Arnaldo era um famoso fisioterapeuta. Com seus exercícios, é fato, alguns deles dolorosos na execução, trazia alívio aos seus pacientes para os problemas da época moderna, em especial, as famosas dores de coluna. As mãos mágicas de Arnaldo eram procuradas por idosos, e este, pacientemente, inclusive fins de semana e feriados, alongava e tratava de seus pacientes, que após o sofrimento para colocar tudo no lugar, se sentiam bem melhor.
Frequentador da reunião mediúnica da casa espírita, Arnaldo certa vez teve uma revelação, na qual os mentores da casa lhe disseram que ele tinha sido um exímio torturador, passando pela inquisição, pela escravidão e ainda, pelos regimes ditatoriais, produzindo sofrimento às pessoas para interrogá-las, ou apenas por prazer. Mas se sentiam muito felizes os mentores da casa por verificar que as suas habilidades de lidar com os corpos encarnados haviam encontrado uma forma de auxiliar aos mais necessitados.
Chocado com essa revelação, Arnaldo volta para casa cabisbaixo, de consciência pesada, pensando se depois de tanto mal feito, se ele não deveria ser castigado. Na lotação sacudindo até a sua humilde residência, ele abre aleatoriamente “O Evangelho segundo o Espiritismo”, Cap. VII, Item 10: “(...) Ele não deixa ao abandono aqueles de seus filhos que se acham perdidos, porquanto sabe que cedo ou tarde os olhos se lhes abrirão. Quer, porém, que isso se dê de moto-próprio, quando, vencidos pelos tormentos da incredulidade, eles venham de si mesmos lançar-se-lhe nos braços e pedir-lhe perdão, quais filhos pródigos”.
Entende então o nosso estimado Arnaldo que a reencarnação é uma oportunidade de reconstrução, e não um castigo. Que as ideias de pagar, de uma contabilidade divina radical, e outras coisas que ouvimos por aí, são resquícios de um Deus impiedoso, dos exércitos, que se compraz com sacrifícios, ideia que já foi abandonada pela visão teológica trazida por Jesus faz dois mil anos, reforçada pelo Espiritismo, mas que insistimos em trazer, pela dureza de nossos corações.
No Espiritismo, aprendemos que a Lei é de amor. O reencarnar é a oportunidade de refazer. Uma empreitada de sucesso, e não um projeto fadado ao sofrimento, à feição de um purgatório cristão. A visão espírita não é só libertadora, mas também uma abordagem promotora do amor, da fraternidade entre os homens, para que todos se auxiliem mutuamente na tarefa de crescer espiritualmente nesta encarnação, contrariando uma visão determinista da reencarnação, de castas, de isolamento.
Na lógica da reencarnação, aquele mais vil Espírito, cruel e desumano, tem as suas múltiplas chances de reconstrução, pelo amor desse pai retratado pela enigmática parábola do Filho pródigo, até hoje incompreendida, por trazer uma visão transcendente da justiça, na qual todos podem (e precisam) se regenerar. E que não temos inimigos, apenas irmãos.
Por fim, já que se falou de castas, o texto atual termina relembrando uma figura histórica, o imperador indiano da dinastia Máuria, chamado de Asoka (304 a.C.-232 a.C.), conhecido por sua sede insaciável por guerras, o que lhe deu a alcunha de “O terrível”. Após a invasão de Kalinga, na qual o exército por ele comandado matou cerca de 100 000 pessoas, por volta de 260 a.C., ao ver o resultado de sua destruição, ele se converte ao Budismo e muda toda a sua forma de proceder, fazendo um governo com avanços sociais invejados até hoje.
Na dança das reencarnações, a revolução que se espera é a mudança de atitudes íntimas, uma coisa complexa, e que demanda muito do espírito encarnado. Assim, a reencarnação é uma oportunidade, uma escada de subida, e não um buraco escuro e úmido de sofrimento. Uma visão sintonizada ao conceito de Deus que propagamos, mas que temos grande dificuldade de interiorizar.
Autor: Marcus Vinicius de Azevedo Braga
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