Waldehir Bezerra de Almeida
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A vida e os feitos de Jesus têm como fontes primárias apenas os três Evangelhos sinópticos mais o Evangelho de João, já que o conteúdo dos evangelhos apócrifos não tem sido digno de crédito.
Dada a importância de Jesus para a Humanidade, os estudiosos têm buscado não somente a melhor compreensão e justa aplicação dos ensinamentos do Rabi da Galileia, mas, também, os verdadeiros dados de sua identidade. Entre muitas preocupações legítimas dos cientistas do Novo Testamento, estão as verdadeiras circunstâncias do nascimento do Messias, o local e a data.
Alguns acadêmicos afirmam que as narrativas de Mateus e de Lucas são não-históricas e contraditórias. Outros estudiosos cristãos asseguram que não há contradição entre os documentos, embora se diferenciem, em alguns passos, na forma, destacando as similaridades entre os relatos.
Finalmente, há os que entendem que a discussão sobre a historicidade dos Evangelhos é secundária e argumentam que eles foram escritos como documentos teológicos e não como cronologias históricas. Parece-nos que o Senhor da Vinha fez questão de não precisar a hora, dia e local da sua chegada ao nosso planeta. Um gesto consonante com sua magnanimidade, pois, vindo do Esplendor da Luz, deveria apagar-se para não nos ofuscar com o seu brilho divinal.
Belém ou Nazaré da Galileia?
Mateus (2:1) e Lucas (2:1 a 7) concordam plenamente que Jesus nasceu em Belém. As diferenças de seus relatos estão na forma e não na essência.
Todos os estudiosos admitem ser o terceiro Evangelho o mais completo e mais bem organizado. O escritor Carlos Pastorino ensina que Lucas escreveu seu Evangelho “[…] entre 66 e 70”, e que “Todo o plano de sua obra é organizado, demonstrando hábito de estudo e leitura e de pesquisa”;¹ grifo nosso.
Nazaré era o nome da cidade ou vila da Galileia em que Jesus passou a maior parte de sua vida; pátria de Maria e José, cidade onde nasceram, e o cenário da anunciação (Lucas, 1:26) de onde Maria e José foram para Belém, para atender ao recenseamento.²
O terceiro evangelista, que era grego e formado em Medicina, não foi discípulo direto de Jesus. Seu contato com o Cristianismo se deu após conhecer o Apóstolo Paulo de Tarso, conforme nos revela o Espírito Emmanuel na sua autobiografia Há dois mil anos, psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier e publicada pela FEB Editora. Lucas consultou Maria e explorou suas lembranças (Lucas, 2:19), e, talvez por isso e pelas suas pesquisas, é quem oferece a mais completa biografia do Redentor.
Mas há quem ainda divirja a respeito. Ernest Renan,³ por exemplo, autor do clássico Vida de Jesus, contraria Mateus e Lucas, assegurando que a pátria do Mestre é a cidade de Nazaré, embora ela não seja mencionada nos escritos do Velho Testamento, nem no Talmude, nem por Flavius Josefo.
Eis, portanto, o relato de Lucas, 2:1 a 7:
E sucedeu que, naqueles dias, expediu-se um decreto da parte de César Augusto para que toda terra habitada se registrasse. Esse censo foi anterior ao que ocorreu quando Quirino governava a Síria. […] José também subiu de Nazaré, na Galileia, à cidade de Davi, que se chama Belém, na Judeia, por ser da casa e da pátria de Davi, a fim de registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. Enquanto estavam lá, completaram-se os dias para o parto. E ela deu à luz seu filho primogênito, enfaixou-o, deitou-o na manjedoura, porque não havia lugar para eles na sala de hóspedes⁴ (Cf. com Mateus, 1:18 a 25).
Podemos concluir os nossos comentários sobre onde nasceu o menino Jesus, com a revelação do Espírito Amélia Rodrigues, quando assim se pronuncia:
Modesta e significativa, a aldeia de Belém de Judá deveria receber Aquele que é a luz do mundo, e que viria à Terra para que todos tivessem vida e a possuíssem em abundância.⁵
Quando nasceu Jesus?
Segundo Lucas (2:1), Jesus nasceu durante o império de Augusto, por volta do ano 750 da fundação de Roma, que corresponde, sabemos hoje, ao ano 4 a.C. Isto porque um erro de cálculo de Dionísio, o Jovem, no século VI, fez coincidir o nascimento de Nazareno com o ano 754 de Roma. Logo, fazendo-se o cálculo, Ele nasceu no ano 747–748 da fundação de Roma, isto é, seis a sete anos antes da data estabelecida por Dionísio.
John L. Mckenzie, no seu Dicionário bíblico conclui que não se pode calcular com segurança a data do nascimento de Jesus, sendo, no entanto, o mais provável que Ele tenha vivido entre a morte de Herodes – 4 a.C. – e o ano 30 d.C. Não sendo o nosso propósito ampliar essa discussão, passemos a considerar o nascimento do Senhor em nossas almas.
Nascimento de Jesus em nós
Não basta alimentar o nosso intelecto com o saber onde e quando nasceu Jesus historicamente; é necessário, para a nossa evolução espiritual, que Ele nasça em cada um de nós verdadeiramente. Há dois mil anos o Mestre vem nascendo em almas empedernidas, em momentos de sublime redenção. Para ilustrar esses momentos, escolhemos alguns personagens de romances históricos, ditados pelo Espírito Emmanuel. Personalidades, umas conhecidas historicamente, outras não, que se negaram por muito tempo a abrir a janela da alma para a entrada da luz do Nazareno; Espíritos que recalcitraram ao aguilhão e lutaram contra a mensagem de consolo e renovação da Humanidade, trazida pelo Arauto Divino.
Destaquemos algumas:
Paulo de Tarso
Fariseu fanático, de nome Saulo, obstinado perseguidor de cristãos, fez de tudo para impedir a propagação do Cristianismo nascente. Defendia com honestidade as leis mosaicas, mas usou de crueldade com os cristãos, sendo o responsável pelo apedrejamento de Estêvão, o primeiro mártir do Cristianismo, pela devassa de muitos lares em Jerusalém, mortes e emigração de centenas de judeus convertidos à doutrina do Crucificado.
No auge da sua perseguição Saulo, a caminho de Damasco, na intenção de prender o velho Ananias, montado em seu corcel, sente-se envolvido por luzes diferentes da tonalidade solar. Confuso, pede socorro aos seus soldados, mas, conturbado, tomba do animal e “[…] vê surgir a figura de um homem de majestática beleza […]”, que lhe fala “[…] – Saulo!… Saulo!… por que me persegues?”. Saulo com voz trêmula interroga: “– Quem sois vós, Senhor?” “[…] Eu sou Jesus!…”, responde-lhe a voz. E o perseguidor curva-se para o solo e pergunta, intimorato como sempre fora: “Senhor, que quereis que eu faça?”.⁶
A partir de então, surgiu um novo homem que ficaria conhecido como Paulo de Tarso, o Apóstolo dos Gentios, porque pregou o Evangelho para todas as gentes, no Oriente e no Ocidente, para ricos e pobres, governantes e governados.
Se perguntarmos a Paulo de Tarso quando e onde nasceu Jesus, talvez responda que foi no ano 36, na estrada de Damasco.
Publio Lentulus
O nobre senador romano, extremamente orgulhoso e tenaz conservador das tradições religiosas do seu povo, recebeu o chamamento de Jesus por diversas vezes. A primeira, às margens do lago Genesaré, quando fora ao seu encontro, na esperança de obter a cura para sua filha Flávia, acometida de lepra. A menina foi curada, mas o insensível Lentulus não se rendeu ao poder amoroso do Cristo. Após perder sua esposa Lívia, sacrificada na arena, juntamente com outros cristãos, é que o nobre Tribuno abdicou do seu orgulho, de suas tradições e voltou-se para a luz:
– Jesus de Nazaré! – disse com voz súplice e dolorosa – foi preciso perdesse eu o melhor e mais querido de todos os meus tesouros, para recordar a concisão e a doçura de tuas palavras!… Não sei compreender a tua cruz e ainda não sei aceitar a tua humildade dentro da minha sinceridade de homem, mas, se podes ver a enormidade de minhas chagas, vem socorrer, ainda uma vez, meu coração miserável e infeliz!…⁷
Para o senador Publio Lentulus, Jesus nasceu no ano 64, em Roma, no momento mais doloroso daquela sua existência.
Helvídio Lucius
Patrício romano honesto e de muitas virtudes, mas igualmente orgulhoso e preso às tradições pagãs da sua raça, era impenetrável às ideias do Evangelho. Em razão de sua aversão ao Cristo, cometeu uma terrível injustiça com sua filha Célia, jovem cristã, que assumiu as consequências de uma trama contra sua mãe, buscando, assim, salvaguardar a honra da família. Depois de expulsar a filha de casa, sem buscar compreender as razões do seu sacrifício, Helvídio passou a viver no inferno que construiu. Passados os anos, ao saber da verdade sobre a filha e ficar viúvo, entrou em desespero total e se isolou no sofrimento.
Certo dia, mais uma vez, Jesus lhe faz o chamamento: Helvídio recebe a visita de um amigo que o convida para assistir a uma reunião cristã. Àquela altura da vida, desejoso de encontrar uma saída que o levasse à luz, recebeu o convite de um amigo para assistir à pregação da Boa-Nova.
À hora convencionada, demandaram o local das assembleias humildes, onde, pela primeira vez, Helvídio Lucius ouviu a leitura do Evangelho e os comentários singelos dos cristãos. […] apesar de não lhe sentir as lições inteiramente, admirava o profeta simples e amoroso, que abençoava os pobres e os aflitos do mundo, prometendo um Reino de luz e de amor, para além das ingratas competições da Terra.⁸
Se interrogado, diria Helvídio Lucius que Jesus nasceu para ele no ano 146, próximo à Porta Ápia, no lar humilde de um pregador do Evangelho, em Roma.
Taciano Varro
Patrício romano e próspero comerciante, durante toda sua existência foi implacável combatente do Cristianismo. Devoto fanático da deusa Cíbele, mãe dos demais deuses romanos, Taciano sempre se rendeu ao orgulho e à força das tradições mitológicas do seu povo. Em razão do seu ódio contra o Cristo, cometeu terríveis atrocidades e injustiças, chegando mesmo a cooperar com o sacrifício do seu próprio pai, Quinto Varro. A partir de certo momento, sua vida passou a ser um pesadelo. Abandonado pelos amigos e lutando pela subsistência, sofreu um acidente em corrida de bigas e ficou cego. A partir de então, passou a ser amparado pelo filho adotivo Quinto Celso, que era cristão. Após dolorosos reveses, foi levado à arena, tido como cristão, pois estava em companhia de Celso.
Cego e ao lado de Quinto Celso, amarrado a um poste para servir de tocha humana, o orgulhoso romano, em meio aos gritos selvagens dos espectadores abriu a janela do seu coração:
– Meu filho! Meu filho!… – soluçava Taciano, feliz, tateando o corpo de Celso, cujas mãos de carne não mais poderiam acariciá-lo – eu senti o poder de Cristo em mim!… Agora, eu também sou cristão!…⁹
Sem dúvida, o patrício Taciano jamais esquecerá aquele momento redentor de sua vida, quando Jesus nasceu para ele, no ano 258, no Anfiteatro Flaviano, em Roma.
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Jesus Cristo é como o Sol: nasce todos os dias. Para recebermos sua luz e seu calor amoroso resta-nos, apenas, abrir a janela da alma. No passado, muitos de nós impedimos que nossos corações se transformassem em manjedouras e dilapidamos os seus ensinamentos. Permitir que sejamos a manjedoura do Cristo é ter a certeza de que Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida; é sentir que Ele está no comando de nossas vidas; que é o Irmão Maior, que nos tutela e nos ama incondicionalmente. Muitos de nós demoramos quase dois mil anos para atingir esse estágio e abrir a janela da alma e nos aquecermos com o calor amoroso de Jesus; outros nem conseguiram ainda, mas todos, sem exceção, chegaremos lá.
Quando acontece esse momento em cada um de nós, dá-se o verdadeiro Natal do Sublime Peregrino em nós. Que emoção, que maravilha esse momento sublime! Que não seja somente no Natal de cada mês de dezembro!
REFERÊNCIAS:
¹ PASTORINO, Carlos T. Sabedoria do evangelho . Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1964. Os textos , it. Os Evangelistas.
² MCKENZIE, John L. Dicionário bíblico . Trad. Álvaro Cunha et al. 1. ed. em português. São Paulo: Edições Paulinas, 1983. Termo “Nazaré.”
³ RENAN, Ernest. Vida de Jesus (Origens do Cristianismo). Trad. Eliana Maria de A. Martins. São Paulo: Editora Martins Claret Ltda. 2004. cap. 2 – Infância e juventude de Jesus. Suas primeiras impressões.
⁴ DIAS, Haroldo D. (Trad.). O novo testamento . 1. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016.
⁵ FRANCO, Divaldo P. Vivendo com Jesus . Pelo Espírito Amélia Rodrigues. 2. ed. Salvador: LEAL, 2013. Vivendo com Jesus [Introdução].
⁶ XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão . Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 1, cap. 10 – No caminho de Damasco.
⁷ ______. Há dois mil anos . Pelo Espírito Emmanuel. 49. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. 5 – Nas catacumbas da fé e no circo do martírio.
⁸ ______. Cinquenta anos depois . Pelo Espírito Emmanuel. 34. ed. 5. imp.
Brasília: FEB. 2017. Pt. 2, cap. 5 – O caminho expiatório.
⁹ ______. Ave, Cristo! Pelo Espírito Emmanuel. 24. ed. 8. imp. Brasília: FEB, 2016. Pt. 2, cap. 7 – Fim de luta.