Estado de natureza


O estado de natureza e a lei natural não são coisas idênticas. O estado de natureza é o estado primitivo. A civilização é incompatível com o estado de natureza, ao passo que a lei natural contribui para o progresso da humanidade.


O estado de natureza é a infância da humanidade e o ponto de partida do seu desenvolvimento intelectual e moral. Sendo perfectível e trazendo em si o gérmen do seu aperfeiçoamento, o homem não foi destinado a viver perpetuamente no estado de natureza, como não o foi a viver eternamente na infância. Aquele estado é transitório para o homem, que sai dele por virtude do progresso e da civilização. A lei natural, ao contrário, rege a humanidade inteira e o homem se melhora à medida que melhor a compreende e pratica.


O homem, no estado de natureza, tem menos necessidades, e se acha  isento das tribulações que para si mesmo cria, quando num estado de maior adiantamento. Alguns consideram aquele estado como o da mais perfeita felicidade na Terra, mas essa felicidade é a felicidade do bruto. Há pessoas que não compreendem outra. É ser feliz à maneira dos animais. 


O homem tem que progredir incessantemente e não pode voltar ao estado de infância. Se progride, é porque Deus assim o quer. Pensar que possa retrogradar à sua primitiva condição seria negar a lei do progresso.


       


Marcha do progresso


O homem se desenvolve por si mesmo, naturalmente. Mas nem todos progridem simultaneamente e do mesmo modo. Dá-se então que os mais adiantados auxiliam o progresso dos outros, por meio do contato social.


O progresso moral decorre do progresso intelectual, mas nem sempre o segue imediatamente.


O progresso intelectual faz compreensível o bem e o mal. O homem, desde então, pode escolher. O desenvolvimento do livre-arbítrio acompanha o da inteligência e aumenta a responsabilidade dos atos.


Muitas vezes vemos serem os povos mais esclarecidos os mais pervertidos. Isso se dá, pois os povos, como os indivíduos, só passo a passo atingem o progresso moral. O progresso completo constitui o objetivo. Enquanto não se tenha  desenvolvido o senso moral, pode mesmo acontecer que se sirvam da inteligência para a prática do mal. O moral e a inteligência são duas forças que só com o tempo chegam a equilibrar-se.


Sendo o progresso uma condição da natureza humana, não está no poder do homem opor-se-lhe. É uma força viva, cuja ação pode ser retardada, porém não anulada, por leis humanas más. Quando estas se tornam incompatíveis com ele, despedaça-as juntamente com os que se esforcem por mantê-las. Assim será, até que o homem tenha posto suas leis em concordância com a justiça divina, que quer que todos participem do bem, que sejam abolidas as leis feitas pelo forte em detrimento do fraco.


Há o progresso regular e lento, que resulta da força das coisas. Quando, porém, um povo não progride tão depressa quanto deveria, Deus o sujeita, de tempos a tempos, a um abalo físico ou moral que o transforma.


O homem não pode conservar-se indefinidamente na ignorância, porque tem de atingir a finalidade que a Providência lhe assinou. Ele se esclarece pela força das coisas. As revoluções morais, como as revoluções sociais, se infiltram nas idéias pouco a pouco; dormitam durante séculos; depois, irrompem subitamente e produzem o desmoronamento do carunchoso edifício do passado, que deixou de estar em harmonia com as necessidades novas e com as novas aspirações.


Nessas comoções, o homem muitas vezes não percebe senão a desordem e a confusão momentâneas que o ferem nos seus interesses materiais. Aquele, porém, que eleva o pensamento acima da sua própria personalidade admira os desígnios da Providência, que do mal faz sair o bem. 


O homem sempre se adianta, pois que melhor compreende o que é mal, e vai dia a dia reprimindo os abusos. Faz-se mister que o mal chegue ao excesso, para tornar compreensível a necessidade do bem e das reformas.


O maior obstáculo ao progresso é o orgulho e o egoísmo. Isso se refere ao progresso moral, porquanto o intelectual se efetua sempre. À primeira vista, parece mesmo que o progresso intelectual duplica a atividade daqueles vícios, desenvolvendo a ambição e o gosto das riquezas, que, a seu turno, incitam o homem a empreender pesquisas que lhe esclarecem o Espírito. Assim é que tudo se prende, no mundo moral, como no mundo físico, e que do próprio mal pode nascer o bem. Porém esse estado de coisas não durará para sempre; mudará à proporção que o homem compreender melhor que, além da que o gozo dos bens terrenos proporciona, uma felicidade existe infinitamente maior e infinitamente mais duradoura.


Há duas espécies de progresso, que uma a outra se prestam mútuo apoio, mas que, no entanto, não marcham lado a lado: o progresso intelectual e o progresso moral. Entre os povos civilizados, o primeiro tem recebido, no correr deste século, todos os incentivos. Por isso mesmo atingiu um grau a que ainda não chegara antes da época atual. Muito falta para que o segundo se ache no mesmo nível. Entretanto, comparando-se os costumes sociais de hoje com os de alguns séculos atrás, só um cego negaria o progresso realizado. Ora, sendo assim, por que haveria essa marcha ascendente de parar, com relação, de preferência, ao moral, do que com relação ao intelectual? Por que será impossível que entre o século dezenove e o vigésimo quarto século haja, a esse respeito, tanta diferença quanta entre o décimo quarto século e o século dezenove? Duvidar seria pretender que a humanidade está no apogeu da perfeição — o que é absurdo —, ou que ela não é perfectível moralmente — o que a experiência desmente.



Referências:

O Livro dos Espíritos - Terceira Parte - Cap. VIII - Allan Kardec.

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