O sentimento da justiça está na natureza, de tal modo que nos revoltamos à simples ideia de uma injustiça. É fora de dúvida que o progresso moral desenvolve esse sentimento, mas não o dá. Deus o pôs no coração do homem. Daí vem que, frequentemente, em homens simples e incultos nos deparamos com noções mais exatas da justiça do que nos que possuem grande cabedal de saber.
A justiça é uma lei da natureza, mas os homens a entendem de modos, às vezes, diferentes, considerando uns justo o que a outros parece injusto. Isso se dá porque a esse sentimento se misturam paixões que o alteram, como sucede à maior parte dos outros sentimentos naturais, fazendo que os homens vejam as coisas por um prisma falso.
A justiça consiste em cada um respeitar os direitos dos demais.
A determinação desses direitos se dá pela lei humana e pela lei natural. Tendo os homens formulado leis apropriadas a seus costumes e caracteres, elas estabeleceram direitos que podem ter variado, com o progresso das luzes. Podemos ver que hoje as nossas leis, sem serem perfeitas, não consagram os mesmos direitos que as da Idade Média. Entretanto, esses direitos antiquados, que agora nos afiguram monstruosos, pareciam justos e naturais naquela época. Nem sempre, pois, é acorde com a justiça o direito que os homens estabelecem. Ademais, este direito regula apenas algumas relações sociais, quando é certo que, na vida particular, há uma imensidade de atos unicamente da alçada do tribunal da consciência.
Se colocarmos de lado o direito que a lei humana consagra, e pensarmos na base da justiça, segundo a lei natural, podemos ver o que Cristo disse: “Queira cada um para os outros o que quereria para si mesmo.
No coração do homem Deus imprimiu a regra da verdadeira justiça, fazendo que cada um deseje ver respeitados os seus direitos. Na incerteza de como deva proceder com o seu semelhante, em dada circunstância, trate o homem de saber como quereria que com ele procedessem, em circunstância idêntica. Guia mais seguro do que a própria consciência não nos podia Deus haver dado.
Efetivamente, o critério da verdadeira justiça está em querer cada um para os outros o que para si mesmo quereria, e não em querer para si o que quereria para os outros, o que absolutamente não é a mesma coisa. Não sendo natural que haja quem deseje o mal para si, desde que cada um tome por modelo o seu desejo pessoal, é evidente que nunca ninguém desejará para o seu semelhante senão o bem. Em todos os tempos e sob o império de todas as crenças, sempre o homem se esforçou para que prevalecesse o seu direito pessoal. A sublimidade da religião cristã está em que ela tomou o direito pessoal por base do direito do próximo.
Da necessidade que o homem tem de viver em sociedade, nascem-lhe obrigações especiais. A primeira de todas é a de respeitar os direitos de seus semelhantes. Aquele que respeitar esses direitos procederá sempre com justiça. No nosso mundo, porque a maioria dos homens não pratica a lei de justiça, cada um usa de represálias. Essa é a causa da perturbação e da confusão em que vivem as sociedades humanas. A vida social outorga direitos e impõe deveres recíprocos.
Podendo o homem enganar-se quanto à extensão do seu direito, o que lhe fará conhecer o limite desse direito é o limite do direito que, com relação a si mesmo, reconhecer ao seu semelhante, em idênticas circunstâncias e reciprocamente.
Os direitos naturais são os mesmos para todos os homens, desde os de condição mais humilde até os de posição mais elevada. Deus não fez uns de limo mais puro do que o de que se serviu para fazer os outros, e todos, aos seus olhos, são iguais. Esses direitos são eternos. Os que o homem estabeleceu perecem com as suas instituições. Ademais, cada um sente bem a sua força ou a sua fraqueza e saberá sempre ter uma espécie de deferência para com os que o mereçam por suas virtudes e sabedoria. É importante acentuar isto, para que os que se julgam superiores conheçam seus deveres, a fim de merecer essas deferências. A subordinação não se achará comprometida, quando a autoridade for deferida à sabedoria.
O caráter do homem que praticasse a justiça em toda a sua pureza seria o do verdadeiro justo, a exemplo de Jesus, porquanto praticaria também o amor do próximo e a caridade, sem os quais não há verdadeira justiça.
Referências:
O Livro dos Espíritos - Terceira Parte - Cap. XI - Allan Kardec.