Não raro imaginamos que somente se incrimina alguém na conversação, quando pormenorizamos referências descaridosas e gritantes. Mas a realidade é bem outra.
O cáustico da maledicência, o fogo da calúnia, o miasma do pessimismo e o visco do desânimo, nem sempre exigem verbo sonoro para se darem a conhecer, envenenando a vida.
Quantos crimes são consumados "lavando-se as mãos", usando-se o desprezo mudo, arruinando-se o bem através de ademanes sutis, quando a língua dormita no leito da boca?
Dependendo das circunstâncias e dos lances da frase, os acessórios da palavra dizem, vezes e vezes, muito mais e com maiores efeitos do que toda uma acusação bem urdida.
Analisa os complementos da linguagem falada que te envolvem e te acompanham:
- O silêncio intencional, após a alusão alheia ao valor de outrem.
- A mímica irônica de breves segundos a expressar descortesia.
- O sorriso de cepticismo com respeito aos préstimos dessa ou daquela instituição.
- O rápido muxoxo nos apontamentos em torno de um livro.
- O menear de cabeça, aparentemente inofensivo, a valer por sorrateira condenação.
- O gesto de enfado ou de crítica, relativo à tarefa em pauta.
- A expressão facial interrogativa, mostrando pretendida inocência na consideração de um problema.
- O olhar reticencioso de descrença, quanto à veracidade de um fato.
- O movimento espontâneo de negação, traindo intentes secundários na prestação de informes, supostamente sinceros.
- O simples ar de dúvida depreciativa, no comentário acerca do companheiro.
Enquanto aí estamos, imersos nos fluidos da matéria densa, relacionamos tais atitudes por bagatelas. Entretanto, quando transpomos os portais da morte para renascer no clima da vida verdadeira, reconsiderando os passos vividos, é que atilamos com a extensão de sua importância, em nossos destinos.
Observando os sentimentos que porejam do corpo espiritual, através da aura, reconhecemos que, a rigor, ninguém consegue ocultar intenções, sejam as mais profundas.
Fluidos e vibrações, a dimanarem do ser, falam mais alto que discursos e votos articulados pela língua.
Disciplinemos os complementos de nossa palavra, aplicando-os, quanto possível, em favor do bem de todos.
Vigilância e severidade para nós mesmos, bondade e tolerância para com os outros.
A percuciência da Lei Divina é superior à mais subida perspicácia da mente humana.
Exagerando os erros e os defeitos de alguém, agravamos consequentemente as nossas próprias faltas e imperfeições, pois seremos julgados conforme houvermos julgado o próximo.
Clareemos as manifestações com a luz da indulgência, guardando dentro e fora de nossas almas a lição sempre viva:
“Bem-aventurados os que são misericordiosos, porque obterão misericórdia."
Por Alberto Seabra através de Waldo Vieira no livro Seareiros de Volta.