Existem coisas, na vida da gente, que a gente ainda não deu o devido valor.


Há situações tão importantes para as quais a gente ainda não se antenou.


Uma dessas coisas é esse vício terrível de guardarmos lixo na alma, guardarmos mágoa, nos sentirmos ofendidos com o que as pessoas dizem sobre nós, fazem conosco.


Para esse problema, o grande antídoto é o que a gente chama de perdão. Essa palavra parece ter ficado démodé, parece ter caído de moda, porque vivemos em épocas em que pouca gente pensa em perdoar.


Afinal de contas, se Fulano fez isso comigo, tem que pagar.


Outros gritam que querem justiça, mas falam em justiça com uma inflexão de voz e com trismos faciais, com rictos bucais que, em verdade, é um desejo de vingança. Não é propriamente desejo de justiça.


Até chegarmos àqueles que desejam e fazem a chamada justiça pelas próprias mãos.


Se o perdão fosse utilizado por nós, sem dúvida, seríamos pessoas mais saudáveis, mais alegres, mais felizes. Porque o perdão beneficia, fundamentalmente, não a pessoa que o recebe, mas a criatura que o oferece.


Normalmente, os indivíduos que são perdoados não estão liberados da própria culpa, são perdoados mas não limpos. Aqueles contra quem erraram são capazes de perdoá-los, mas eles, que cometeram o erro, ainda continuam carregando em si o peso do erro.


Mas é tão importante perdoar. Nós podemos, mesmo, observar que a criatura que tem dificuldades para perdoar os outros, também é aquela criatura que não se perdoa a si mesma. E a criatura que não se perdoa a si mesma, não é a criatura mais justa, é a mais orgulhosa.


Ela imagina que jamais poderia ter praticado aquele desatino, jamais poderia ter cometido aquele delito, nunca poderia ter errado.


Para elas o problema não é ter errado, é ter alguém tomado conhecimento do seu erro; bem comportamento vitoriano, quando não era problema cometer desatinos. O grande problema do período vitoriano era os outros saberem do desatino cometido por nós.


Quando nós paramos para pensar nisso, nos damos conta de que o perdão resolveria tudo isso.


Mas, de onde vem esse termo aparentemente defasado, de onde é que nasce essa ideia de perdoar?


Perdoar vem de uma expressão latina per mais donarePer é um prefixo que quer dizer, além de. E donare é doar. Quando juntamos per mais donare, juntamos e forjamos a expressão doar além, dar um pouco mais.


E se nós prestarmos atenção no Evangelho, o tempo inteiro Jesus Cristo nos fez essa proposta, para doar sempre um pouco mais. O Evangelista Lucas chega a dizer que se sentia um servo infiel por ter feito somente o que era do seu dever. Porque a ideia de Jesus era a da importância de darmos sempre um pouco mais.


Per donare - doar além.


E é por isso que, quando nós perdoamos, nos sentimos felicitados pelo ato do perdão, nos sentimos bem pelo ato do perdão, nos sentimos leves ao perdoar alguém.


Mas a criatura perdoada continua carregando o peso do seu dislate, do seu deslize, do seu equívoco, do seu erro.


Daí, se nós quisermos nos libertar das criaturas que erraram contra nós, temos a fórmula mágica ensinada pelo Evangelho do Cristo - perdão.


O perdão é o remédio santo. É graças a essa capacidade de perdoar que nós avançamos mundo afora com o coração limpo, sem guardar lixo dentro dele.


Naturalmente, quando pensamos nessa questão do perdão, da limpeza da alma, da tranquilidade consciencial, devemos imaginar quantos indivíduos, dos quais precisamos que nos perdoem, quantas são as pessoas das quais esperamos um gesto de perdão.


É verdade, porque nós erramos contra tanta gente no cotidiano. Uma ingratidão aqui, uma palavra áspera ali, um gesto indevido acolá, uma intriga, uma maledicência, um ti-ti-ti que forjamos.


Então, quando a consciência cai em si,nós  começamos a pensar como seria bom se aquelas pessoas contra as quais agimos, nos pudessem perdoar.


O perdão de fato é o remédio santo.


                                                                                                                              * * *


Quando pensamos no perdão dessa forma, como um remédio santo, nos damos conta de que Jesus Cristo, conforme dissemos em vários momentos, nos chamou a atenção para essa capacidade de darmos um pouco mais.


Há um dos Seus ensinos notáveis, como todos os outros, que nos chama a atenção para o seguinte: Se alguém te bater numa face, oferece também a outra.


Quando nós pensamos nesse ensinamento de Cristo, o que é isto?


Se alguém nos bate numa face e nós oferecemos a outra, essa é a mensagem do perdão.


Nós damos um pouco mais. A outra face não é o outro lado do rosto, é a face interna.


Quando alguém nos agride de fora para dentro, nós apresentamos a face que temos de dentro para fora.


A nossa capacidade de perdoar, a nossa capacidade de entender.


Daí, como fica lógico, como fica bonito o ensinamento de Jesus.


Mas, continuou Ele a dizer no mesmo ensino: Se alguém te pedir caminhar mil passos, caminha outros mil, caminha dois mil.


A mensagem da tolerância, da compreensão. Se alguém nos pediu, através dos seus atos, um gesto de tolerância, que a gente tolere um pouco mais, que a gente compreenda um pouco mais, seja indulgente um pouco mais. É o perdão.


Sempre que nós doamos além, sempre que doamos um pouco mais, estamos perdoando.


Há pessoas que são tão incrivelmente chatas, complicadas, difíceis para a vida da gente e nós vamos nos exercitando na prática de compreendê-las, de suportá-las mesmo, de tolerá-las. E isso se chama perdão. Dar além.


Mas Jesus Cristo nos diz na sequência desse ensinamento: Se alguém te pedir a capa, dá-lhe também a túnica.


Vejamos que a ideia do ensinamento é dar um pouco mais, porque, quando nós aprendemos a doar um pouco mais de nós, estamos fazendo esforço íntimo.


Ainda não são essas atitudes em nós espontâneas. Temos que começar a agir disciplinarmente, fazer assim, porque é assim que tem que ser, é isso que a Lei Divina me propõe, é desse modo que eu devo ser.


Começamos, como nos ensina o Espírito André Luiz, fazendo as coisas por obrigação, depois começamos a fazê-las por hábito, até que depois da obrigação, depois do hábito, elas se nos tornem atitudes espontâneas.


Ninguém espere que, de repente, comece a perdoar, de repente já tenha o coração aberto para o perdão. Não, não espere.


Ainda somos muito limitados em nossa evolução espiritual. Para isso precisamos começar cedo a fazer as longas caminhadas.


Se o perdão é para nós uma coisa complicada de realizar, comecemos agora a desculpar, a tolerar, a suportar e, gradativamente, essas virtudes vão se tornando de tal modo eficazes em nós, que vão nos convertendo em pessoas leves, pessoas muito soft, capazes de perdoar sem fazer força.


Todas as criaturas que perdoam sem fazer força, ou sem fazer esforços, são aquelas que começaram um dia a perdoar chorando de raiva.


Eu vou perdoar porque eu sei que eu preciso.


O coração ainda estava arranhando, o coração ainda estava acidificado, mas elas começaram por não revidar, por segurar a língua, por segurar as mãos, por não revidar.


Já era um gesto inicial do perdão, porque nós aprendemos no Evangelho, que podemos cometer erros por pensamentos, por palavras e por atos.


Às vezes, só pensamos, já é uma evolução.


Outras vezes pensamos e a língua não cabe na boca e falamos. Até que outros falam, depois de terem pensado e acabam por cometer o desatino.


Nós vamos fazer o contrário, vamos começar a desarmar essa bomba.


Primeiro, não revidamos, depois, sequer falamos, até o momento em que não alimentemos no pensamento outra coisa que não seja o dar de nós um pouco mais.


Perdoar é perdoar-se. Jamais conseguimos perdoar o mau gesto de alguém, o erro de alguém, se não conseguimos perdoar a nós próprios.


Somente a partir da prática do autoperdão, quando nos compenetremos de que não somos pessoas infalíveis, não vamos errar de propósito, mas estaremos conscientes de que nessa longa marcha da Humanidade para a vitória, é muito fácil tropeçar, é muito fácil cair, mas é preciso levantar-se, dar-se a si mesmo o tempo para descansar, para levantar da queda, para relaxar a mente.


Através do autoperdão, invariavelmente, constitui-se a base do heteroperdão, porque perdoar, dar além é um remédio santo.


Transcrição do Programa Vida e Valores, de número 121, apresentado por Raul Teixeira, sob coordenação da Federação Espírita do Paraná.

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