Podemos indicar os discípulos de Allan Kardec, sem esquematização rígida, pelo menos em dois grupos: os históricos e os que, através dos tempos, procuram identificar-se mais com o pensamento do Codificador. O grupo histórico é muito pequeno, porque se resume naqueles que, estando em Paris no começo do movimento espírita, conviveram com Allan Kardec dele recebendo, diretamente, a influência de sua personalidade e absorveram os ensinos que Kardec ministrava nos círculos mais íntimos. Os outros, os que se espalharam pelo mundo no decorrer dos tempos, beberam os conhecimentos espíritas nas obras doutrinárias e, tanto quanto possível se identificam com as linhas básicas da Codificação.
Há os aderentes ou adeptos gerais, mas nem todos são discípulos de Allan Kardec, na realidade. Discípulo é aquele que afina com o mestre, vibra em consonância com ele, esforçando-se por seguir-lhe os exemplos, sem espírito sectário, evidentemente quem é sectário ou intolerante não pode ser tido como discípulo, justamente porque um dos traços mais afirmativos de Allan Kardec, quando bem compreendido, é a largueza de ideias, a preocupação com o sentido universal da cultura.
Há pessoas que aderem à Doutrina, chegam a estudá-la sincera e meticulosamente, mas apenas por interesse intelectual ou curiosidade transitória e, por isso mesmo, não sentem certas facetas, não apreendem umas tantas sutilezas inerentes à orientação de Allan Kardec.
Na vida escolar, por exemplo, muitos antigos alunos continuam sendo discípulos de seus mestres pela vida em fora. Daí a diferença entre discípulo e aluno. A condição de simples aluno é uma contingência da formação intelectual ou profissional, ao passo que o discípulo se forma, aos poucos, pelas afinidades, pelos laços afetivos, que se criam e se consolidam pelo tempo, dentro e fora da escola. Assim, há instrutores e professores que tiveram muitos alunos mas não fizeram propriamente discípulos, na acepção estrita do termo. Outros, porém, conseguiram transformar muitos alunos em discípulos pela comunicação profunda, pela influência que tiveram até na personalidade dos alunos, e não apenas pela convivência nas aulas ou pela rotina dos contatos. Discípulos, portanto, são aqueles em quem o mestre deixa raízes mais firmes, guardam, por isso mesmo, para sempre os reflexos de sua irradiação, seus exemplos, suas diretrizes.
Allan Kardec não teve alunos de Espiritismo, no sentido específico, embora tivesse sido ele professor de diversas matérias. Mas viveu ensinando a Doutrina Espírita, não simplesmente pelos esclarecimentos ocasionais, mas pelas afirmações, pela coerência de suas ideias e, acima de tudo, pela força de sua convicção. Teve discípulos, sim, e discípulos que nunca mais se afastaram espiritualmente do Codificador da Doutrina. Entre os históricos, inegavelmente, além de outros, dois deles se distinguiram muito, e sempre honraram a memória de Kardec — Gabriel Delanne e Léon Denis. Aproximaram-se do Codificador quando ainda eram moços, sentiram o influxo de sua irradiação pessoal e abraçaram a Doutrina através de duas direções claras: científica e filosófica. Nenhum dos dois tergiversou na direção básica, antes pelo contrário reforçaram os princípios centrais do ensino espírita.
Gabriel Delanne, pela sua formação, dedicou-se muito ao campo científico e, neste terreno, deixou obras ainda hoje autorizadas como fontes de consulta. Poderíamos lembrar O Espiritismo perante a Ciência, O Fenômeno Espírita, A Evolução Anímica, Investigações sobre a Mediunidade, dentre outros trabalhos do mesmo nível. Mas Delanne, apesar de ter mais vocação científica, entrou igualmente na esfera filosófica. Bastaria lembrar uma de suas obras, entre os livros chamados clássicos da literatura espírita: A Reencarnação. Quando ainda não se falava em Parapsicologia, nem se conheciam certos termos técnicos e muito menos as siglas hoje em uso, Delanne já investigava os fenômenos de telepatia, aparições, psicometria, etc. Pouco se fala atualmente em Delanne, mas o certo é que os seus livros poderiam ser confrontados com os mais alentados de Parapsicologia. Quando ouço dizer, às vezes, que o Espiritismo está superado pela Parapsicologia (?) fico pensando no Livro dos Médiuns, que é um livro relativamente popular, mas bem pouco interpretado. E é, no entanto, como já se sabe, um tratado de Parapsicologia, embora muita gente não se aperceba disto.
Os rótulos têm muita influência... Gostaria de remeter certas pessoas, que se impressionam muito com termos técnicos e fórmulas simbólicas, a duas grandes fontes apenas: A Evolução Anímica e Investigações sobre a Mediunidade. Poder-se-ia ver, por aí, que Gabriel Delanne se antecipou em relação a umas tantas descobertas hoje propaladas e exaltadas com tanto calor.
Com relação ao segundo discípulo de Kardec por nós antes citado, quer dizer, de Léon Denis, que representa o pensamento filosófico do Espiritismo em sua expressão mais legítima, também se pode dizer que deu boa contribuição à parte científica da Doutrina. Sua produção abrange, em síntese, todos os aspectos do Espiritismo: filosófico, histórico, moral, científico... Entre outros livros, escreveu, por exemplo: No Invisível, O Porquê da Vida, Depois da Morte, O Grande Enigma, Cristianismo e Espiritismo, etc. Há, entretanto, uma obra mais extensa na qual ele condensa a Doutrina Espírita em seus fundamentos e em suas consequências: O Problema do Ser, do Destino e da Dor. Obra sólida, sob todos os pontos de vista onde há erudição e há interpretação. Léon Denis dá uma contribuição própria sobre os fundamentos científicos e filosóficos do Espiritismo.
Verdade é, no entanto, que dois autores de peso como Delanne e Denis, ficam à margem de certas discussões quando poderiam na realidade, elucidar muitos problemas atualmente em foco do campo da Parapsicologia como da Psicanálise e assim por diante. São, finalmente, eles dois, os maiores e mais completos discípulos de Allan Kardec.