Sem Pestalozzi, não teria existido Kardec. Parece exagero? Então, vamos aos fatos: nascido na cidade de Lyon, em 1804, e batizado com o nome de Hippolyte Léon Denizard Rivail, Allan Kardec foi um educador com extensa produção teórico-científica. Até a idade de 50 anos nada indicava que viria a ser o fundador de uma nova concepção espiritualista. Para seus contemporâneos, era ainda o professor Rivail, tendo desenvolvido notável trajetória como pedagogo e contribuído para a reforma e aperfeiçoamento da educação pública na França. Suas concepções pedagógicas podem ser consideradas avançadas para a época, e mesmo para os dias de hoje. Na verdade, Rivail não tivera uma formação qualquer: ainda adolescente, fora mandado estudar no instituto existente na localidade suíça de Yverdon, fundado pelo mais original educador da Europa, Johann Heinrich Pestalozzi.

O método de Pestalozzi

Uma das melhores fontes de informação sobre Pestalozzi são os escritos de Wilhelm Heinrich Ackermann, um jovem professor alemão que, aos 22 anos, resolveu conhecer o método praticado em Yverdon. Lá permanece por dois anos, junto ao mestre, a quem descreve como um “senhor idoso mas cheio de ideias inspiradas”, ao lado de quem era possível aprender o tempo todo. Anos mais tarde, Ackermann assim sintetizou o método de Pestalozzi:

O ensino ali era essencialmente heurístico, isto é, o aluno é conduzido a descobrir por si mesmo, tanto quanto possível por seu esforço pessoal, as coisas que estão ao alcance de sua inteligência, em vez de elas lhe serem ministradas dogmaticamente pelo método catequético.

Em outras palavras: Pestalozzi rejeitava por completo a concepção, em voga na época, de que a mente do aluno era uma espécie de folha em branco que precisava ser preenchida com a sapiência do professor. Em vez de aulas expositivas, preferia a experiência direta, em que o estudante poderia ter contato com elementos do cotidiano e com problemas reais. Muitas atividades se davam ao ar livre, em contato com a natureza, e nelas Pestalozzi assumia um papel de estimulador, provocando os jovens a encontrarem sozinhos as respostas para as questões que a curiosidade do grupo ia colocando: “Por que as folhas das árvores caem no outono? Por que chove? Para que servem as raízes e o caule das plantas?”

Influência na educação moderna

Esta concepção da relação ensino-aprendizagem baseada no savoir-faire (saber & fazer) é a inspiração longínqua de algumas das mais modernas teorias educacionais contemporâneas. Em Pestalozzi já vemos as sementes do construtivismo social de Vigotsky, da contribuição de Maria Montessori para a educação infantil e mesmo de propostas tão recentes que ainda não foram absorvidas pela comunidade acadêmica, como a sala de aula invertida (flipped classroom), que continua enfrentando resistência dos professores mais conservadores.

Para Pestalozzi, o fim último da educação estava relacionado ao desenvolvimento moral. O objetivo era contribuir para a formação de seres humanos plenos, com autonomia intelectual para compreender o mundo e capacidade de utilizar a razão para realizar escolhas fundamentadas na ética das relações e no bem estar coletivo. Esses conceitos calaram fundo na mente de Rivail e mais tarde tiveram forte influência na elaboração dos postulados do Espiritismo. Não é difícil ver a influência de Pestalozzi no conceito de fé raciocinada, assim como na rejeição de qualquer dogma religioso que não pudesse sustentar-se quando submetido ao crivo da razão. A aprendizagem pela troca e pelo compartilhamento de experiências também tem o DNA do mestre de Yverdon.

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