O desprendimento da alma e do corpo opera-se gradualmente e com lentidão variável, segundo os indivíduos e as circunstâncias da morte. Os laços que prendem a alma ao corpo não se rompem senão aos poucos, e tanto menos rapidamente quanto mais a vida foi material e sensual.
No momento da morte, tudo se apresenta confuso; é-lhe preciso algum tempo para se reconhecer; ela conserva-se tonta, no estado do homem que sai de profundo sono e que procura compreender a sua situação. A lucidez das ideias e a memória do passado lhe voltam, à medida que se destrói a influência da matéria de que ela acaba de separar-se, e que se dissipa o nevoeiro que lhe obscurece os pensamentos.
O tempo da perturbação, sequente à morte, é muito variável; pode ser de algumas horas somente, como de muitos dias, meses ou, mesmo, de muitos anos. É menos longa, entretanto, para aqueles que, quando vivos, se identificaram com o seu estado futuro, porque esses compreendem imediatamente a sua situação; porém, é tanto mais longa quanto mais materialmente o indivíduo viveu.
A sensação que a alma experimenta nesse momento é também muito variável; a perturbação, sequente à morte, nada tem de penosa para o homem de bem; é calma e em tudo semelhante à que acompanha um despertar plácido.
Para aqueles cuja consciência não é pura e amou mais a vida corporal que a espiritual, esse momento é cheio de ansiedade e de angústias, que vão aumentando à medida que ele se reconhece, porque então sente medo e certo terror diante do que vê e sobretudo do que entrevê. A sensação, a que podemos chamar física, é a de grande alívio e de imenso bem-estar; fica-se como que livre de um fardo, e o Espírito sente-se feliz por não mais experimentar as dores corporais que o atormentavam alguns instantes antes; sente-se livre, desembaraçado, como aquele a quem tirassem as cadeias que o prendiam.
Em sua nova situação, a alma vê e ouve ainda outras coisas que escapam à grosseria dos órgãos corporais. Tem, então, sensações e percepções que nos são desconhecidas.
Observação – Estas respostas e todas as relativas à situação da alma depois da morte ou durante a vida não são o resultado de uma teoria ou de um sistema, mas de estudos diretos feitos sobre milhares de indivíduos, observados em todas as fases e períodos da sua existência espiritual, desde o mais baixo ao mais alto grau da escala, segundo seus hábitos durante a vida terrena, gênero de morte etc.
Muitas vezes diz-se, falando da vida futura, que não se sabe o que nela se passa, porque ninguém veio contar; é um erro, pois são precisamente os que nela já se acham que, a respeito, nos vêm instruir, e Deus o permite hoje, mais que em nenhuma outra época, como último aviso à incredulidade e ao materialismo.
As faculdades perceptivas da alma são proporcionais à sua purificação: só as de grande pureza podem gozar da presença de Deus.
Deus está em toda parte, porque em toda parte ele irradia, podendo dizer-se que o universo está mergulhado na divindade, como nós o estamos na luz solar; os Espíritos atrasados, porém, estão envolvidos numa espécie de nevoeiro que o oculta a seus olhos, e que se não dissipa senão à medida que eles se desmaterializam e se purificam. Os Espíritos inferiores são, pela vista, em relação a Deus, o que os encarnados são em relação aos Espíritos: verdadeiros cegos.
Depois da morte, a alma tem consciência de sua individualidade. Se as almas não tivessem sua individualidade depois da morte, isto, para elas, como para nós, seria o mesmo que não existirem; não teriam caráter algum distintivo; a do criminoso estaria na mesma altura que a do homem de bem, donde resultaria não haver interesse algum em fazermos o bem.
A individualidade da alma é mostrada de modo material, por assim dizer, nas manifestações espíritas, pela linguagem e qualidades próprias de cada qual; uma vez que elas pensam e agem de modo diferente, umas são boas e outras más, umas sábias e outras ignorantes, querendo umas o que outras não querem, o que prova evidentemente não estarem confundidas em um todo homogêneo, isso sem falar das provas patentes que nos dão, de terem animado tal ou tal indivíduo na Terra. Graças ao Espiritismo experimental, a individualidade da alma não é mais uma coisa vaga, porém o resultado da observação.
A própria alma reconhece sua individualidade, porque tem pensamento e volição próprios, que a distinguem umas das outras; verificando ainda a sua individualidade por seu invólucro fluídico ou perispírito, espécie de corpo limitado, que faz dela um ser distinto.
Observação – Há quem pense poder fugir de ser chamado de materialista por admitir um princípio inteligente universal, do qual uma parte absorveríamos ao nascermos, formando dela a nossa alma e restituindo-a depois da morte à massa comum, onde com outras se confundiria, tal como gotas de água no oceano. Este sistema, espécie de transição, não merece mesmo o nome de espiritualismo, pois é tão desolador quanto o materialismo. O reservatório comum do conjunto universal equivaleria ao aniquilamento, porquanto ali não haveria mais individualidades.
O estado da alma varia consideravelmente segundo o gênero de morte, mas, sobretudo, segundo a natureza dos hábitos durante a vida. Na morte natural, o desprendimento se opera gradualmente e sem abalo, começando mesmo antes que a vida esteja extinta. Na morte violenta, por suplício, suicídio ou acidente, os laços são partidos bruscamente; o Espírito, surpreendido, fica como que tonto com a mudança nele efetuada, e não acha explicação para a sua situação. Um fenômeno, mais ou menos constante em tal caso, é a persuasão em que ele se conserva de não estar morto, podendo essa ilusão durar muitos meses e mesmo muitos anos.
Neste estado, ele se locomove, julga ocupar-se dos seus negócios, como se ainda estivesse no mundo, e mostra-se espantado de não lhe responderem, quando fala.
Essa ilusão também se nota, fora dos casos de morte violenta, em muitos indivíduos, cuja vida foi absorvida pelos gozos e interesses materiais.
A alma, depois de deixar o corpo, não vai perder-se na imensidade do infinito, como geralmente se supõe; erra no espaço e, o mais das vezes, no meio daqueles que conheceu e, sobretudo, que amou, podendo instantaneamente transportar-se a distâncias imensas. Conserva as afeições que tinha na vida terrena. Guarda todas as afeições morais e só esquece as materiais, que já não são de sua essência; por isso vem satisfeita ver os parentes e amigos e sente-se feliz com a lembrança deles. Conserva a lembrança do que fez na Terra.O interesse pelos trabalhos que não pôde completar vai depender da sua elevação e da natureza desses trabalhos. Os Espíritos desmaterializados pouco se preocupam com as coisas materiais, de que se julgam felizes por estar livres. Quanto aos trabalhos que começaram, segundo sua importância e utilidade, inspiram a outros o desejo de terminá-los.
A alma encontra no mundo dos Espíritos os parentes que ali a precederam. Não só os encontra, como também a outros muitos, seus conhecidos de outras existências. Geralmente, aqueles que mais a amam vêm recebê-la à sua chegada ao mundo espiritual, e ajudam-na a desprender-se dos laços terrenos. Entretanto, a privação de ver as almas mais caras é, algumas vezes, punição para os culpados.
Em relação ao estado intelectual e moral da alma da criança morta em tenra idade, o incompleto desenvolvimento dos órgãos da criança não dava ao Espírito a liberdade de se manifestar completamente; livre desse invólucro, suas faculdades são o que eram antes da sua encarnação. O Espírito, não tendo feito mais que passar alguns instantes na vida, não sofre modificação nas faculdades.
Observação – Nas comunicações espíritas, o Espírito de um menino pode, pois, falar como adulto, porque pode ser Espírito adiantado. Se, algumas vezes, adota a linguagem infantil, é para não tirar à mãe o encanto que sempre está ligado à afeição de um ente frágil, delicado e adornado com as graças da inocência. Podendo a mesma questão ser formulada acerca do estado intelectual da alma dos imbecis, idiotas e loucos depois da morte, encontra-se a solução no que precede.
A diferença que há, depois da morte, entre a alma do sábio e a do ignorante, entre a do selvagem e a do homem civilizado é a mesma, pouco mais ou menos, que existia entre elas durante a vida; porque a entrada no mundo dos Espíritos não dá à alma todos os conhecimentos que lhe faltavam na Terra.
As almas progridem mais ou menos, depois da morte segundo sua vontade, e algumas se adiantam muito; porém, têm necessidade de pôr em prática, durante a vida corporal, o que adquiriram em ciência e moralidade.
As que ficaram estacionárias recomeçam uma existência análoga à que deixaram; as que progrediram, alcançam uma encarnação de ordem mais elevada. Sendo o progresso proporcionado à vontade do Espírito, há muitos que, por longo tempo, conservam os gostos e as inclinações que tinham durante a vida, e prosseguem nas mesmas ideias.
A fixação irrevogável da sorte do homem, depois da morte, seria a negação absoluta da justiça e da bondade de Deus, porque há muitos que não puderam esclarecer-se suficientemente na existência terrena, sem falar dos idiotas, imbecis, selvagens e de elevado número de crianças que morrem sem ter entrevisto a vida.
Mesmo entre os homens esclarecidos, há muitos que, julgando-se assaz perfeitos, creem-se dispensados de estudar e trabalhar mais, e não é isto prova que Deus nos dá de sua bondade, o permitir que o homem faça amanhã o que não pode fazer hoje? Se a sorte é irrevogavelmente fixada, por que morrem os homens em idades diferentes, e por que, em sua justiça, não concede Deus a todos o tempo de produzir a maior soma de bem e reparar o mal que fizeram? Quem sabe se o criminoso que morre aos 30 anos, não se teria tornado um homem de bem, se vivesse até os 60? Por que Deus lhe tira assim os meios que concede a outros? Só o fato da diversidade das durações da vida e do estado moral da grande maioria dos homens prova a impossibilidade, admitida a justiça divina, de ser a sorte da alma irrevogavelmente fixada depois da morte.
A sorte das crianças que morrem em tenra idade, na vida futura, é uma das questões que melhor provam a justiça e a necessidade da pluralidade das existências. Uma alma que só tiver vivido alguns instantes, sem fazer nem bem nem mal, não pode merecer prêmio nem castigo, pois, segundo a máxima do Cristo — cada um é punido ou recompensado conforme suas obras — é tão ilógico como contrário à Justiça de Deus admitir-se que, sem trabalho, essa alma seja chamada a gozar da bem-aventurança dos anjos, ou que desta se veja privada; entretanto, ela deve ter um destino qualquer. Um estado misto, por toda a eternidade, seria igualmente uma injustiça. Uma existência logo em começo interrompida, não podendo, pois, ter consequência alguma para a alma, tem por sorte atual o que mereceu da existência anterior, e futuramente o que vier a merecer em suas existências futuras.
As almas têm ocupações na outra vida. Se as almas não fizessem mais que tratar de si durante a eternidade, seria egoísmo, e Deus, que condena essa falta na vida corporal, não poderia aprová-la na espiritual. As almas, ou Espíritos, têm ocupações em relação com o seu grau de adiantamento, ao mesmo tempo que procuram instruir-se e melhorar-se.
Em relação aos sofrimentos da alma depois da morte, as criminosas não irão ser torturadas em chamas materiais. A Igreja reconhece perfeitamente, hoje, que o fogo do inferno é todo moral, e não material; porém, não define a natureza dos sofrimentos. As comunicações espíritas colocam os sofrimentos sob os nossos olhos, e, por esse meio, podemos apreciá-los e convencer-nos de que, apesar de não serem o resultado de um fogo material, que efetivamente não poderia queimar almas imateriais, eles, nem por isso, deixam de ser mais terríveis, em certos casos.
Essas penas não são uniformes: variam infinitamente, segundo a natureza e o grau das faltas cometidas, sendo quase sempre essas mesmas faltas o instrumento do seu castigo; é assim que certos assassinos são obrigados a conservarem-se no próprio lugar do crime e a contemplar suas vítimas incessantemente; que o homem de gostos sensuais e materiais conserva esses pendores juntamente com a impossibilidade de satisfazê-los, o que lhe é uma tortura; que certos avarentos julgam sofrer o frio e as privações que suportaram na vida por sua avareza; outros se conservam junto aos tesouros que enterraram, em transes perpétuos, com medo de que os roubem; em uma palavra, não há um defeito, uma imperfeição moral, um ato mau, que não tenha, no mundo espiritual, seu reverso e suas consequências naturais; e, para isso, não há necessidade de um lugar determinado e circunscrito. Onde quer que se ache o Espírito perverso, o inferno estará com ele.
Além dos sofrimentos espirituais, há as penas e provas materiais que o Espírito, se não está depurado, experimenta numa nova encarnação, na qual é colocado em condições de sofrer o que fez a outrem sofrer; de ser humilhado, se foi orgulhoso; miserável, se avarento; infeliz com seus filhos, se foi mau filho etc.
A Terra é um dos lugares de exílio e de expiação, um purgatório, para os Espíritos dessa natureza, do qual cada um se pode libertar, melhorando-se suficientemente para merecer habitação em um mundo melhor.
Todos os bons Espíritos recomendam a prece pelos desencarnados e os imperfeitos a pedem como meio de aliviar os seus sofrimentos. A alma, por quem se pede, experimenta um consolo, porque vê na prece um testemunho de interesse, e o infeliz é sempre consolado, quando encontra pessoas que compartilhem de suas dores. De outro lado, pela prece, o infeliz é incentivado ao arrependimento e ao desejo de fazer o necessário para ser feliz; é neste sentido que se pode abreviar-lhe as penas, quando ele, de seu lado, o favorece com a sua boa vontade.
A justiça quer que a recompensa seja proporcional ao mérito, como a punição à gravidade da falta; há, pois, graus infinitos nos gozos da alma, desde o instante em que ela entra no caminho do bem, até aquele em que atinge a perfeição. A felicidade dos bons Espíritos consiste em conhecer todas as coisas, não sentir ódio, nem ciúme, nem inveja, nem ambição, nem qualquer das paixões que desgraçam os homens. O amor que os une é, para os bons Espíritos, a fonte de suprema felicidade, pois não experimentam as necessidades, nem os sofrimentos, nem as angústias da vida material.
O estado de contemplação perpétua seria uma felicidade estúpida e monótona; seria a ventura do egoísta, uma existência interminavelmente inútil.
A vida espiritual é, ao contrário, de uma atividade incessante pelas missões que os Espíritos recebem do Ser supremo, de serem seus agentes no governo do universo — missões essas proporcionadas ao seu adiantamento, e cujo desempenho os torna felizes, porque lhes fornece ocasiões de serem úteis e de fazerem o bem.
Referências:
O que é o Espiritismo? - Cap. III - Allan Kardec