As paixões


A paixão está no excesso de que se acresceu a vontade, visto que o princípio que lhe dá origem foi posto no homem para o bem, tanto que as paixões podem levá-lo à realização de grandes coisas. O abuso que delas se faz é que causa o mal.


Uma paixão se torna perigosa a partir do momento em que deixamos de poder governá-la, e que dá em resultado um prejuízo qualquer para nós mesmos ou para outros.


As paixões são alavancas que tornam maior as forças do homem e o auxiliam na execução dos desígnios da Providência. Mas se, em vez de as dirigir, deixa que elas o dirijam, cai o homem nos excessos e a própria força que, manejada pelas suas mãos, poderia produzir o bem, contra ele se volta e o esmaga.


Todas as paixões têm seu princípio num sentimento ou necessidade natural. O princípio das paixões não é, assim, um mal, pois que assenta numa das condições providenciais da nossa existência. A paixão propriamente dita é a exageração de uma necessidade ou de um sentimento. Está no excesso e não na causa, e este excesso se torna um mal quando tem como consequência um mal qualquer.


Toda paixão que aproxima o homem da natureza animal afasta-o da natureza espiritual.


Todo sentimento que eleva o homem acima da natureza animal denota predominância do espírito sobre a matéria e o aproxima da perfeição.


O homem poderia, pelos seus esforços, vencer as suas más inclinações, e por vezes fazendo esforços bem pequenos. O que lhe falta é a vontade. 


O homem pode pedir a Deus e ao seu bom gênio, com sinceridade, assistência para triunfar de suas paixões. Os Espíritos bons lhe virão certamente em auxílio, porquanto isso é sua missão.


Há muitas pessoas que dizem: Quero, mas a vontade só lhes está nos lábios. Querem, porém muito satisfeitas ficam que não seja como “querem”. Quando o homem crê que não pode vencer as suas paixões, é que seu Espírito se compraz nelas, em consequência da sua inferioridade. Compreende a sua natureza espiritual aquele que as procura reprimir. Vencê-las é, para ele, uma vitória do Espírito sobre a matéria.



O egoísmo


O meio mais eficiente de combater-se o predomínio da natureza corpórea é praticar a abnegação.


Dentre os vícios, o egoísmo pode ser considerado o mais radical. Daí deriva todo mal. Se estudarmos todos os vícios, veremos que no fundo de todos há egoísmo. Enquanto não atacarmos o mal pela raiz, enquanto não lhe houvermos destruído a causa, não conseguiremos extirpá-los. Devemos, pois, fazer todos os esforços para esse efeito, porquanto aí é que está a verdadeira chaga da sociedade. Quem quiser, desde esta vida, ir aproximando-se da perfeição moral, deve expurgar o seu coração de todo sentimento de egoísmo, visto ser o egoísmo incompatível com a justiça, o amor e a caridade. Ele neutraliza todas as outras qualidades.


À medida que os homens se instruem acerca das coisas espirituais, menos valor dão às coisas materiais. Depois, é necessário que se reformem as instituições humanas que o entretêm e excitam. Isso depende da educação.


É exato que no egoísmo temos o nosso maior mal; ele se prende, porém, à inferioridade dos Espíritos encarnados na Terra e não à humanidade inteira. Ora, depurando-se por encarnações sucessivas, os Espíritos se despojam do egoísmo, como de suas outras impurezas. Não existirá na Terra nenhum homem isento de egoísmo e praticante da caridade? Há muito mais homens assim do que supomos. Apenas não os conhecemos, porque a virtude foge à viva claridade do dia. Desde que haja um, por que não haverá dez? Havendo dez, por que não haverá mil e assim por diante?


Longe de diminuir, o egoísmo cresce com a civilização, que até mesmo, parece, o excita e mantém. Quanto maior é o mal, mais hediondo se torna. Era preciso que o egoísmo produzisse muito mal, para que compreensível se fizesse a necessidade de extirpá-lo. Quando se houverem despojado do egoísmo que os domina, os homens viverão como irmãos, sem se fazerem mal algum, auxiliando-se reciprocamente, impelidos pelo sentimento mútuo da solidariedade. Então o forte será o amparo e não o opressor do fraco, e não mais serão vistos homens a quem falte o indispensável, porque todos praticarão a lei de justiça. Esse é o reinado do bem, que os Espíritos estão incumbidos de preparar.


De todas as imperfeições humanas, o egoísmo é a mais difícil de desenraizar-se, porque deriva da influência da matéria, influência de que o homem, ainda muito próximo de sua origem, não pôde libertar-se, e para cuja manutenção tudo concorre: suas leis, sua organização social, sua educação. O egoísmo se enfraquecerá à proporção que a vida moral for predominando sobre a vida material e, sobretudo, com a compreensão, que o Espiritismo nos faculta, do nosso estado futuro real, e não desfigurado por ficções alegóricas. Quando, bem compreendido, se houver identificado com os costumes e as crenças, o Espiritismo transformará os hábitos, os usos, as relações sociais. O egoísmo assenta na importância da personalidade. Ora, o Espiritismo, bem compreendido, repito, mostra as coisas de tão alto que o sentimento da personalidade desaparece, de certo modo, diante da imensidade. Destruindo essa importância, ou, pelo menos, reduzindo-a às suas legítimas proporções, ele necessariamente combate o egoísmo.


O choque, que o homem experimenta, do egoísmo dos outros é o que muitas vezes o faz egoísta, por sentir a necessidade de colocar-se na defensiva. Notando que os outros pensam em si próprios e não nele, ei-lo levado a ocupar-se consigo, mais do que com os outros. Sirva-se de base às instituições sociais, às relações legais de povo a povo e de homem a homem, o princípio da caridade e da fraternidade, e cada um pensará menos na sua pessoa, ao ver que os outros também com ela se preocupam. Todos experimentarão a influência moralizadora do exemplo e do contato. Em face do atual extravasamento de egoísmo, grande virtude é verdadeiramente necessária para que alguém renuncie à sua personalidade em proveito dos outros, que com frequência absolutamente lhe não agradecem. Principalmente para os que possuam essa virtude é que o reino dos céus se acha aberto. A esses, sobretudo, é que está reservada a felicidade dos eleitos.





Referências:

O Livro dos Espíritos - Terceira Parte - Cap. XII - Allan Kardec.



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