O perispírito é o traço de união entre a vida corpórea e a vida espiritual. É por seu intermédio que o Espírito encarnado se acha em relação contínua com os desencarnados; é, em suma, por seu intermédio, que se operam no homem fenômenos especiais, cuja causa fundamental não se encontra na matéria tangível e que, por essa razão, parecem sobrenaturais.
É nas propriedades e nas irradiações do fluido perispirítico que se tem de procurar a causa da dupla vista, ou vista espiritual, a que também se pode chamar vista psíquica, da qual muitas pessoas são dotadas, frequentemente a seu mau grado, assim como da vista sonambúlica.
O perispírito é o órgão sensitivo do Espírito, por meio do qual este percebe coisas espirituais que escapam aos sentidos corpóreos. Pelos órgãos do corpo, a visão, a audição e as diversas sensações são localizadas e limitadas à percepção das coisas materiais; pelo sentido espiritual, ou psíquico, elas se generalizam: o Espírito vê, ouve e sente, por todo o seu ser, tudo o que se encontra na esfera de irradiação do seu fluido perispirítico.
No homem, tais fenômenos constituem a manifestação da vida espiritual; é a alma a atuar fora do organismo. Na dupla vista ou percepção pelo sentido psíquico, ele não vê com os olhos do corpo, embora, muitas vezes, por hábito, dirija o olhar para o ponto que lhe chama a atenção. Vê com os olhos da alma e a prova está em que vê perfeitamente bem com os olhos fechados e vê o que está muito além do alcance do raio visual. Lê o pensamento figurado no raio fluídico.
Embora, durante a vida, o Espírito se encontre preso ao corpo pelo perispírito, não se lhe acha tão escravizado, que não possa alongar a cadeia que o prende e transportar-se a um ponto distante, quer sobre a Terra, quer do espaço. Repugna ao Espírito estar ligado ao corpo, porque a sua vida normal é a de liberdade e a vida corporal é a do servo preso à gleba.
Ele, por conseguinte, se sente feliz em deixar o corpo, como o pássaro em se encontrar fora da gaiola, pelo que aproveita todas as ocasiões que se lhe oferecem para dela se escapar, de todos os instantes em que a sua presença não é necessária à vida de relação. Tem-se então o fenômeno a que se dá o nome de emancipação da alma, fenômeno que se produz sempre durante o sono. De todas as vezes que o corpo repousa, que os sentidos ficam inativos, o Espírito se desprende.
Nesses momentos ele vive da vida espiritual, enquanto que o corpo vive apenas da vida vegetativa; acha-se, em parte, no estado em que se achará após a morte: percorre o espaço, confabula com os amigos e outros Espíritos, livres ou encarnados também.
O laço fluídico que o prende ao corpo só por ocasião da morte se rompe definitivamente; a separação completa somente se dá por efeito da extinção absoluta da atividade vital. Enquanto o corpo vive, o Espírito, a qualquer distância que esteja, é instantaneamente chamado à sua prisão, desde que a sua presença aí se torne necessária. Ele, então, retoma o curso da vida exterior de relação. Por vezes, ao despertar, conserva das suas peregrinações uma lembrança, uma imagem mais ou menos precisa, que constitui o sonho. Quando nada, traz delas intuições que lhe sugerem ideias e pensamentos novos e justificam o provérbio: “ A noite é boa conselheira.”
Assim igualmente se explicam certos fenômenos característicos do sonambulismo natural e magnético, da catalepsia, da letargia, do êxtase, etc., e que mais não são do que manifestações da vida espiritual.
Pois que a visão espiritual não se opera por meio dos olhos do corpo, segue-se que a percepção das coisas não se verifica mediante a luz ordinária: de fato, a luz material é feita para o mundo material; para o mundo espiritual, uma luz especial existe, cuja natureza desconhecemos, porém que é, sem dúvida, uma das propriedades do fluido etéreo, adequada às percepções visuais da alma. Há, portanto, luz material e luz espiritual. A primeira emana de focos circunscritos aos corpos luminosos; a segunda tem o seu foco em toda parte: tal a razão por que não há obstáculo para a visão espiritual, que não é embaraçada nem pela distância, nem pela opacidade da matéria, não existindo para ela a obscuridade. O mundo espiritual é, pois, iluminado pela luz espiritual, que tem seus efeitos próprios, como o mundo material é iluminado pela luz solar.
Entretanto, a vista espiritual não é idêntica, quer em extensão, quer em penetração, para todos os Espíritos. Somente os Espíritos puros a possuem em todo o seu poder. Nos inferiores ela se acha enfraquecida pela relativa grosseria do perispírito, que se lhe interpõe qual nevoeiro.
A vista espiritual manifesta-se em diferentes graus, nos Espíritos encarnados, pelo fenômeno da segunda vista, tanto no sonambulismo natural ou magnético, quanto no estado de vigília. Conforme o grau de poder da faculdade, diz-se que a lucidez é maior ou menor. Com o auxílio dessa faculdade é que certas pessoas vêem o interior do organismo humano e descrevem as causas das enfermidades.
A vista espiritual, portanto, faculta percepções especiais que, não tendo por sede os órgãos materiais, se operam em condições muito diversas das que decorrem da vida corporal.
Necessariamente incompleta e imperfeita é a vista espiritual nos Espíritos encarnados e, por conseguinte, sujeita a aberrações. Tendo por sede a própria alma, o estado desta há de influir nas percepções que aquela vista faculte. Segundo o grau de desenvolvimento, as circunstâncias e o estado moral do indivíduo, pode ela dar, quer durante o sono, quer no estado de vigília: 1.º a percepção de certos fatos materiais e reais, como o conhecimento de alguns que ocorram a grande distância, os detalhes descritivos de uma localidade, as causas de uma enfermidade e os remédios convenientes; 2.º a percepção de coisas igualmente reais do mundo espiritual, como a presença dos Espíritos; 3.º imagens fantásticas criadas pela imaginação, análogas às criações fluídicas do pensamento. Estas criações se acham sempre em relação com as disposições morais do Espírito que as gera. É assim que o pensamento de pessoas fortemente imbuídas de certas crenças religiosas e com elas preocupadas lhes apresenta o inferno, suas fornalhas, suas torturas e seus demônios, tais quais essas pessoas os imaginam. Às vezes, é toda uma epopeia. Os pagãos viam o Olimpo e o Tártaro, como os cristãos veem o inferno e o paraíso. Se, ao despertarem, ou ao saírem do êxtase, conservam lembrança exata de suas visões, os que as tiveram tomam-nas como realidades confirmativas de suas crenças, quando tudo não passa de produto de seus próprios pensamentos.
Os sonhos propriamente ditos apresentam os três caracteres das visões acima descritas. Às duas primeiras categorias dessas visões pertencem os sonhos de previsões, pressentimentos e avisos. Na terceira, isto é, nas criações fluídicas do pensamento, é que se pode deparar com a causa de certas imagens fantásticas, que nada têm de real, com relação à vida corpórea, mas que apresentam às vezes, para o Espírito, uma realidade tal, que o corpo lhe sente o contrachoque, havendo casos em que os cabelos embranquecem sob a impressão de um sonho. Podem essas criações ser provocadas: pela exaltação das crenças; por lembranças retrospectivas; por gostos, desejos, paixões, temor, remorsos; pelas preocupações habituais; pelas necessidades do corpo, ou por um embaraço nas funções do organismo; finalmente, por outros Espíritos, com objetivo benévolo ou maléfico, conforme a sua natureza.
Referências:
A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo - Cap. XIV - Allan Kardec.