A primeira ideia que os homens formaram da Terra, do movimento dos astros e da constituição do universo se baseou unicamente no que os sentidos percebiam. Ignorando as mais elementares leis da física e as forças da natureza, somente dispunham da visão como meio de observação. Vendo o Sol aparecer pela manhã, de um lado do horizonte, e desaparecer, à tarde, do lado oposto, concluíram naturalmente que ele girava em torno da Terra, conservando-se esta imóvel. 


A pequena extensão das viagens, que naquela época raramente iam além dos limites da tribo ou do vale, não permitia que se comprovasse a esfericidade da Terra. Para eles, pois, a Terra era uma superfície plana e circular, qual uma mó de moinho, estendendo-se a perder de vista na direção horizontal.


Por se mostrar sob forma côncava, o céu, na crença vulgar, era tido como uma abóbada real, cujos bordos inferiores repousavam na Terra e lhe marcavam os confins, vasta cúpula cuja capacidade o ar enchia completamente. Sem nenhuma noção do espaço infinito, incapazes mesmo de o conceberem, imaginavam os homens que essa abóbada era constituída de matéria sólida.


As estrelas, de cuja natureza não podiam suspeitar, eram simplesmente pontos luminosos, de volumes diversos, engastados na abóbada, como lâmpadas suspensas, dispostas sobre uma única superfície e, por conseguinte, todas à mesma distância da Terra, tais como as que se veem no interior de certas cúpulas, pintadas de azul, figurando a do céu. 


Igualmente desconhecida era então a formação das nuvens pela evaporação das águas da Terra. A ninguém podia acudir a ideia de que a chuva, que cai do céu, tivesse origem na Terra, de onde ninguém a via subir. Daí a crença na existência de águas superiores e de águas inferiores, de fontes celestes e de fontes terrestres, de reservatórios colocados nas altas regiões — suposição que concordava perfeitamente com a ideia de uma abóbada sólida, capaz de os sustentar. As águas superiores, escapando-se pelas frestas da abóbada, caíam em chuva e, conforme fossem mais ou menos largas as frestas, a chuva era branda, torrencial ou diluviana.


A ignorância completa do conjunto do universo e das leis que o regem, da natureza, da constituição e da destinação dos astros, que, aliás, pareciam tão pequenos, comparativamente à Terra, fez necessariamente fosse esta considerada como a coisa principal, o fim único da criação e os astros como acessórios, exclusivamente criados em intenção dos seus habitantes. 


Não tardou, porém, que se percebesse o movimento aparente das estrelas, que se deslocam em massa do oriente para o ocidente, despontando ao anoitecer e ocultando-se pela manhã, e conservando suas respectivas posições. Semelhante observação, contudo, não teve, durante longo tempo, outra consequência que não fosse a de confirmar a ideia de uma abóbada sólida, a arrastar consigo as estrelas, no seu movimento de rotação.


Entretanto, uma opinião geralmente espalhada nas teogonias pagãs situava nos lugares baixos, ou, por outra, nas profundezas da Terra, ou debaixo desta, não sabia bem, a morada dos réprobos, chamada inferno, isto é, lugares inferiores, e nos lugares altos, além da região das estrelas, a morada dos bem-aventurados. A palavra inferno se conservou até aos nossos dias, se bem haja perdido a significação etimológica, desde que a geologia retirou das entranhas da Terra o lugar dos suplícios eternos e a astronomia demonstrou que no espaço infinito não há baixo nem alto.


Sob o céu puro da Caldéia, da Índia e do Egito, berço das mais antigas civilizações, o movimento dos astros foi observado com tanta exatidão quanto o permitia a falta de instrumentos especiais. Notou-se, primeiramente, que certas estrelas tinham movimento próprio, independente da mesma, o que não consentia a suposição de que se achassem presas à abóbada. Chamaram-lhes estrelas errantes ou planetas, para distingui-las das estrelas fixas. Calcularam-se-lhes os movimentos e os retornos periódicos.


No movimento diurno da esfera estrelada, foi notada a imobilidade da estrela Polar, em cujo derredor as outras descreviam, em vinte e quatro horas, círculos oblíquos paralelos, uns maiores, outros menores, conforme a distância em que se encontravam da estrela central. Foi o primeiro passo para o conhecimento da obliquidade do eixo do mundo. Viagens mais longas deram lugar a que se observasse a diferença dos aspectos do céu, segundo as latitudes e as estações. A verificação de que a elevação da Estrela Polar acima do horizonte variava com a latitude, abriu caminho para a percepção da redondeza da Terra. Foi assim que, pouco a pouco, chegaram a fazer uma ideia mais exata do sistema do mundo.


Pelo ano 600 antes de J.C., Tales, de Mileto (Ásia Menor), descobriu a esfericidade da Terra, a obliquidade da eclíptica e a causa dos eclipses.


Um século depois, Pitágoras, de Samos, descobre o movimento diurno da Terra, sobre o próprio eixo, seu movimento anual em torno do Sol, e incorpora os planetas e os cometas ao sistema solar.


Hiparco, de Alexandria (Egito), 160 anos antes de J.C., inventa o astrolábio, calcula e prediz os eclipses, observa as manchas do Sol, determina o ano trópico, a duração das revoluções da Lua.


Embora preciosíssimas para o progresso da ciência, essas descobertas levaram perto de 2.000 anos a se popularizarem. Não dispondo então senão de raros manuscritos para se propagarem, as ideias novas permaneciam como patrimônio de alguns filósofos, que as ensinavam a discípulos privilegiados. As massas, que ninguém cuidava de esclarecer, nenhum proveito tiravam delas e continuavam a nutrir-se das velhas crenças.


Por cerca do ano 140 da era cristã, Ptolomeu, um dos homens mais ilustres da Escola de Alexandria, combinando suas próprias ideias com as crenças vulgares e com algumas das mais recentes descobertas astronômicas, compôs um sistema que se pode qualificar de misto, que traz o seu nome e que, por perto de quinze séculos, foi o único que o mundo civilizado adotou.


Segundo o sistema de Ptolomeu, a Terra é uma esfera posta no centro do universo e composta de quatro elementos: terra, água, ar e fogo. Essa a primeira região, dita elementar. A segunda região, dita etérea, compreendia onze céus, ou esferas concêntricas, a girar em torno da Terra, a saber: o céu da Lua, os de Mercúrio, de Vênus, do Sol, de Marte, de Júpiter, de Saturno, das estrelas fixas, do primeiro cristalino, esfera sólida transparente; do segundo cristalino e, finalmente, do primeiro móvel, que dava movimento a todos os céus inferiores e os obrigava a fazer uma revolução em vinte e quatro horas. Para além dos onze céus estava o Empíreo, habitação dos bem-aventurados, denominação tirada do grego pyr ou pur, que significa fogo, porque se acreditava que essa região resplandecia de luz, como o fogo.


Por longo tempo prevaleceu a crença em muitos céus superpostos, cujo número, entretanto, variava. O sétimo era geralmente tido como o mais elevado, donde a expressão: ser arrebatado ao sétimo céu. São Paulo disse que fora elevado ao terceiro céu.


Afora o movimento comum, os astros, segundo Ptolomeu, tinham movimentos próprios, mais ou menos dilatados, conforme a distância em que se achavam do centro. As estrelas fixas faziam uma revolução em 25.816 anos, avaliação esta que denota conhecimento da precessão dos equinócios, que se realiza em 25.868 anos.


No começo do século dezesseis, Copérnico, astrônomo célebre, nascido em Thorn (Prússia), no ano de 1472 e morto no de 1543, reconsiderou as ideias de Pitágoras e concebeu um sistema que, confirmado todos os dias por novas observações, teve acolhimento favorável e não tardou a desbancar o de Ptolomeu. Segundo o sistema de Copérnico, o Sol está no centro e ao seu derredor os astros descrevem órbitas circulares, sendo a Lua um satélite da Terra.


Decorrido um século, em 1609, Galileu, natural de Florença, inventa o telescópio; em 1610, descobre os quatro satélites de Júpiter e lhe calcula as revoluções; reconhece que os planetas não têm luz própria como as estrelas, mas que são iluminados pelo Sol; que são esferas semelhantes à Terra; observa-lhes as fases e determina o tempo que duram as rotações deles em torno de seus eixos, oferecendo assim, por provas materiais, sanção definitiva ao sistema de Copérnico.


Ruiu então a construção dos céus superpostos; reconheceu-se que os planetas são mundos semelhantes à Terra e, sem dúvida, habitados, como esta; que as estrelas são inumeráveis sóis, prováveis centros de outros tantos sistemas planetários, sendo o próprio Sol reconhecido como uma estrela, centro de um turbilhão de planetas que se lhe acham sujeitos.


As estrelas deixaram de estar confinadas numa zona da esfera celeste, para estarem irregularmente disseminadas pelo espaço sem limites, encontrando-se a distâncias incomensuráveis umas das outras as que parecem tocar-se, sendo as aparentemente menores as mais afastadas de nós e as maiores as que nos estão mais perto, porém, ainda assim, a centenas de bilhões de léguas.


Os grupos que tomaram o nome de constelações mais não são do que agregados aparentes, causados pela distância; suas figuras não passam de efeitos de perspectiva.


Para se distinguirem as constelações, deram-se-lhes nomes como estes: Leão, Touro, Gêmeos, Virgem, Balança, Capricórnio, Câncer, Órion, Hércules, Grande Ursa ou Carro de David, Pequena Ursa, Lira, etc., e, para representá-las, atribuíram-se-lhes as formas que esses nomes lembram, fantasiosas em sua maioria, e em nenhum caso guardando qualquer relação com os grupos de estrelas assim chamados. Fora, pois, inútil procurar no céu tais formas.


A crença na influência das constelações, sobretudo das que constituem os doze signos do zodíaco, proveio da ideia ligada aos nomes que elas trazem. Se à que se chama leão fosse dada o nome de asno ou de ovelha, certamente lhe teriam atribuído outra influência.


A partir de Copérnico e Galileu, as velhas cosmogonias deixaram para sempre de subsistir. A astronomia só podia avançar, não recuar. A História diz das lutas que esses homens de gênio tiveram de sustentar contra os preconceitos e, sobretudo, contra o espírito de seita, interessado em manter erros sobre os quais se haviam fundado crenças, supostamente firmadas em bases inabaláveis. Bastou a invenção de um instrumento de óptica para derrocar uma construção de muitos milhares de anos. Nada, é claro, poderia prevalecer contra uma verdade reconhecida como tal. Graças à tipografia, o público, iniciado nas novas ideias, entrou a não se deixar embalar com ilusões e tomou parte na luta. Já não era contra indivíduos que os sustentadores das velhas ideias tinham de combater, mas contra a opinião geral, que esposava a causa da verdade.


Estava desde então aberto o caminho em que ilustres e numerosos sábios iam entrar, a fim de completarem a obra encetada. Na Alemanha, Kepler descobre as célebres leis que lhe conservam o nome e por meio das quais se reconhece que as órbitas que os planetas descrevem não são circulares, mas elipses, um de cujos focos o Sol ocupa. Newton, na Inglaterra, descobre a lei da gravitação universal. Laplace, na França, cria a mecânica celeste. Finalmente, a astronomia deixa de ser um sistema fundado em conjecturas ou probabilidades e torna-se uma ciência assente nas mais rigorosas bases, as do cálculo e da geometria. Fica assim lançada uma das pedras fundamentais da Gênese, cerca de 3.300 anos depois de Moisés.




Referências:

A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo  - Cap. V  - Allan Kardec.

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