A fatalidade existe unicamente pela escolha que o Espírito fez, ao encarnar, desta ou daquela prova para sofrer. Escolhendo-a, instituiu para si uma espécie de destino, que é a consequência mesma da posição em que vem a achar-se colocado. Falo das provas físicas, pois, pelo que toca às provas morais e às tentações, o Espírito, conservando o livre-arbítrio quanto ao bem e ao mal, é sempre senhor de ceder ou de resistir. Ao vê-lo fraquejar, um Espírito bom pode vir-lhe em auxílio, mas não pode influir sobre ele de maneira a dominar-lhe a vontade. Um Espírito mau, isto é, inferior, mostrando-lhe, exagerando aos seus olhos um perigo físico, o poderá abalar e amedrontar. Nem por isso, entretanto, a vontade do Espírito encarnado deixa de se conservar livre de quaisquer obstáculos.


Há pessoas que parecem perseguidas por uma fatalidade, independente da maneira por que procedem. São, talvez, provas que lhes caibam sofrer e que elas escolheram. Às vezes é apenas consequência de suas próprias faltas.


As idéias exatas ou falsas que fazemos das coisas nos levam a ser bem ou mal sucedidos, de acordo com o nosso caráter e a nossa posição social. Achamos mais simples e menos humilhante para o nosso amor-próprio atribuir antes à sorte ou ao destino os insucessos que experimentamos, do que à nossa própria falta. É certo que para isso contribui algumas vezes a influência dos Espíritos, mas também o é que podemos sempre forrar-nos a essa influência, repelindo as idéias que eles nos sugerem, quando más.


Fatal, no verdadeiro sentido da palavra, só o instante da morte o é. Chegado esse momento, de uma forma ou de outra, a ele não podemos nos furtar.


Assim, qualquer que seja o perigo que nos ameace, se a hora da morte ainda não chegou, não morreremos. Quando, porém, soar a hora da nossa partida, nada poderá impedir que partamos. Deus sabe de antemão de que gênero será a morte do homem e muitas vezes seu Espírito também o sabe, por lhe ter sido isso revelado, quando escolheu tal ou qual existência.


Do fato de ser infalível a hora da morte não serão inúteis as precauções que tomamos para evitá-la, visto que as precauções que tomamos nos são sugeridas com a finalidade de evitarmos a morte que nos ameaça. São um dos meios empregados para que ela não se dê.


O fato da nossa vida ser posta em perigo, constitui um aviso que nós mesmos desejamos, a fim de desviarmos do mal e de nos tornarmos melhores. Se escapamos desse perigo, quando ainda sob a impressão do risco que corremos, cogitamos, mais ou menos seriamente, de nos melhorarmos, conforme seja mais ou menos forte sobre nós a influência dos Espíritos bons. Sobrevindo o mau Espírito (digo mau, subentendendo o mal que ainda existe nele), pensamos que do mesmo modo escaparemos a outros perigos e deixamos que de novo nossas paixões se desencadeiem. Por meio dos perigos que corremos, Deus nos lembra a nossa fraqueza e a fragilidade da nossa existência. Se examinarmos a causa e a natureza do perigo, verificaremos que, quase sempre, suas consequências teriam sido a punição de uma falta cometida ou da negligência no cumprimento de um dever. Deus, por essa forma, exorta o homem a cair em si e a se emendar.


O Espírito  sabe que o gênero de vida que escolheu o expõe mais a morrer desta do que daquela maneira. Sabe igualmente quais as lutas que terá de sustentar para evitá-lo e que, se Deus o permitir, não sucumbirá.


Muito pouco tem o homem o pressentimento do seu fim, como pode ter o de que ainda não morrerá. Esse pressentimento lhe vem dos Espíritos seus protetores, que assim o advertem para que esteja pronto a partir, ou lhe fortalecem a coragem nos momentos em que mais dela necessita. Pode vir-lhe também da intuição que tem da existência que escolheu, ou da missão que aceitou e que sabe ter que cumprir.


Quem teme a morte é o homem, não o Espírito. Aquele que a pressente pensa mais como Espírito do que como homem. Compreende ser ela a sua libertação e espera-a calmamente.


Não creiamos, entretanto, que tudo o que sucede esteja escrito, como costumam dizer. Um acontecimento qualquer pode ser a consequência de um ato que praticamos por nossa livre vontade, de tal sorte que, se não o tivéssemos praticado, o acontecimento não se teria dado. Imagina que queimemos o dedo. Isso nada mais é senão resultado da nossa imprudência e efeito da matéria. Só as grandes dores, os fatos importantes e capazes de influir na moral, Deus os prevê, porque são úteis à nossa depuração e à nossa instrução.


O homem pode, pela sua vontade e por seus atos, fazer que não se deem acontecimentos que deveriam verificar-se, se essa aparente mudança na ordem dos fatos tiver cabimento na sequência da vida que ele escolheu. Acresce que, para fazer o bem, como lhe cumpre, pois que isso constitui o objetivo único da vida, facultado lhe é impedir o mal, sobretudo aquele que possa concorrer para a produção de um mal maior.


Escolhendo uma vida de lutas, por exemplo, o Espírito sabe que terá ensejo de matar um de seus semelhantes, mas não sabe se o fará, visto que ao crime precederá quase sempre, de sua parte, a deliberação de praticá-lo. Aquele que delibera sobre uma coisa é sempre livre de fazê-la, ou não. Se soubesse previamente que, como homem, teria que cometer um crime, o Espírito estaria, a isso, predestinado. Devemos saber, porém, que ninguém está predestinado ao crime e que todo crime, como qualquer outro ato, resulta sempre da vontade e do livre-arbítrio.


Quando algumas pessoas nunca obtêm bom êxito em coisa alguma, e parecem perseguidas por um mau gênio em todos os seus empreendimentos, não se pode chamar a isso fatalidade. Será uma fatalidade, se lhe quisermos dar esse nome, mas que decorre do gênero da existência escolhida. É que essas pessoas quiseram ser provadas por uma vida de decepções, a fim de exercitarem a paciência e a resignação. Entretanto, não é absoluta essa fatalidade. Resulta muitas vezes do caminho falso que tais pessoas tomam, em discordância com sua inteligência e suas aptidões. Grande probabilidade tem de se afogar quem pretender atravessar a nado um rio, sem saber nadar. O mesmo se dá relativamente à maioria dos acontecimentos da vida. Quase sempre obteria o homem bom êxito, se só tentasse o que estivesse em relação com as suas faculdades. O que o perde são o seu amor-próprio e a sua ambição, que o desviam da senda que lhe é própria e o fazem considerar vocação o que não passa de desejo de satisfazer a certas paixões. Fracassa por sua culpa. Mas, em vez de culpar-se a si mesmo, prefere queixar-se da sua estrela. Um, por exemplo, que seria bom operário e ganharia honestamente a vida, mete-se a ser mau poeta e morre de fome. Para todos haveria lugar no mundo, desde que cada um soubesse colocar-se no lugar que lhe compete.


Os costumes sociais “obrigam” muitas vezes o homem a enveredar por um caminho de preferência a outro, e ele se acha submetido à opinião dos outros, quanto à escolha de suas ocupações. O que se chama respeito humano parece constituir obstáculo ao exercício do livre-arbítrio. Mas são os homens, e não Deus, quem faz os costumes sociais. Se eles a estes se submetem, é porque lhes convêm. Tal submissão, portanto, representa um ato de livre-arbítrio, pois que, se o quisessem, poderiam libertar-se de semelhante jugo. Ninguém lhes agradecerá esse sacrifício feito à opinião pública, ao passo que Deus lhes levará em conta o sacrifício que fizerem de suas vaidades. Não quer isto dizer que o homem deva afrontar sem necessidade aquela opinião, como fazem alguns em que há mais excentricidade do que verdadeira filosofia. 


Assim como há pessoas a quem a sorte em tudo é contrária, outras parecem favorecidas por ela, pois tudo lhes sai bem. Ocorre que, muitas vezes, essas pessoas sabem conduzir-se melhor. Mas também pode ser um gênero de prova. O bom êxito as embriaga; fiam-se no seu destino e muitas vezes pagam mais tarde esse bom êxito, mediante revezes cruéis, que a prudência as teria feito evitar.


Às vezes, a boa sorte favorece a algumas pessoas em circunstâncias com as quais nada têm que ver a vontade, nem a inteligência: no jogo, por exemplo. Alguns Espíritos escolheram previamente certas espécies de prazer. A fortuna que os favorece é uma tentação. Aquele que como homem ganha, perde como Espírito. É uma prova para o seu orgulho e para a sua cupidez.


A fatalidade que parece presidir aos destinos materiais de nossa vida também é resultante do nosso livre-arbítrio. Nós mesmos escolhemos a nossa prova. Quanto mais rude ela for e melhor a suportarmos, tanto mais nos elevaremos. Os que passam a vida na abundância e na ventura humana são Espíritos pusilânimes, que permanecem estacionários. Assim, o número dos desafortunados é muito superior ao dos felizes deste mundo, visto que os Espíritos, na sua maioria, procuram as provas que lhes sejam mais proveitosas. 


A expressão: Nascer sob uma boa estrela vem de uma antiga superstição, que prendia às estrelas os destinos dos homens. Alegoria que algumas pessoas fazem a tolice de tomar ao pé da letra.



Referência:

O Livro dos Espíritos - Terceira Parte - Cap. X - Allan Kardec.

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