Amplamente difundida no meio espírita, encontra-se a seguinte orientação: a maior caridade que se pode fazer pela Doutrina é a sua própria divulgação. Esta ideia, inspira-se em um ensino apresentado por Emmanuel – a que nos referiremos adiante -, contudo, não corresponde exatamente à proposta original deste Espírito.

Normalmente, a máxima é citada para enfatizar a divulgação do Espiritismo visando a sua melhor propagação pelos meios escritos, televisivos, e pelas variadas mídias existentes.

Poder-se-ia perguntar qual seria a razão de se questionar a propriedade desta norma? Afinal, divulgar não é útil e bom? Afirma-se ser a propaganda a alma do negócio, e quando se faz divulgação, faz-se propaganda, não há sombra de dúvida.

Todavia, há duas pertinentes questões envolvidas aqui em exame: a primeira se prende à despreocupação e tendência de muitos em não serem fiéis aos escritos alheios, uma vez que, agindo assim, podem facilmente modificar sobremaneira a ideia original do autor, como é o caso da expressão que aqui focalizamos; a segunda é saber se realmente a maior caridade que podemos fazer pela Doutrina é a sua divulgação pelos meios citados, entre outros; é informação capital, porque, se for assim, devemos sempre concentrar todos os nossos esforços nesta direção; se porém não for, precisamos redirecionar a nossa atenção para o foco real, sem esquecer também da valiosíssima e tradicional divulgação.

Em relação à primeira questão, é preocupante a conduta de alguns em alterar, acrescentar ou suprimir, palavras e sentenças contidas em um texto espírita. Muitas passagens nos Evangelhos foram afetadas por esta prática, fato previsto por Jesus, levando-o à promessa de nos enviar outro Consolador. Seus ensinos, sabia-o Ele, seriam esquecidos e deturpados, pois o Espírito, ainda em evolução, divisando um ponto de vista que não consegue bem compreender ou aceitar, ao transcrevê-lo ou divulgá-lo, pode alterá-lo, consciente ou inconscientemente, de modo a ajustar o conceito às suas limitações de entendimento, adaptando as ideias alheias aos seus próprios princípios e experiências.

Considerando a segunda questão em análise, cremos ser o desconhecimento a causa maior, justificando a posição dos disseminadores da máxima em avaliação.

Há no livro Estude e viva (cap. 40), uma mensagem intitulada Socorro oportuno, da autoria de Emmanuel em que se encontra a fonte da tão propalada frase. Analisando, contudo, o seu conteúdo, conclui-se não ser exatamente esta a proposta de Emmanuel, conforme segue:

Lembra-te deles, os quase loucos de sofrimento, e trabalha para que a Doutrina Espírita lhes estenda socorro oportuno. Para isso, estudemos Allan Kardec, ao clarão da mensagem de Jesus Cristo, e, seja no exemplo ou na atitude, na ação ou na palavra, recordemos que o Espiritismo nos solicita uma espécie permanente de caridade – a caridade da sua própria divulgação. (Destaques nossos.)

Observa-se no texto menção a: exemplo, atitude e ação, que são condutas claramente voltadas ao nosso dia a dia de espíritas. A última orientação de Emmanuel, que se refere à palavra, até poderia ser interpretada por dita ou escrita, mas, mesmo assim, nada sugere ser a palavra escrita, entre as quatro propostas citadas, a representante da maior caridade a se fazer pelo Espiritismo.

Além disso, Emmanuel não elencou prioridades, simplesmente disse “caridade permanente”. Esta ligeira reflexão feita sobre a citação não poderia apontar para outra direção, caso contrário, Emmanuel estaria em contradição com Allan Kardec.

Plenamente cônscio desta realidade, o mestre de Lyon, comparece em Espírito na sessão de 30 de abril de 1869, na Sociedade de Paris, e, através de uma comunicação, registra esta recomendação sob o título: O exemplo é o mais poderoso agente de propagação. Esta posição do Prof. Rivail consta da última edição da Revista Espírita (ano 12, n. 6, jun. 1869), como segue:

Venho esta noite, meus amigos, falar-vos por alguns instantes. […] Tenho ainda alguns conselhos a vos dar quanto à marcha que deveis seguir perante o público, com o objetivo de fazer progredir a obra a que devotei a minha vida corporal, e cujo aperfeiçoamento acompanho na erraticidade.

O que vos recomendo, principalmente e antes de tudo, é a tolerância, a afeição, a simpatia de uns para com os outros e também para com os incrédulos. […]

As brochuras, os jornais, os livros, as publicações de toda sorte são meios poderosos de introduzir a luz por toda parte, mas o mais seguro, o mais íntimo e o mais acessível a todos é o exemplo na caridade, a doçura e o amor. (Destaques nossos.)

Nada há a estranhar, considerando também o primeiro livro escrito por Allan Kardec, O livro dos espíritos (q. 661), quando, ao tratar do tema A Prece, registrou:

Poderemos utilmente pedir a Deus que perdoe as nossas faltas?

Deus sabe discernir o bem do mal; a prece não esconde as faltas. Aquele que a Deus pede perdão de suas faltas só o obtém mudando de proceder. As boas ações são a melhor prece, por isso que os atos valem mais que as palavras.” (Destaques nossos.)

Não há nesta análise, nenhuma oposição à boa prática da divulgação doutrinária, por qualquer meio lícito e mídia possível. Tal conduta, importante, nobre, meritória e permanente, conforme recomenda Emmanuel, sempre será bem-vinda e louvada.

Entretanto, dada a inquestionável força do exemplo, cremos deveria ele receber a máxima atenção dos espíritas: na família; na atividade profissional; na seara religiosa e na sociedade, o que representa, isto sim, a maior caridade a ser feita pela Doutrina.

Agindo assim, faremo-nos (re)conhecidos dentro do organismo social por muito nos amarmos; seremos identificados na coletividade como praticantes da verdade, da honestidade, da honradez, da lisura no falar e, principalmente, no agir, ou seja, fiéis cumpridores da lei de justiça, de amor e de caridade. Dessa forma nos tornaremos divulgadores vivos da Doutrina onde estivermos, verdadeiros propagandistas dos princípios do Espiritismo, atraindo todos os desejosos dos bons exemplos; dos homens íntegros; dos seguidores e praticantes da ética e da moralidade, tão escassos em nossa sociedade moderna. Em poucas palavras: dos homens de bem.

Rogério Miguez


www.agendaespiritabrasil.com.br

Deixe seu Comentário


Leonilda - 29/10/2020 14h31
Excelente e muito importante esta explicação!