Habitualmente, consideramos
o arrependimento e a expiação como consequências do mal praticado, que origina
o sofrimento. Mas, por que realmente sofremos? Os benfeitores do
espaço ensinam que “o sofrimento
é inerente à imperfeição”, sofrimento esse que ocorre tanto no
mundo corporal quanto no mundo espiritual. Infere-se daí que o
mal e o sofrimento estão intimamente relacionados à imperfeição,
que denota ignorância em seu sentido mais amplo.
Criados simples e ignorantes, os
Espíritos necessitam da experiência na carne, onde, pela ação da
matéria e sob a forja das infinitas
experiências, desenvolvem suas
potencialidades armazenadas em
gérmen no âmago de cada um.
Não sem razão, ensinam os mentores do espaço que, para chegar
ao bem, os Espíritos passam “não
pela fieira do mal, mas pela da ignorância”. Enfim, tanto o mal como o sofrimento decorrem da infração das leis divinas pelo homem, que deve exercitar seu
livre-arbítrio, por meio do qual
aprende a ser responsável e a discernir o certo do errado, colhendo
de seus próprios atos, de acordo
com a lei do merecimento, os benefícios e os ônus de seus acertos
e de seus erros.
Na sociedade são mais numerosas as classes sofredoras do que
as felizes, e isso decorre do fato
de que a Terra é um orbe de expiação e provas, das quais o homem se libertará “quando a houver transformado em morada do
bem e de Espíritos bons”. Quase sempre, o homem é o
próprio causador de seus sofrimentos materiais e morais, sobretudo
destes últimos, que são as torturas
da alma. O arrependimento constitui o pesar por alguma falta cometida, o qual se confunde com o
remorso, estado de consciência em
que o Espírito começa a se questionar sobre a própria atitude.
O arrependimento autêntico é
aquele em que a criatura, encontrando-se em abatimento moral,
admite o próprio erro e se propõe
sinceramente a modificar o comportamento. Todavia, como se verá, o arrependimento não basta
por si mesmo.
Muito embora o
arrependimento
também ocorra no
estado corpóreo, se
o Espírito já consegue distinguir o
bem do mal, é após
a morte física que
ele se dá, com maior
intensidade. É quando, livre dos grilhões
da carne, percebe
mais nitidamente a
situação em que se
encontra pela perscrutação dos próprios atos, recapitulados em sua
tela mental, como se fossem um
filme da própria vida, momento
em que passa a compreender melhor as imperfeições que atrapalham sua felicidade.
A consequência do arrependimento do Espírito, no estado de
desencarnado, é o desejo ardente
de uma nova existência física para
se depurar, na qual terá, sob a capa
do esquecimento, a oportunidade
de expiar e reparar suas faltas, muitas vezes junto daqueles a quem prejudicou. Já o arrependimento do
ser, no estado corpóreo, desperta
o desejo de iniciar uma nova vida,
de aproveitar o tempo perdido
para o resgate das faltas.
A redenção espiritual é uma fatalidade para as criaturas, em virtude
da lei do progresso. Quem for mau
hoje, será bom amanhã; quem for
bom hoje, será melhor ainda depois. Todavia, essa redenção, além
de ocorrer de forma gradual, não
acontece do mesmo modo e no
mesmo tempo, em virtude da diversidade do progresso de cada um.
Essa é a razão pela qual o arrependimento nem sempre sucede de
pronto, sobretudo em Espíritos endurecidos. Um dia, entediados de
fazer o mal, eles próprios desejarão modificar sua situação.
Deus nos concede inúmeras
oportunidades de progresso, mas
nem sempre estamos dispostos a
atender a esses apelos de amor que
chegam do Alto. Como a lei do progresso não se compadece com a
estagnação, os que permanecerem
estacionados, mesmo que não façam o mal, serão compelidos a
adiantar-se pelo aguilhão da dor. Daí ser um erro acreditar que a
reencarnação constitua um estímulo ao adiamento da renovação
moral do Espírito, porque “quanto mais nos demorarmos na reparação de uma falta, tanto mais penosas e rigorosas serão, no futuro,
as suas consequências”. O arrependimento, porém, constitui apenas o primeiro passo. Ele
atenua as dores da expiação, acordando a esperança no caminho da
reabilitação. Portanto, para apagar os vestígios de uma falta e suas
consequências, é necessário um
ciclo completo: arrependimento,
expiação e reparação.
Após a desencarnação, o Espírito
continua a ser o que é, com seus
defeitos e suas virtudes. Não se
purifica pelo simples fato de ter
desencarnado. As preces dirigidas
a ele só têm efeito quando se arrepende do mal cometido. Até que se
ache esclarecido pelo estudo e pela
reflexão, continuará experimentando os efeitos de sua rebeldia.
Já a expiação “consiste nos sofrimentos físicos e morais que lhe são
consequentes, seja na vida atual, seja na vida espiritual após a morte,
ou ainda em nova existência corporal”. Pela expiação, sobretudo aquela ocorrida na existência corpórea,
o Espírito experimenta o que fez o
outro padecer, método pedagógico,
geralmente escolhido pelo próprio
infrator no mundo espiritual antes
de encarnar, que o faz compreender
como é a dor do outro, para que
não incida mais no mesmo erro: É na vida corpórea que o
Espírito repara o mal de anteriores existências, pondo em
prática resoluções tomadas na
vida espiritual. Assim se explicam as misérias e vicissitudes
mundanas que, à primeira vista, parecem não ter razão de ser.
Justas são elas, no entanto, como espólio do passado – herança que serve à nossa romagem
para a perfectibilidade. Por isso, a expiação não deve ser
considerada um castigo, na acepção tradicional do termo, mas uma
oportunidade de crescimento e de
autossuperação diante das provas.
Vencidas as etapas do arrependimento e da expiação, resta ao
Espírito o passo final a ser dado: a
reparação do mal cometido, que
“consiste em fazer o bem àqueles
a quem se havia feito o mal”. Nunca é demais lembrar que
os Espíritos em evolução, entre os
quais nos incluímos, não estão
sós nessa jornada. Todos recebemos
o amparo dos protetores espirituais
que trabalham incessantemente
para nos auxiliar no soerguimento
moral sem, entretanto, interferir
em nosso livre-arbítrio, pois “o Espírito deve progredir por impulso
da própria vontade, nunca por qualquer sujeição”. A reencarnação é mecanismo
eficiente das leis divinas que permite ao Espírito em evolução a reparação do mal cometido, em circunstâncias adequadas às suas reais
necessidades, diante de provas a serem vencidas. Muitos males podem
ser reparados na mesma existência
física. Outros, porém, pela sua intensidade e gravidade, somente
podem ser corrigidos no curso de
duas ou mais encarnações e, às vezes, apenas no curso dos milênios,
numa espécie de moratória concedida ao infrator. Ou seja, o Criador
“sempre deixa aos filhos uma porta aberta ao arrependimento”.10
Intrigado com essa questão,
Kardec perguntou aos instrutores
da vida maior se podemos, já na
existência atual, resgatar nossas
faltas, oportunidade em que eles
responderam, positivamente, ressalvando:
Sim, reparando-as. Mas não
creiais em resgatá-las por meio
de algumas privações pueris, ou
mediante doações póstumas,
quando de nada mais precisais.
Deus não leva em conta um arrependimento estéril, sempre fácil
e que apenas custa o esforço de
bater no peito. A perda de um
dedo mínimo, quando se esteja
prestando um serviço, apaga
mais faltas do que o suplício da
carne suportado durante anos,
sem outro objetivo senão o bem
de si mesmo.
Só por meio do bem se repara o
mal e a reparação não apresenta
nenhum mérito se não atinge o
homem no seu orgulho, nem nos
seus interesses materiais. Os desafios da existência física
são um convite permanente ao exercício do bem, que consiste na prática da caridade segundo o entendia Jesus: “Benevolência para com
todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas”. Tomando como propósito de
vida tal recomendação, estaremos
impulsionando o nosso progresso
espiritual, de forma perene e segura, sem as algemas das ilusões terrenas, com a certeza de que nunca
é tarde para recomeçar a construção de um novo futuro, sem arrependimentos e expiações!
Referências:
KARDEC, Allan. O céu e o inferno. Trad.
Manuel Quintão. 60. ed. 3. reimp. Rio de
Janeiro: FEB, 2012. Pt. 1, cap. 7, it. 33.
O livro dos espíritos. Trad.
Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp.
Rio de Janeiro: FEB, 2011. Q. 120. Q. 931.Q. 995.
O céu e o inferno. Trad. Manuel
Quintão. 60. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro:
FEB, 2012. Pt. 1, cap. 7, it. 27. It. 17. It. 31.
O livro dos espíritos. Trad.
Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp.
Matéria publicada na revista Reformador • Janeiro 2013