Conta-se que Gandhi foi procurado, numa de suas comunidades, por dois homens que desejavam fazer sua iniciação espiritual. Ambos estavam entusiasmados com a oportunidade de conviver com o grande líder hindu, conscientes de que receberiam preciosas orientações.
O Mahatma recebeu-os de bom grado e, tão logo se instalaram, pediu-lhes que tomassem das vassouras e varressem o chão. Depois que descascassem batatas, cortassem verduras e rachassem lenha para o fogão.
À tarde encaminhou-os à limpeza das fossas nas aldeias vizinhas. Os dois iniciantes dos valores espirituais passaram o resto do dia desinfetando instalações sanitárias com água e creolina.
Ao anoitecer, foram convidados à meditação.
No dia seguinte, a mesma rotina.
No terceiro dia, um deles, aproximando-se de Gandhi, perguntou:
- Mestre, quando começa nossa iniciação?
- Já começou...
- Como assim?
- É aprendendo a servir de boa vontade que entramos nos domínios da espiritualização.
* * *
O episódio tem algo em comum com outro descrito pelo Espírito André Luiz, no livro “Nosso Lar”, psicografia de Francisco Cândido Xavier.
Ao desencarnar, após um estágio no Umbral, região sombria onde estagiam Espíritos comprometidos com as ilusões do Mundo, ele foi recolhido por uma equipe de socorro e levado para a cidade no Além que dá título ao livro.
André Luiz maravilhou-se com a organização de Nosso Lar. Todos os habitantes, perto de um milhão ao tempo em que o livro foi escrito, no início da década de quarenta, com exceção dos enfermos, trabalhavam em serviços variados, com admirável vocação comunitária, sempre voltados para o bem comum.
Empolgado, dispôs-se ao trabalho também, esperando reassumir suas funções de médico. Manifestando seu desejo, foi informado de que não estava preparado para semelhante atividade, porquanto, como servidor da Medicina habituara-se a circunscrever suas observações exclusivamente ao corpo físico, sem interessar-se pela alma humana. Por isso, embora fosse um excelente fisiologista, não estava habilitado a cuidar de Espíritos desencarnados. No entanto, tendo em vista sua nobre aspiração, seria oportunamente aproveitado em outra atividade.
Pouco depois foi encaminhado às Câmaras de Retificação, uma organização hospitalar que cuida de Espíritos portadores de variados desequilíbrios relacionados com o egoísmo, o vício, o crime, a ambição, a usura...
Num dos pavilhões estagiam entidades que negaram sistematicamente os valores da vida e a realidade da sobrevivência, em sono profundo, povoado de pesadelos.
Passes magnéticos de fortalecimento foram aplicados naqueles enfermos, após o que passaram a expelir pela boca uma negra substância, como vômito escuro e viscoso, com emanações desagradáveis.
“São fluidos venenosos que segregam, fruto de seus desajustes” - explica o companheiro que lhe serve de cicerone.
Observando que havia muitos doentes e poucos atendentes, André Luiz, decidido, passou a mão em apetrechos de higiene e se lançou ao trabalho com ardor. E revela:
“O serviço continuou por todo o dia, custando-me abençoado suor, e nenhum amigo do mundo poderá avaliar a alegria sublime do médico que recomeçava a educação de si mesmo, na enfermagem rudimentar.”
Ao fim da tarefa:
“Sentia-me algo cansado pelos intensos esforços despendidos, mas o coração entoava hinos de alegria interior. Recebera a ventura do trabalho, afinal. E o espirito de serviço fornece tônicos de misterioso vigor.”
Perseverando por algum tempo naquelas tarefas humildes, André Luiz ganhou a confiança de amigos e instrutores, habilitando-se ao exercício de suas funções de médico e, o que é mais importante, iniciando-se nos domínios da verdadeira espiritualização, a partir de mãos movimentando-se no serviço do Bem, como antenas estendidas para a sintonia com as Fontes da Vida e a captação das bênçãos de Deus.
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Toda a sabedoria do Evangelho, em favor de nossa iniciação espiritual, está contida na recomendação de Jesus:
“Tudo o que quiserdes que os homens vos façam, fazei-o assim também a eles.”
A mesma orientação, no Espiritismo, sintetiza-se na máxima de Allan Kardec:
“Fora da Caridade não há Salvação.”
O próximo, portanto, é a nossa ponte para Deus, nosso abençoado caminho para os valores espirituais. E tanto mais caminharemos quanto maior o nosso empenho em servir, começando, como recomendava Gandhi e como aprendeu André Luiz, pelas tarefas mais simples, em obras filantrópicas, instituições religiosas, associações comunitárias...
Conscientes dessa realidade, os Centros Espíritas vêm organizando serviços assistenciais, com a criação de creches, berçários, hospitais, escolas, lares da infância e da velhice, casas de sopa, estendendo amplas oportunidades de serviço às pessoas aflitas e angustiadas que os procuram, ensinando-lhes, por lição fundamental, que a chave mágica para a solução de seus problemas existenciais está na disposição de trabalhar em favor do semelhante.
Nesses núcleos de esforço edificante há as mais variadas atividades: visitação a enfermos e famílias pobres; plantões de atendimento; preparo de refeições para as crianças; confecção e reparo de roupas; arrecadação e fornecimento de gêneros alimentícios; aplicação do passe magnético; controle da biblioteca; venda de livros; promoções beneficentes e muito mais. São tarefas singelas, mas que sedimentam nos voluntários a inestimável vocação de servir.
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Há quem justifique:
“Não participo de atividades dessa natureza, mas tenho feito algo em favor do semelhante. Quando batem à minha porta, sempre atendo; se o necessitado procura-me na rua, estendo-lhe alguns trocados; contribuo para a manutenção de obras de benemerência social.”
Isso tudo é louvável mas insuficiente, mesmo porque feito eventualmente, quando somos solicitados e temos disposição, sem nenhum compromisso.
É difícil desenvolver a vocação de servir sem o precioso estímulo que nos sustenta quando participamos de um grupo afim, integrando-nos em determinada atividade.
Se resolvemos visitar semanalmente enfermos de um hospital, levando-lhes palavras de conforto, é bem provável que não perseveremos por muito tempo. Mas, se estivermos ligados a uma equipe de visitadores de um Centro Espírita, haverá maior disposição, mesmo porque os próprios companheiros nos cobrarão a assiduidade.
Somente Espíritos muito evoluídos conseguem ser heróis anônimos nesse tipo de trabalho. Estes, entretanto, salvo em circunstâncias excepcionais, jamais se isolam, conscientes de que, se a união faz a força, a força do Bem está no esforço conjunto daqueles que se propõem a realizá-lo.
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- Integre-se nas atividades do Centro Espírita que frequenta. Quem não se dispõe a participar não entendeu o Espiritismo.
- Não se preocupe com a natureza da tarefa a seu cargo, ainda que lhe pareça insignificante, 0 trabalho mais meritório é aquele feito com dedicação e boa vontade.
- Encare os compromissos da Seara Espírita com a mesma seriedade que lhe merece o trabalho profissional. Se este garante a subsistência, nas experiências da vida humana, aqueles sustentam a alegria de viver.