Deus nunca obra caprichosamente, e tudo, no universo, se rege por leis, em que a sua sabedoria e a sua bondade se revelam.


A duração dos sofrimentos do culpado se baseia no tempo necessário para que se melhore. Sendo o estado de sofrimento ou de felicidade proporcional ao grau de purificação do Espírito, a duração e a natureza de seus sofrimentos dependem do tempo que ele gaste em melhorar-se. À medida que progride e que os sentimentos se lhe depuram, seus sofrimentos diminuem e mudam de natureza.


Ao Espírito sofredor, o tempo parece-lhe, antes, mais longo do que quando estava vivo: para ele não existe o sono. Só para os Espíritos que já chegaram a certo grau de purificação é que o tempo, por assim dizer, se apaga diante do infinito.


Os sofrimentos do Espírito não duram eternamente. Não há dúvida de que se ele pudesse ser eternamente mau, isto é, se jamais se arrependesse e melhorasse, sofreria eternamente. Mas Deus não criou seres tendo por destino permanecerem votados perpetuamente ao mal. Apenas os criou a todos simples e ignorantes, tendo todos, no entanto, que progredir em tempo mais ou menos longo, conforme decorrer da vontade de cada um. Mais ou menos tardia pode ser a vontade, do mesmo modo que há crianças mais ou menos precoces, porém, cedo ou tarde, ela aparece, por efeito da irresistível necessidade que o Espírito sente de sair da inferioridade e de se tornar feliz. Eminentemente sábia e magnânima é, pois, a lei que rege a duração das penas, porquanto subordina essa duração aos esforços do Espírito. Jamais o priva do seu livre-arbítrio: se deste faz ele mau uso, sofre as consequências.


SÃO LUÍS


As penas impostas jamais o são por toda a eternidade. Se Interrogarmos o nosso bom senso, chegaremos à conclusão de que uma condenação perpétua, motivada por alguns momentos de erro, seria a negação da bondade de Deus. Que os antigos tenham considerado o senhor do universo um Deus terrível, cioso e vingativo, concebe-se. Na ignorância em que se achavam, atribuíam à divindade as paixões dos homens. Esse, todavia, não é o Deus dos cristãos, que classifica como virtudes primordiais o amor, a caridade, a misericórdia, o esquecimento das ofensas. Dizemos que, acima de tudo, Ele é justo e que o homem não Lhe compreende a justiça. Mas a justiça não exclui a bondade, e ele não seria bom se condenasse a eternas e horríveis penas a maioria das suas criaturas. Aliás, no fazer que a duração das penas dependa dos esforços do culpado está toda a sublimidade da justiça unida à bondade. Aí é que se encontra a verdade desta sentença: “A cada um segundo as suas obras.”


SANTO AGOSTINHO


“Quem é, com efeito, o culpado? É aquele que, por um desvio, por um falso movimento da alma, se afasta do objetivo da criação, que consiste no culto harmonioso do belo, do bem, idealizados pelo arquétipo humano, pelo Homem Deus, por Jesus Cristo.


“Que é o castigo? A consequência natural, derivada desse falso movimento; uma certa soma de dores necessária a desgostá-lo da sua deformidade, pela experimentação do sofrimento. O castigo é o aguilhão que estimula a alma, pela amargura, a se dobrar sobre si mesma e a buscar o porto de salvação. O castigo só tem por fim a reabilitação, a redenção. Querê-lo eterno, por uma falta não eterna, é negar-lhe toda a razão de ser.


PAULO, APÓSTOLO



Com o atrativo de recompensas e temor de castigos, procura-se estimular o homem para o bem e desviá-lo do mal. Se esses castigos, porém, lhe são apresentados de forma que a sua razão se recuse a admiti-los, nenhuma influência terão sobre ele. Longe disso; rejeitará tudo: a forma e o fundo. Se, ao contrário, lhe apresentarem o futuro de maneira lógica, ele não o repelirá. O Espiritismo lhe dá essa explicação.


A doutrina da eternidade das penas, em sentido absoluto, faz do Ente Supremo um Deus implacável. Seria lógico dizer-se, de um soberano, que ele é muito bom, muito magnânimo, muito indulgente, que só quer a felicidade dos que o cercam, mas que ao mesmo tempo é cioso, vingativo, de inflexível rigor e que pune com o castigo extremo as três quartas partes dos seus súditos, por uma ofensa, ou uma infração de suas leis, mesmo quando praticada pelos que não as conheciam? Não haveria aí contradição? Ora, pode Deus ser menos bom do que o seria um homem?


Mais uma contradição se apresenta aqui: pois que Deus tudo sabe, sabia, ao criar uma alma, que ela viria a falir. Teria, pois, desde a sua formação, sido destinada à desgraça eterna. Será isto possível, racional? Com a doutrina das penas relativas, tudo se justifica. Deus sabia, sem dúvida, que ela faliria, mas lhe deu meios de se instruir pela sua própria experiência, mediante suas próprias faltas. É necessário que expie seus erros, para melhor se firmar no bem, mas a porta da esperança não se lhe fecha para sempre e Deus faz que, dos esforços que ela empregue para o conseguir, dependa a sua redenção. Isto toda gente pode compreender e a mais meticulosa lógica pode admitir. Menos céticos haveria, se deste ponto de vista fossem apresentadas as penas futuras.


Na linguagem vulgar, a palavra eterno é muitas vezes empregada figuradamente, para designar uma coisa de longa duração, cujo termo não se prevê, embora se saiba muito bem que esse termo existe. 


No dia em que a religião admitir esta interpretação, assim como algumas outras também decorrentes do progresso das luzes, muitas ovelhas desgarradas reunirá.




Referências:

O Livro dos Espíritos - Quarta Parte - Cap. II  Allan Kardec.

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