"O homem que sofre é semelhante a um devedor de grande soma, a quem o credor dissesse: “Se me pagares hoje mesmo a centésima parte, darei quitação do resto e ficarás livre; se não, vou perseguir-te até que pagues o último centavo”. O devedor não ficaria feliz de submeter-se a todas as privações, para se livrar da dívida, pagando somente a centésima parte da mesma? Em vez de queixar-se do credor, não lhe agradeceria? (Evangelho Segundo o Espiritismo - Cap. V - item 12)".
Esse capítulo aborda, inicialmente, a temática do sofrimento e das provas e expiações e suas origens nesta e noutras existências, causas de muitos de nossos problemas atuais, em vista de nossas escolhas e pela semeadura que fazemos ao longo da nossa esteira reencarnatória. No final, o capítulo aborda o suicídio. Contudo, destacaremos, aqui, o seu item 12 ─ “Motivos de Resignação”.
Resignação
Quando adentramos a Doutrina Espírita, muitas questões perpassam por nossas mentes. Logo nos deparamos com algum expositor nos orientando para sermos resignados. O que seria, então, resignação? Como compreender os dramas que a vida nos propõe, frutos ou não de nossas escolhas? Como proceder para ser considerado um indivíduo resignado?
Muitas vezes, entendemos resignação como aceitação do problema ou da dor, sem buscarmos alívio, respostas ou o entendimento para o que ocorre conosco. E também, principalmente, porque devemos ser resignados, questionando aonde isso vai nos levar.
“A resignação, ou ainda aceitação, na espiritualidade, na conscientização e na psicologia humana, geralmente se refere à experienciar uma situação sem a intenção de mudá-la. A aceitação não exige que a mudança seja possível ou mesmo concebível, nem necessita que a situação seja desejada ou aprovada por aqueles que a aceitam. De fato, a resignação é freqüentemente aconselhada quando uma situação é tanto ruim quanto imutável, ou, quando a mudança só é possível a um grande preço ou risco. [...] Noções de aceitação são proeminentes em muitas fés e práticas de meditação”. Por exemplo, a primeira nobre verdade do Budismo, "a vida é sofrimento", convida as pessoas a aceitarem que o sofrimento é uma parte natural da vida.” ( Wikipédia, a enciclopédia livre).
É justamente esse significado que complica o ensinamento. Se resignação é somente aceitação, sem expectativas de mudanças, ou, mesmo, aceitação pura e simples, fica muito fácil a derrapagem na acomodação, na inércia. É só dizer que “Deus quer assim”, e que nada pode mudar.
Se muitos dos nossos problemas não podem ser mudados nesta existência, podemos, entretanto, pela sua compreensão, mudar a forma de enfrentá-los. Ou aliviamos o tal “sofrer”, passando pela dor, sem lamentação ou reclamação constante (atitude essa, muitas vezes, responsável por mais dor), ou fazemos o problema ou a dor parecerem maior do que realmente são.
No que diz respeito à citação budista ─ “a vida é sofrimento” ─, é válido ressaltar que esse sofrer significa “passar por”, sofrer uma situação de dor. Não recebe, portanto, a conotação de lamentação, desesperação.
A Terra, por ser um mundo de provas e expiações, obviamente não é um paraíso de delicias. Estamos aqui para evoluir. A dor, nesse caso, quase sempre, transforma-se no impulso evolutivo necessário à nossa caminhada. Atrelada à Lei de Ação e Reação, ela nos convida, não raras vezes, ao reajuste, ao resgate de nossos débitos anteriores ou atuais.
Quando temos um problema, a dor que dele resulta é um fato - algo que acontece ou aconteceu. O sofrimento é a nossa resposta a esse fato, a nossa reação diante da dor, do fato, do problema.
É bom lembrar, quanto a isso, que a dor pode vir atrelada ao campo das causas e efeitos, mas o sofrimento é opcional, ou seja, não sofrer no sentido de não se lamentar, não se desesperar, equivalendo dizer, não perder a esperança. Em verdade, isso não nos retira o cadinho da dor, mas sublima os nossos sentimentos em relação ao fato.
“O homem pode abrandar ou aumentar o amargor das suas provas, pela maneira de encarar a vida terrena. Maior é o eu sofrimento, quando o considera mais longo. Ora, aquele que se coloca no ponto de vista da vida espiritual, abrange na sua visão a vida corpórea, como um ponto no infinito, compreendendo a sua brevidade, sabendo que esse momento penoso passa bem depressa [...]”. (ESE - Cap. V, item 13).
Diante desses apontamentos, podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que resignação é dor sem sofrimento, momento em que o individuo, ante a imortalidade da alma, compreende o processo. Não pela subserviência, submissão ou inércia diante dos fatos, mas por uma oportunidade de crescimento que nos impulsiona à busca do melhor para nós e para o momento.
Resiliência
O caro leitor, nessa altura do texto, há de perguntar: - E a tal resiliência?
A resiliência começa justamente quando a dor nos encontra.
“Resiliência (psicologia) - A psicologia tomou essa imagem emprestada da física, definindo resiliência como a capacidade do indivíduo lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações adversas - choque, estresse, etc. - sem entrar em surto psicológico. Tais conquistas, face essas decisões, propiciam forças na pessoa para enfrentar a adversidade. Assim entendido, pode-se considerar que a resiliência é uma combinação de fatores que propiciam ao ser humano, condições para enfrentar e superar problemas e adversidades [...]”. (Wikipédia, a enciclopédia livre).
Quando o texto acima afirma que a Psicologia tomou emprestado o termo da Física, é porque resiliência é a “[...] Propriedade de um corpo de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação.” (Dic. online Priberam). Já na Medicina o termo se aplica quando um osso fraturado consegue retomar sua forma original. Podemos dizer, assim, que a resiliência se configura quando, diante de problemas, pressões e traumas, conseguimos superar os obstáculos “dando a volta por cima”, como diz popularmente. É a capacidade de organizar, avaliar e retomar o nosso caminho, com a percepção, porém, de “dor” como fonte de crescimento, e não de sofrimento.
O que, então, nos faz resignados ou resilientes?
Podem ser considerados resignados e resilientes indivíduos que suportam grandes dramas na vida, ou passam por situações problemáticas constantemente e, mesmo assim, mantêm um olhar de paz e tranquilidade (considerando-se que os olhos são os espelhos da alma), superando os obstáculos que a vida coloca à sua frente, e dessa forma, superando a si mesmos.
O grande segredo, se é que podemos falar assim, encontra guarita na fé. A fé humana em si mesmo -autoconfiança. A fé divina no Criador, certeza absoluta de que não estamos sós, de que tudo passa e que nossas dores chegarão logo ao fim. Fé é a certeza de que o futuro nos reserva algo muito melhor. É a visão na vida futura, que glorifica os dias na Terra, de tantas provas e expiações. É visão mais além, que modifica o nosso comportamento diante das dores e aflições, e que, nos modificando, transforma tudo o que está à nossa volta.
Somos, portanto, artífices da nossa evolução espiritual, escultores de nós mesmos, tendo o cinzel da vontade como ferramenta para talhar as pedras que nos cobrem e dificultam a nossa existência, removendo, assim, os entulhos do passado para, então, lapidados e polidos, apresentarmos face nova diante do Criador e, afinal, podermos dizer, parafraseando o Apóstolo Paulo: “Já não sei se vivo no Cristo ou é o Cristo que vive em mim”.