A resposta para a pergunta “O Espiritismo é uma religião?” apresentada por Allan Kardec na obra “Revista Espírita” de dezembro de 1868 é dupla: SIM e NÃO. E para isso precisamos primeiro entender o que é o Espiritismo.

Na obra “O que é o Espiritismo?” de Allan Kardec, o Espiritismo é definido da seguinte maneira: “O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática ele consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os Espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que dimanam dessas mesmas relações.”

No sentido usual da palavra “religião“, uma doutrina não pode ser ao mesmo tempo uma ciência e uma “religião“. Isso só é possível se tomarmos a palavra “religião” no sentido filosófico.

Ficou confuso? Vamos explicar:

A palavra “religião” como toda a palavra sofre daquilo que os especialistas chamam de polissemia* ou variedade de sentidos ou significados.

Há dois tipos principais de polissemia, a polissemia assimétrica e a simétrica:

A polissemia assimétrica acontece quando uma palavra, embora tendo muitos significados, tem um significado DOMINANTE. É o caso da palavra “religião”, que no seu sentido usual está associada a um conjunto de cultos, práticas exteriores de adoração, princípios absolutos em matéria de fé (dogmas), rituais, casta sacerdotal, cerimônias, privilégios e misticismo por exemplo.

Já na polissemia simétrica, uma palavra tem vários significados mas que todos eles são igualmente utilizáveis. Um bom exemplo de uma palavra simétrica é a palavra “cabo”. Para saber o que significa a palavra “cabo” terá que olhar os diversos contextos onde essa palavra se apresenta, isto porque não existe na palavra “cabo” um sentido usual, dominante, por exemplo: tanto pode ser um “cabo” de uma panela quanto um “cabo” de um fio, um “cabo” de uma vassoura e até mesmo um “cabo” (militar) do exército.

Allan Kardec, na obra Revista Espírita de dezembro de 1868, vai responder a seguinte pergunta:

É o Espiritismo uma Religião?

A resposta, para resumir o artigo apresentado por Kardec, é dupla.

No sentido usual da palavra, como uma doutrina com rituais, dogmas, casta sacerdotal, cerimônias, privilégios, misticismo e práticas exteriores de adoração, o Espiritismo NÃO é uma religião.

Mas no sentido filosófico, de comunhão de pensamentos e sentimentos, que liga os homens, pode-se dizer que SIM, o Espiritismo é uma religião. Apenas neste sentido filosófico, de laço, que une os homens. O laço proposto por Allan Kardec, que deve unir todos os espíritas é o laço da caridade. A caridade é esse laço que nos une num sentimento de amor e de respeito por todas as criaturas.

No sentido usual da palavra “religião”, uma doutrina não pode ser ao mesmo tempo uma ciência e uma “religião” porque uma ciência não tem dogmas, não tem práticas exteriores de adoração, já uma “religião” do sentido usual possui.

Assim, o Espiritismo pode utilizar a palavra “religião”, desde que a considere apenas no sentido filosófico, de um laço que une todos os homens, um laço de sentimento, de amor, de fraternidade, que é o laço da caridade.

Separamos abaixo um trecho na Revista Espírita em que Allan Kardec vai responder a pergunta:

Então o Espiritismo é uma religião?

“Ora, sim, sem dúvida, senhores; no sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e nós nos glorificamos por isto, porque é a doutrina que funda os laços da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre as mais sólidas bases: as próprias leis da Natureza.”

“Por que, então, temos declarado que o Espiritismo não é uma religião? Porque não há uma palavra para exprimir duas ideias diferentes, e porque, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da ideia de culto; porque ela desperta exclusivamente uma ideia de forma, que o Espiritismo não tem. Se o Espiritismo se dissesse religião, o público não veria aí senão uma nova edição, uma variante, se quiserem, dos princípios absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com seu cortejo de hierarquias, de cerimônias e de privilégios; ele não o separaria das ideias de misticismo e dos abusos contra os quais tantas vezes a opinião pública se levantou.”

“Não tendo o Espiritismo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual do vocábulo, não podia nem devia enfeitar-se com um título sobre cujo valor as pessoas inevitavelmente ter-se-iam equivocado. Eis por que simplesmente se diz: doutrina filosófica e moral.”