«Há uma revelação, pois que se vos desvela uma força da natureza da qual não suspeitáveis — e que é, porém, antiga como o mundo.»
Paris, 18 de abril de 1857. Em uma das civilizações mais fragmentárias que o mundo já conheceu, quanto às ideias, os espíritos buscavam a solução definitiva para problemas universais, ao passo que digladiavam no terreno do cotidiano. Qualquer vulgaridade era matéria; se não de apreciação, pelo menos para ataques indiretos àqueles tolos que lhe dessem atenção.
Ao amanhecer desse dia, continuava em fase de decadência uma certa moda que ocupara todos os salões e casebres por anos seguidos: a das mesas girantes. Pelo menos é como diziam. Com este termo, na verdade, significava-se todo um conjunto de fenômenos extraordinários.
Mas eis que é publicado um livro que obriga todos a retornarem ao tópico, se não já encerrado, ao menos abandonado por força de novos atrativos. Que discurso, no entanto, poderia reacender a polêmica? Incontáveis impressões haviam sido postas e acaloradamente defendidas; brincadeira enfada; por que, então, um volume seria capaz de reanimar toda uma questão já decrépita? Era forçoso que tivesse algo novo, pois títulos obsoletos não se esgotam em poucos meses — falamos da primeira edição. Mas nenhuma porção do conteúdo era nova. O que então o destacava? Só restaria a sua forma.
Com efeito, ainda que envelhecido precocemente, o livro era original. Não se tratava do que continha, mas de como o continha. Sim: diferentemente de todas as propostas anteriores, este se apresentava com imbatível unidade. Não desprezava circunstâncias, buscava-as; não fechava os ouvidos às opiniões: ouvia, comparava e julgava. Pela primeira vez, fazia-se um diálogo que abrangia todas as modalidades do fenômeno, como o levava às últimas consequências.
Embora a lucidez quanto à natureza das ciências não fosse ainda tão presente como hoje (que temos alguma, tímida, mas alguma), o que se fazia sentir no livro era precisamente a força delas.
A ciência não se intimida diante de opiniões; segura de si, explica-as, revelando suas várias causas, e debocha delas, se pretensiosas demais. Impávida, liquida os adversários e suas ridículas armadilhas, mostrando que nada mais fazem do que dar forças a quem pretendem destruir. É que, na verdade, o cientista não despreza as impressões, pois ele parte do conjunto efetivo delas para explicar o fenômeno. Por isso, todo espírito honesto se lhe rende, quando bem feita, porque sente que sua própria visão não é descartada, senão empregada na sustentação da teoria; sente que é ele mesmo obrigado a adotá-la, porque ela decorre de sua natureza, a que ele não pode trair.
A ciência hoje é objeto de ataques. Sem querer examiná-los, diremos que em geral os que atacam, como os que defendem, e principalmente estes (coisa curiosa!), deixam de seguir uma máxima daquela: observar se as contradições são realmente frontais, ou apenas aparentes, de modo que cada um se atém a um aspecto e, tomando-o pelo todo, precipita seu julgamento.
Ora, seria tão injusto ter na ciência um Deus, quanto negar-lhe todo e qualquer valor.
Assim, queremos restringir esse nome, tão controverso e tão plástico, a termos simples: atividade do espírito que busca a unidade em uma diversidade de fenômenos, de modo a garantir, na medida do possível, que nenhum outro entendimento possa superar-lhe em simplicidade e precisão.
Esse enunciado, pensamos, pode ser admitido sem grandes controvérsias.
Por extensão, com o termo designaremos o conjunto efetivo de ambições atribuídas àquela atividade, ou nutridas sob a expectativa de seu poder.
Mas quais serão suas legítimas pretensões? Aqui surgem novas disputas. Não se disputa, contudo, que ela tencione algum conhecimento. Mas qualquer conhecimento? Não; quer um conhecimento seguro, que satisfaça; que seja confiável, certo; se não absolutamente, pelo menos no máximo possível.
Segurança, confiabilidade, certeza — aspirações do verdadeiro cientista (agente da atividade que enunciamos).
Naturalmente, a ciência tem limites, dados em seus próprios princípios. Quando institui métodos, afirma inevitavelmente uma série de implicações. Por exemplo, nenhuma experiência pode ser feita sem confiança, mesmo que relativa, nos sentidos. O cientista, portanto, não poderá negá-los completamente, uma vez que sejam princípios de seu método, que terão, como tais, valor irredutível, ainda que sujeito a gradações.
Quando esses limites naturais da ciência são todos alcançados, e qualquer explicação essencialmente nova os contradissesse, dizemos que ela chegou a seu máximo. Por coerência, o homem que dê validade à ciência terá de dar igual validade ao máximo que obtenha através dela. Nesse caso, dirá que a ciência provou que algo se dá de tal forma ou de outra. Ele terá alcançado toda a certeza possível, relativamente às suas disposições intelectuais. Caso os limites não possam ser alcançados, dirá que a ciência é, pelo menos em dadas circunstâncias, impotente diante de determinado campo de fenômenos; por exemplo, se a observação possível não é suficiente.
Sob certo aspecto, poderemos dizer que a ciência se faz pelo emprego da razão sobre uma diversidade de fatos. Assim, as leis lógicas devem ser respeitadas, como também as regras de controle da observação.
Mas, ora! «A humanidade seria perfeita se nunca tomasse senão o lado bom das coisas. O exagero em tudo é nocivo.» A ciência, com o tempo, tornou-se o juiz de todas as instâncias, por não compreender o homem a distribuição de competências que há dentro dela. Desse modo, o biólogo, o fisiologista, o físico, o químico, entre outros, tornaram-se, e cada um, autoridades universais, solicitadas diante de todo e qualquer problema.
Nesta posição, ao invés de observarem ao vulgo que o que sabiam era mais restrito, fizeram ostensiva sua já natural tendência de reduzir tudo à própria especialidade. Então, com tudo colocado no campo material (porque é naturalmente aí que a ciência dá seus primeiros passos), a espiritualidade se tornou ficção, e o materialismo ganhou todas as forças, tornando-se, para as massas desavisadas, a palavra final sobre a constituição cósmica.
Este, na verdade, não foi o único motivo para a ascensão do materialismo; mas é de grande importância, e o que, por ora, mais nos interessa.
Entretanto, quem provou que a espiritualidade era ficção? Ninguém; tudo o que se fez foi afirmar que o que se considerava espiritual poderia ser explicado pela matéria. Podê-lo-ia mesmo? A questão ficou aberta. Apenas uma teoria sobre a multidão dos fenômenos ditos espirituais poderia provar que não havia nenhuma espiritualidade, ou que a havia, ou, ainda, revelar que a questão, pelo menos em princípio, está além da ciência.
Eis por que um livrinho de pequeno volume pôde chamar tanta atenção, quando as circunstâncias já se lhe faziam pouco favoráveis. É que este trabalho alcançou o elemento de identidade entre uma diversidade de fatos constatados (além de sobre eles gerar toda uma filosofia); numa palavra, procedia cientificamente, e provava, refutando todos os grandes contra-argumentos possíveis, a existência de seres extracorpóreos. Eis um dos grandes feitos do livro dos Espíritos, em seu século e ainda hoje, dizem-no alguns, muito mais sentido do que compreendido.
No entanto, fomos bem claros: a matéria era batida. A forma é que veio verdadeiramente revolucionária. Em termos práticos, os Espíritos, como suas manifestações, por mais notáveis que fossem, não poderiam ser mais do que uma parcela dos fatos a serem conformados pelo investigador de seu todo. Não podiam, aqueles mesmos, refutar a tese de charlatanismo, por exemplo; não podiam eles mesmos postular conclusões de experiências. Eles eram sempre parte do problema, mesmo quando pretendiam dar-lhe solução. É que a ciência, necessariamente, não é toda objetiva, e os Espíritos não podiam, diretamente, deixar de ser objeto. Se em uma sessão mediúnica, por exemplo, surge uma mensagem afirmando «Eu sou um Espírito. A alma é imortal.», seu lado teórico não suplantará as dificuldades de observação; pois que provaria isso contra a possibilidade de invenção do «médium»? Se a mensagem se desse em língua desconhecida, que provaria ela contra a possibilidade de manifestação de uma lembrança do inconsciente do «médium», que já houvera, talvez, folheado um livro estrangeiro com tais frases?
Essas são dificuldades das que aparecem em todas as ciências, defrontadas dos primeiros princípios às últimas consequências.
Foi por isso que a respeito da Economia, ciência de certa idade, mas de muitas indecisões, chegou a dizer Montesquieu: «Não é que os economistas sejam pequenos; é que sua ciência é grande demais.» E, bem! Se séculos foram necessários para que a Economia avançasse, a Economia, que é tão pouco filosófica, no sentido de que é em muito subordinada à realidade humana e não dela subordinante; a Economia, que decorre quase inteiramente de nossa própria ação, imagine-se então uma ciência que trata de um objeto infinito como a alma! que trata da sorte e do destino da humanidade! Não obstante, o Espiritismo pôde, não em séculos, mas em menos de duas décadas, vencer todas as primeiras grandes dificuldades. Não que muitos tenham colaborado pela solução. Foi suficiente um homem; ou melhor: um homem se fez suficiente. Em aproximadamente quinze anos, Allan Kardec criou o Espiritismo e resolveu, com os Espíritos, os problemas mais urgentes da existência humana.
Há de se convir em que uma série de dificuldades se apresenta logo de início. Aqui aparece um caso notável pela credibilidade das pessoas envolvidas; ali, no entanto, surge um caso evidente de charlatanismo; noutra parte, aparece um homem de gênio com uma explicação sobre mistificações muito satisfatória; por outro lado é constatado, porém, um fenômeno que escapa à mesma explicação e sugere que ela também não se aplique a casos em que aparentemente o fazia. Está certo, decide-se; são mistificações mediante diferentes artifícios. Mas surgem testemunhos irrecusáveis pela honradez das pessoas. Reluta-se, desacredita-se a honra humana e se abraça a pequena possibilidade de enganação. — Mas eis que vem um fenômeno, testemunhado também por outras pessoas, quando nenhuma delas ou outra poderia ser responsável. «Não posso estar enganando a mim mesmo; há de haver uma inteligência distinta», considera-se. Mas sobrevém outra explicação, que impressiona, sobre a ação inconsciente, e o observador é forçado a reexaminar todos os fatos. Diante deles é, porém, evidente: o inconsciente não pode ser tão poderoso. De repente, a negação de uma inteligência incorpórea começa a se tornar mais forçada, problemática, e, finalmente, irracional. Todavia, quando o problema se resolve, mil outros aparecem. Por que certos fenômenos só acontecem na presença de certas pessoas? São realmente Espíritos, tais seres? Por que uns se apresentam como bons e noutro dia são irascíveis e tolos? Por que nem sempre respondem aos chamados? Há diversidade de caracteres? Gozam de bem-estar? Sofrem? Em cada caso, por quê? Um afirma a ausência de necessidades, mas outro jura sentir fome; um afirma não ter corpo, mas outro se queixa de dores no peito. Há reencarnação? Uns a afirmam, outros a negam. Etc., etc., etc.
Assim, não é que o Espiritismo seja pequeno; é que Allan Kardec foi grande demais. Esses problemas que mencionamos são apenas alguns dentre muitos outros. Cada um, ou alguns tomados à parte podem causar tendência a determinada solução; esta, porém, contradiria radicalmente outra mais certa, e a teoria desabaria. É mister apreender os problemas em seu todo; isso, no entanto, nem sempre é possível, e se torna necessário rastrear os que não estejam presentes.
É, portanto, evidente: não se pode confundir a simplicidade da apresentação do Espiritismo (outro mérito de K.) com a simplicidade de sua elaboração.
Mas se continuarmos, entraremos no terreno filosófico, e queremos, por ora, deter-nos no prático.
Vimos dizer com todas as letras. Em termos de ciência, Allan Kardec matou o materialismo. A realidade do Espírito está provada. Naturalmente, aqueles acomodados que dos Espíritos só conhecem os contos ridículos, aqueles acomodados que não se dão ao trabalho de observar antes de emitir suas opiniões, eles podem reclamar e com certa razão, porque, para eles, o Espírito é ainda uma ficção, e não está provado — mas não só o Espírito; também não estará provado tudo quanto exija uma observação além de seu gabinete. O espírita comum pode nada entender do funcionamento da ciência; ele, contudo, tem a força dela. Ele está em campo, como dizem, e observa toda sorte de fenômenos que não lhe permitem dúvida. Podem bradar contra esses pobres de espírito; podem evocar todos os certificados, diplomas e termos técnicos; mas, à imitação de Allan Kardec, eles têm a ciência espontaneamente: é um anseio natural que os move, e não a vaidade de carimbos e atribuições externas, nem a ambição de um título. Eis o que, sobretudo, consagrou todo grande cientista.
Fazemos essa reflexão apenas para mostrar quanta grandeza o Espiritismo encerra. Mas não nos inquietaremos, como não o faz nenhum espírita, por oficializar a doutrina, por que consintam às suas palavras. O motivo é simples: para que lutar pelo título de ciência, quando já gozamos de seus frutos?
Pedimos licença para uma breve observação. Não queríamos tratar de questões específicas, mas passamos por uma de máxima importância e ainda não devidamente notada. Ora, esses acomodados que mencionamos por vezes se deixam levar a uma ou duas observações — um volume de experiências notável. Assim, veem e não compreendem, porque não sabem o que ver e não têm o que raciocinar. O espírita, que já constatou suficiente número de fatos, e que, sobretudo, tem presente a teoria, é capaz de identificar coisas que escapam ao primeiro. É, como diz um amigo nosso, o caso do médico, que obtém, numa imagem radiológica, a grande iluminação de um problema, ao passo que um homem vulgar seria incapaz de nela obter sequer uma dúvida. Ora, a questão é maior. O Espiritismo revela a constante interferência dos Espíritos nos nossos pensamentos. Assim, seria puerilidade buscar em toda sessão mediúnica a independência da vontade responsável pelo pensamento. Os incrédulos querem ver o médium ser absolutamente passivo, e não lhe darão fé até que prove sê-lo; não tendo visto mais do que reuniões ordinárias, tomam todos os seus assistentes por insanos. Mas isso é primarismo, e revela apenas ignorância intransigente, porque, se a independência da vontade não se patenteia sempre, patenteia-se em casos menos comuns, mas que igualmente se podem obter. Perguntamos: e quando, num caso de vontade externa inconcussa, obtém-se a confirmação de uma comunicação em que apenas se sugeria um pensamento distinto? E quando, sem qualquer vontade estranha manifesta, obtêm-se informações que o suposto médium necessariamente ignora e não poderia jamais adivinhar? E quando vem um fato material corresponder com implacável precisão a uma informação simplesmente inspirada? Nunca vi, dirão. Mas ignorância própria, argumento alheio. Não que pretendamos adesão prévia de todos quantos nada viram, pois leviandade é um mal de qualquer lado; de tais pessoas esperamos apenas a suspensão de juízo. De todo modo, tais casos nos fazem ver a seguinte subtileza: a presença do Espírito não se revela apenas pela sua vontade, mas por seu pensamento. Regra geral: Se todo pensamento provém de uma alma, e se certo pensamento deve ser estranho à pessoa mesma que o intelege, é que ele deve vir de uma outra alma. Este deve vir pode ser absoluto ou gradativo, estando na razão direta do dever ser, julgado, este, pelo contexto e pelo médium. Note-se bem que este é um estágio delicado, para cuja solução concorre uma multidão de fatores. O espírita sempre respeita o julgamento daquele que tem tais fatores em conta, mesmo quando este julgamento lhe seja contrário; o que ele não respeita, no sentido de que desconsidera, é a opinião superficial.
Retornemos de nossa digressão. Até agora apenas temos falado, essencialmente, da introdução do livro dos Espíritos. O que sobrevém é produto. As duas partes se compenetram, mas são distintas. Poderíamos dizer mais sobre aquela; dizer, por exemplo, que assume sua forma definitiva na primeira parte do livro dos médiuns, que se detém em cada tese sobre as manifestações espíritas. Mas queremos dar mais um passo, e sem trair nosso título: o materialismo não é apenas uma tese cosmológica; é também o proceder decorrente da crença naquela tese. E se o Espiritismo é o seu antagonista, não pôde deixar de vir-lhe ao encontro também no terreno prático.
Dizem muitos que o materialismo não é assim nocivo como propalam os crentes, e apontam, em defesa, personalidades notáveis por sua honradez. A questão, no entanto, não é que a virtude não seja possível no materialismo; é que o seja apenas apesar dele. As razões aduzidas para esta posição nos satisfazem. Podem ser sintetizadas nestas palavras: «Pela crença no nada, o homem inevitavelmente concentra todos os seus pensamentos na vida presente; com efeito, ilógico fora preocupar-se com um futuro pelo qual não se espera.» O Espiritismo faz ver mais longe, e, percebendo mais do que aquilo que fica na ponta do bisturi, força o homem a rearranjar sua escala de valores.
Quanto a este materialismo prático, como dizemos, a doutrina espírita também teve vitórias. São incontáveis as pessoas que, aderindo a ela, puderam salvar-se do suicídio, do crime, das inconsequências. É verdade que o vício humano é muito forte, e que décadas podem ser pouco para a correção da alma. Ao longo de uma vida espírita, no entanto, os impulsos materialistas nunca se revelaram ascendentes; ao contrário, veem-se sempre em decadência, porque os vícios diminuem e as virtudes aumentam. — Ora, espírita virtuoso é o consequente; materialista virtuoso é o inconsequente. Afirmamo-lo de nós mesmos: Sem o Espiritismo, ter-nos-íamos rendido facilmente a ideias eugenistas, pois apenas ele pôde cortar as teias com que elas nos enleavam — confessamo-lo. Pessoalmente, dizemos ainda, se há uma série de defeitos que ainda nos obrigam a desviar-nos do título de Espírita, há grandes venturas que não devemos senão à certeza que temos dos princípios fundamentais da Doutrina.
Por último, queremos fazer uma observação sobre aqueles que defendem que o tempo se encarregou de vencer o Espiritismo, porque, dizem, ele passa a extinguir-se em todo o mundo. Objeção pueril: Por sua lógica, o silêncio é argumento. Queremos dizer, então, que não direcionaremos nenhuma palavra a essas pessoas, e esperamos que entendam nosso silêncio com coerência. O tempo, na verdade, apenas corroborou o Espiritismo, porque em mais de um século não encontrou refutação.
***
Com todas essas considerações, embora muito breves, cremos ter mostrado um motivo pelo qual Allan Kardec chega a ter seu 216º ano celebrado, e por que provavelmente sempre estará presente na humanidade: com ele, o materialismo deixou de ser razoável e voltou a ser absolutamente indesejável. Em palavras positivas, a piedade humana foi agraciada com novos impulsos, e o homem sentiu toda a necessidade pessoal que tem de imitar o Cristo.
Que nos perdoem o intento de memorar uma data partindo de outra. É que não quisemos tratar da vida de Allan Kardec em sua totalidade, senão apenas em seu clímax. Sim, clímax — esta palavra grega esgota toda a sua alma! Pois bem foi ela um homem que enfrentou todas as adversidades do mundo — a aridez dos sistemáticos, as garras dos ingratos, as quedas causadas pela inveja, as tempestades e trevas da intolerância, os descaminhos da má-fé, as ondas devastadoras da injustiça e da inconsequência — tudo, sem jamais, no entanto, deixar-se contaminar por esses monstros do orgulho, e, pelo contrário, tendo sempre presente a fé em Deus, que lhe animava ao progresso, à ascensão, ao infinito, de modo que pôde, em meio a tantos obstáculos e às naturais brumas das incertezas, avançar resignado passo a passo e, enfim, alcançar o cume da escada de Jacob, do clímax da divinização da criatura. Vencidos os estágios vencíveis, pôde ele, então, contemplar a beleza da imensidão e a harmonia feita entre o finito e o infinito, que revela a grandeza das dores e misérias humanas, porque as salva do esquecimento. Uma vez dourado pela luz livre e perene, pôde Allan Kardec comunicar-nos a segurança de quem é imortal, e as resoluções de quem conhece da vontade de Deus.
Sabemos ficar muito aquém de uma justa homenagem, pois, espírito superior, notamos, e muito por alto, apenas uma mínima fração de seus méritos. Mas não pretendíamos mesmo esgotá-los; deixamos que nossas palavras se somem às de tantas outras almas, gratas como nós àquele que tomamos por referência na condução de nossas vidas, o que é dizer mestre, abstração feita de nossas lamentáveis — mas condenadas! — inconsequências.
Nesse texto, pouco fizemos além de aplicar ideias contidas na obra de Allan Kardec. Os interessados em seu estudo completo poderão dirigir-se à Kardecpedia (no endereço kardecpedia.com), onde encontrarão todas as suas obras publicadas, centenas outras que ele comentou, além de certos documentos e trabalhos históricos.
Trechos expressamente citados: «O Livro dos médiuns», parte primeira, capítulo III, n.º 28 (sobre o exagero); e «O Céu e o Inferno segundo o Espiritismo», parte primeira, capítulo I, n.º 2 (sobre o materialismo prático). Traduções livres.
Quanto à citação do topo, sobre a presença de uma revelação, trata-se, em verdade, de paráfrase. Veja-se, no número de setembro de 1861 da «Revista espírita», o texto «Um Espírito israelita a seus correligionários».
A pintura que usamos acima é da autoria de Caspar David Friedrich, chamada O caminhante sobre o mar de névoas (do alemão «Der Wanderer über dem Nebelmeer»).
Autor: Thomas SchreiberFonte: https://kardec.blog.br/
Ensaio O Homem que Matou o Materialismo escrito por Thomas Schreiber a propósito do aniversário de Allan Kardec. Thomas se dedica ao Espiritismo há vários anos e tem se interessado especialmente pelo seu processo de elaboração.