O desgosto da vida, que, sem motivos plausíveis, se apodera de certos indivíduos nasce da ociosidade, da falta de fé e, não raro, da saciedade.
Para aquele que usa de suas faculdades com fim útil e de acordo com as suas aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido e a vida se escoa mais rapidamente. Ele lhe suporta as vicissitudes com tanto mais paciência e resignação, quanto obra com o objetivo da felicidade mais sólida e mais durável que o espera.
O homem não tem o direito de dispor da sua vida. Só a Deus assiste esse direito. O suicídio voluntário é uma transgressão da lei divina.
O suicídio não é sempre voluntário. O louco que se mata não sabe o que faz.
Aquele que comete o suicídio com o fim de fugir às misérias e às decepções deste mundo, são pobres Espíritos, que não têm a coragem de suportar as misérias da existência! Deus ajuda aos que sofrem e não aos que carecem de força e de coragem. As tribulações da vida são provas ou expiações. Felizes os que as suportam sem se queixar, porque serão recompensados! Ai, porém, daqueles que esperam a salvação do que, na sua impiedade, chamam acaso, ou fortuna! O acaso, ou a fortuna, podem, com efeito, favorecê-los por um momento, mas para lhes fazer sentir mais tarde, cruelmente, a vacuidade dessas palavras.
É um suicidio aquele que, a braços com a maior penúria, se deixa morrer de desesperança, mas os que lhe foram causa, ou que teriam podido impedi-lo, são mais culpados do que ele, a quem a indulgência espera. Todavia, não pensemos que seja totalmente absolvido, se lhe faltaram firmeza e perseverança e se não usou de toda a sua inteligência para sair do atoleiro. Ai dele, sobretudo, se o seu desespero nasce do orgulho. Quero dizer: se for um desses homens em quem o orgulho anula os recursos da inteligência, que corariam de dever a existência ao trabalho de suas mãos e que preferem morrer de fome a renunciar ao que chamam sua posição social! Não haverá mil vezes mais grandeza e dignidade em lutar contra a adversidade, em afrontar a crítica de um mundo fútil e egoísta, que só tem boa vontade para com aqueles a quem nada falta e que nos volta as costas assim que precisamos dele? Sacrificar a vida à consideração desse mundo é estupidez, porquanto ele a isso nenhum apreço dá.
É tão reprovável, como o que tem por causa o desespero, o suicídio daquele que procura escapar à vergonha de uma ação má. O suicídio não apaga a falta. Ao contrário, em vez de uma, haverá duas. Quando se teve a coragem de praticar o mal, é preciso ter-se a de lhe sofrer as consequências. Deus, que julga, pode, conforme a causa, abrandar os rigores de sua justiça.
Aquele que tira a si mesmo a vida para fugir à vergonha de uma ação má prova que dá mais apreço à estima dos homens do que à de Deus, visto que volta para a vida espiritual carregado de suas iniquidades, tendo-se privado dos meios de repará-las durante a vida corpórea. Deus muitas vezes é menos inexorável do que os homens. Perdoa aos que sinceramente se arrependem e leva em conta a reparação. O suicídio nada repara.
Aquele que se mata na esperança de chegar mais depressa a uma vida melhor comete outra loucura! Que faça o bem e mais certo estará de lá chegar, pois, matando-se, retarda a sua entrada num mundo melhor e terá que pedir que lhe seja permitido voltar, para concluir a vida a que pôs termo sob o influxo de uma ideia falsa. Uma falta, seja qual for, jamais abre a ninguém o santuário dos eleitos.
Aquele que sacrifica sua vida visando salvar a vida de outro, ou ser útil aos seus semelhantes, conforme a intenção, e, em tal caso, não comete suicídio. Mas Deus se opõe a todo sacrifício inútil, e não o pode ver de bom grado se tem o orgulho a manchá-lo. Só o desinteresse torna meritório o sacrifício e, algumas vezes, quem o faz guarda oculto um pensamento, que lhe diminui o valor aos olhos de Deus.
Todo sacrifício que o homem faça à custa da sua própria felicidade é um ato soberanamente meritório aos olhos de Deus, porque resulta da prática da lei de caridade. Ora, sendo a vida o bem terreno a que maior apreço dá o homem, não comete atentado o que a ela renuncia pelo bem de seus semelhantes: faz um sacrifício. Mas, antes de o cumprir, deve refletir sobre se sua vida não será mais útil do que sua morte.
O homem que perece vítima de paixões que ele sabia que lhe haviam de apressar o fim, porém a que já não podia resistir, por havê-las o hábito mudado em verdadeiras necessidades físicas, comete suicídio. É um suicídio moral. Nesse caso, o homem é duplamente culpado. Há nele então falta de coragem e bestialidade, acrescidas do esquecimento de Deus. Tal homem é mais culpado do que o que tira a si mesmo a vida por desespero, porque tem tempo de refletir sobre o seu suicídio. Naquele que o faz instantaneamente, há, muitas vezes, uma espécie de desvairamento, que alguma coisa tem da loucura. O outro será muito mais punido, visto que as penas são sempre proporcionais à consciência que o culpado tem das faltas que comete.
Quando uma pessoa vê diante de si um fim inevitável e horrível, será culpada se abreviar de alguns instantes os seus sofrimentos, apressando voluntariamente sua morte, pois é sempre culpado aquele que não aguarda o termo que Deus lhe marcou para a existência. E quem poderá estar certo de que, apesar das aparências, esse termo tenha chegado; de que um socorro inesperado não venha no último momento?
Uma imprudência que compromete a vida sem necessidade não será condenável, no sentido de que não há culpabilidade quando não há intenção ou consciência clara da prática do mal.
Aqueles que, não podendo conformar-se com a perda de pessoas que lhes eram caras, e cometem o suicício na esperança de ir juntar-lhes, alcançam um fim muito diferente do que esperam. Em vez de se reunirem ao que era objeto de suas afeições, dele se afastam por mais longo tempo, pois não é possível que Deus recompense um ato de covardia e o insulto que Lhe fazem com o duvidarem da sua providência. Pagarão esse instante de loucura com aflições maiores do que as que pensaram abreviar e não terão, para compensá-las, a satisfação que esperavam.
Muito diversas são as consequências do suicídio. Não há penas determinadas e, em todos os casos, correspondem sempre às causas que o produziram. Há, porém, uma consequência a que o suicida não pode escapar: o desapontamento. Mas, a sorte não é a mesma para todos; depende das circunstâncias. Alguns expiam a falta imediatamente, outros em nova existência, que será pior do que aquela cujo curso interromperam.
A observação, realmente, mostra que os efeitos do suicídio não são sempre os mesmos. Alguns há, porém, comuns a todos os casos de morte violenta e que são a consequência da interrupção brusca da vida. Há, primeiro, a persistência mais prolongada e tenaz do laço que une o Espírito ao corpo, por estar quase sempre esse laço na plenitude da sua força no momento em que é partido, ao passo que no caso de morte natural ele se enfraquece gradualmente, e muitas vezes se desfaz antes que a vida se haja extinguido completamente. As consequências desse estado de coisas são o prolongamento da perturbação que se segue à morte e da ilusão em que, durante mais ou menos tempo, o Espírito se conserva de que ainda pertence ao número dos vivos.
A afinidade que permanece entre o Espírito e o corpo produz, em alguns suicidas, uma espécie de repercussão do estado do corpo no Espírito, que, assim, a seu azar, sente os efeitos da decomposição, donde lhe resulta uma sensação cheia de angústias e de horror, estado esse que pode perdurar pelo tempo que devia durar a vida que sofreu interrupção. Não é geral este efeito; mas em nenhum caso o suicida fica isento das consequências da sua falta de coragem e, cedo ou tarde, expia, de um modo ou de outro, a culpa em que incorreu. Assim é que certos Espíritos, que foram muito desgraçados na Terra, disseram ter-se suicidado na existência precedente e se submetido voluntariamente a novas provas, para tentarem suportá-las com mais resignação. Em alguns, verifica-se uma espécie de ligação à matéria, de que inutilmente procuram desembaraçar-se, a fim de voarem para mundos melhores, cujo acesso, porém, se lhes conserva interditado. A maior parte deles sofre o pesar de haver feito uma coisa inútil, pois que só decepções encontram.
A religião, a moral, todas as filosofias condenam o suicídio como contrário às leis da natureza. Todas nos dizem, em princípio, que ninguém tem o direito de abreviar voluntariamente a vida. Entretanto, por que não se tem esse direito? Por que não é livre o homem de pôr termo aos seus sofrimentos? Ao Espiritismo estava reservado demonstrar, pelo exemplo dos que sucumbiram, que o suicídio não somente é uma falta, por constituir infração de uma lei moral — consideração de pouco peso para certos indivíduos —, mas também um ato estúpido, pois que nada ganha quem o pratica, antes o contrário é o que se dá, como no-lo ensinam, não a teoria, porém os fatos que ele nos põe sob as vistas.
Referências:
O Livro dos Espíritos - Quarta Parte - Cap. I - Allan Kardec.