O dia 17 de junho de 2020 se revestiu de homenagens ao português, nascido em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal, em 19 de julho de 1885: Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches.
O Papa Francisco assim o lembrou: Decorre hoje a Jornada da Consciência, inspirada no testemunho do diplomata português Aristides de Sousa Mendes, o qual, há oitenta anos, decidiu seguir a voz da consciência e salvou a vida de milhares de judeus e outros perseguidos.
Aristides, denominado Herói sem capa pela National Geographic, mudou-se para Lisboa, em 1907, após formar-se em Direito pela Universidade de Coimbra. Em 1909, casou-se com sua prima Maria Angelina Ribeiro de Abranches Coelho, com quem teve catorze filhos.
Na carreira diplomática, trabalhou em países como Zanzibar, Guiana Britânica, Brasil, Estados Unidos. Sua atuação não passou despercebida pelo rei Leopoldo II da Bélgica que o condecorou como oficial da Ordem de Leopoldo II e, mais tarde, Comendador da Ordem da Coroa, a mais alta condecoração belga.
Aristides sempre teve forte viés político. Monárquico e nacionalista, nem sempre seguia regras e protocolos, o que o colocou, algumas vezes, em situações complicadas. Foi, no entanto, essa característica, aliada a um coração generoso, que o fez tomar atitudes que salvaram muitas vidas.
Na iminência da Segunda Guerra Mundial, ele trabalhava no Consulado português, em Bordeaux, França. Portugal era oficialmente neutro, portanto, começava a ser um destino para os refugiados. Entre maio e junho de 1940, milhares de refugiados compareceram ao Consulado português, em busca de visto que lhes permitisse passagem segura através da Espanha para Lisboa, com a possibilidade de viajarem para outros países.
Entretanto, Antônio de Oliveira Salazar, ditador português, emitiu a Circular 14 a todos os seus diplomatas para negar refúgio, principalmente a judeus, russos e apátridas. O ato de heroísmo de Aristides de Sousa Mendes consistiu em optar por desafiar essas ordens e seguir sua consciência: Se há que desobedecer, prefiro que seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de Deus.
Dessa forma, emitiu milhares de vistos, a ponto do historiador do Holocausto, Yehuda Bauer dizer que essa foi talvez a maior ação de resgate feita por um único indivíduo durante o Holocausto.
Mas, o mundo de Sousa Mendes, em poucos dias, virou de cabeça para baixo. A 14 de junho de 1940, Paris foi ocupada pelas tropas nazistas e o governo francês se transferiu para Bordeaux. Três dias depois, os franceses assinaram a rendição.
Entre 17 e 20 de junho, o diplomata trabalhou, apoiado pelo rabi polonês Chaim Hersz Kruger, emitindo vistos que serviriam para garantir passagem segura para Portugal, e de Portugal para qualquer outro país.
A informação da sua insubordinação chegou a Lisboa e ele teve revogada a sua posição de cônsul. Então, Aristides acompanhou os refugiados até Biriatou (mais de duzentos quilômetros de Bordeaux), fronteira menos conhecida e mais isolada, onde não havia chegado a informação de sua desobediência. Assim, refugiados conseguiram passar pela fronteira até 25 de junho.
Sousa Mendes perdeu o trabalho, perdeu a casa onde residia. Seus filhos foram proibidos de ingressar no ensino superior, ele ficou impedido de conseguir qualquer trabalho. O único apoio que a família teve foi das comunidades judaicas, que ajudaram alguns dos seus filhos a partirem para os Estados Unidos e o Canadá.
Ele desencarnou em 3 de abril de 1954, em situação de pobreza e desgraça, no Hospital Franciscano de Lisboa. Foi enterrado com uma túnica franciscana, por falta de roupas apropriadas.
Pouco antes de morrer, pediu aos filhos que restaurassem a sua e a honra da família. Filhos e netos lutam, há décadas, nesse sentido.
Entre os reconhecimentos e muitas homenagens, em 1966, ele recebeu o título de Justo entre as Nações pelo Estado de Israel. O título é atribuído às pessoas não judias, que deram a sua vida ou liberdade para salvar judeus, durante o Holocausto.
Em 1986 foi condecorado, a título póstumo, com o grau de Oficial da Ordem da Liberdade. O Presidente Mário Soares reabilitou Aristides de Sousa Mendes e sua família recebeu desculpas públicas, dezesseis anos após a morte de Salazar.
Em 1995, recebeu, postumamente, a Grã-Cruz da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo Presidente Mário Soares. A Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses criou um prêmio anual com o seu nome.
No ano em curso, a Assembleia da República aprovou, por unanimidade, uma homenagem a Aristides de Sousa Mendes no Panteão Nacional Português, através de um memorial fúnebre.
Algumas manifestações individuais merecem destaque como a de Marguerite Rollin, que escreveu uma carta onde diz (…) quando todas essas famílias desamparadas esperavam e suplicavam por vistos que salvariam as suas vidas, encontrando apenas portas fechadas, foi Aristides quem, sozinho, abriu as portas do Consulado em Bordeaux.
Sem Aristides de Sousa Mendes, eu não teria vivido os últimos setenta e seis anos, disse Lissy Jarvik, em reportagem da RTP, Refugiados salvos por Aristides de Sousa Mendes, em 2016.
Quanto ao Herói sem Capa, pronunciou-se da seguinte forma: Eu não poderia ter agido de outra maneira e, portanto, aceito tudo o que me aconteceu com amor.
Autora: Mary Ishiyama
Referências:
1.https://www.publico.pt/2020/06/17/sociedade/noticia/papa-destaca-aristides-sousa-mendes-exemplo-liberdade-consciencia-1920856
http://sousamendesfoundation.org/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Aristides_de_Sousa_Mendes