidades e miseráveis sonhadores da Esperança. Aqueles rostos sulcados pela dor e curtidos pelo Sol; aqueles olhos encovados, sem luminosidade que as desilusões de todo matiz quase apagaram de todo, acendiam-se, porém, expectantes, naquele momento, aguardando…
“É-nos lícito dar tributo a César ou não? E, entendendo a sua astúcia disse-lhes: Por que me tentais? Daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus…”
As conjunturas da política dominante e ignominiosa do usurpador estrangeiro produziam sulcos de revolta no solo das almas, e os bajuladores armavam ciladas nas bocas torpes dos representantes da comunidade, procurando pôr a perder o Pomicultor Sublime.
“Falta-lhe uma coisa: vai, vende tudo quanto tens, e dá-os aos pobres, e terás um tesouro no Céu, vem e segue-Me. Mas ele, pesaroso desta palavra, retirou-se triste; porque possuía muitas propriedades. Quão dificilmente entrarão no Reino de Deus os que têm riquezas!”
Segui-lO é renunciar às vãs ambições da posse, das quiméricas aquisições que são confiscadas na aduana da morte. Não é fácil permutar os limites do que se toca pelo horizonte das realizações espirituais!…Ter, sem deter; possuir sem dominar... Ter os Céus como teto, num zimbório pigmentado por estrelas como gemas engastadas num dossel de insuperável beleza. Nada ter e tudo possuir, sem amanhã, num perene hoje a perder-se na verticalidade do amor incondicional e imarcescível.
Já se tornara conhecida a estranha e poderosa voz do Cantor Diferente, delimitando as novas fronteiras do Reino de Deus. As multidões esfaimadas ouviam aquela Palavra e se entusiasmavam, acompanhando o Singular Peregrino. Preconizavam um Reino e ensinava onde repousavam as suas primeiras balizas, já fincadas no solo dos Espíritos. Todavia, quando se fitavam os olhos transparentes d`Aquele que projetava a voz da Esperança se identificavam neles a melancolia e a poesia latentes que esparziam em farta messe.
Todas aquelas gentes vieram ao monte para receber o largo quinhão das Suas dádivas e estavam fartas; sorriam, e a esperança salmodiava hinos de paz nos seus corações sofridos. Retornavam, agora, a penates, invadidos pela magia incomum do Seu Verbo. Jamais deixariam de ecoar aquelas promessas de vida nas quebradas dos tempos e de repercutirem na acústica das almas... As estrelas cintilam no engaste sombreado como que vertendo argênteo pranto. O buliçoso sacudir das ramagens na aragem que perpassa, mistura a Sua voz às vozes do anoitecer.
Flutuando sobre o lago, nele refletindo, o disco solar no poente de fogo e ouro incendeia a Natureza. O calor esmaece e um magnetismo envolvente domina, superando as manifestações exteriores. O Estatuto da Felicidade foi apresentado e novos artigos como corolários dos primeiros são aditados…
“Eis que vos mando como ovelhas para o meio de lobos rapaces…”
Ainda hoje as perseguições aos paladinos do bem e aos servidores do Cristo não cessaram. Repontam com mil faces, estrugem de variegadas maneiras, convocando os verdadeiros trabalhadores do bem ao poste do martírio e ao circo ridículo, ferindo-os fundo n’alma e anatematizando-os incessantemente… Não nos iludamos! Mudaram os tempos, modificaram-se os métodos da insana campanha contra o Cristo, ora disfarçados e sutis, conspirando contra os que se entregam – discípulos estóicos do Herói da Cruz – com devoção ao programa da redenção humana.
À semelhança daqueles seguidores intimoratos que conviveram com Jesus e Lhe deram a Vida, prossigamos irmanados na colocação das balizas nas fronteiras do Reino Divino entre os homens da atualidade... Hoje, como ontem, retornam as Vozes, e falam os chamados mortos, alentando e revigorando as consciências, atestando à saciedade e indestrutibilidade do Espírito e a realidade da vida após a lama tumular.
Mesmo que – repentinamente – se faça noite em nossos caminhos, e a chuva de amarguras caia impenitente sobre nossas cabeças, e os nossos pés tropecem nos calhaus que a indiferença em nome da falsa cultura e a impiedade representativa da ignorância nos arremessem, continuemos de ânimo robusto e espírito afervorado, ligados ao Espírito Divino, colocando as marcas de nossa passagem em bastiães de luzes que iluminarão para todo o sempre as eternas fronteiras do Reino de Deus, quais postos avançados da vida nos campos de sombra da morte.
Autor: Rogério Coelho
Fonte: https://www.agendaespiritabrasil.com.br
Nota do autor:
(1) Texto (com pequenas adaptações) pinçado das luminosas páginas de Amélia Rodrigues psicografadas pelo médium Divaldo Pereira Franco.