O homem é um ser à parte, que desce muito baixo algumas vezes e que pode também elevar-se muito alto. Pelo físico, é como os animais e menos bem dotado do que muitos destes. A natureza lhes deu tudo o que o homem é obrigado a inventar com a sua inteligência, para satisfação de suas necessidades e para sua conservação. Seu corpo se destrói, como o dos animais, é certo, mas ao seu Espírito está assinado um destino que só ele pode compreender, porque só ele é inteiramente livre.
É verdade que na maioria dos animais domina o instinto. Mas muitos agem denotando acentuada vontade. É inteligência, porém limitada.
Não se poderia negar que, além de possuírem o instinto, alguns animais praticam atos combinados, que denunciam vontade de operar em determinado sentido e de acordo com as circunstâncias. Há, pois, neles, uma espécie de inteligência, mas cujo exercício quase que se circunscreve à utilização dos meios de satisfazerem às suas necessidades físicas e de proverem à conservação própria. Nada, porém, criam, nem melhora alguma realizam. Qualquer que seja a arte com que executem seus trabalhos, fazem hoje o que faziam outrora e o fazem, nem melhor, nem pior, segundo formas e proporções constantes e invariáveis. A cria, separada dos de sua espécie, não deixa por isso de construir o seu ninho de perfeita conformidade com os seus maiores, sem que tenha recebido nenhum ensino. Se alguns se mostram suscetíveis de certa educação, seu desenvolvimento intelectual, sempre bastante limitado, é devido à ação do homem sobre uma natureza maleável, porquanto não há aí progresso que lhe seja próprio. Mesmo o progresso que realizam pela ação do homem é efêmero e puramente individual, visto que, entregue a si mesmo, não tarda que o animal volte a encerrar-se nos limites que lhe traçou a natureza.
Os animais não possuem alguma linguagem. Possuem, sim, um meio, porém, de se comunicarem entre si, têm. Mas a linguagem de que dispõem é restrita a suas necessidades, como restritas também são as ideias que podem ter.
Há, entretanto, animais que carecem de voz. Estes compreendem-se por outros meios. O homem não goza do privilégio exclusivo da linguagem. Porém, a dos animais é instintiva e circunscrita pelas suas necessidades e ideias, ao passo que a do homem é perceptível e se presta a todas as concepções da sua inteligência.
Os peixes que, como as andorinhas, emigram em cardumes, obedientes ao guia que os conduz, devem ter meios de se advertirem, de se entenderem e combinarem. É possível que disponham de uma vista mais penetrante e esta lhes permita perceber os sinais que mutuamente façam. Pode ser também que tenham na água um veículo próprio para a transmissão de certas vibrações. O que é incontestável é que não lhes faltam meios de se entenderem, do mesmo modo que a todos os animais carentes de voz e que, não obstante, trabalham em comum.
Os animais não são simples máquinas. Contudo, a liberdade de ação de que desfrutam é limitada pelas suas necessidades, e não se pode comparar à do homem. Sendo bem inferiores a este, não têm os mesmos deveres que ele. A liberdade, possuem-na restrita aos atos da vida material.
A aptidão que certos animais possuem para imitar a linguagem do homem origina-se de uma particular conformação dos órgãos vocais, reforçada pelo instinto de imitação. O macaco imita os gestos; algumas aves imitam a voz.
Os animais possuem uma inteligência que lhes faculta certa liberdade de ação, há neles algum princípio independente da matéria e que sobrevive ao corpo. É também uma alma, dependendo isto do sentido que se der a esta palavra. É, porém, inferior à do homem. Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus.
Após a morte, a alma dos animais conserva sua individualidade; quanto à consciência do seu eu, não. A vida inteligente lhe permanece em estado latente.
O animal não possui livre-arbítrio.
A alma do animal, depois da morte, fica numa espécie de erraticidade, pois que não mais se acha unida ao corpo, mas não é um Espírito errante. O Espírito errante é um ser que pensa e obra por sua livre vontade. De idêntica faculdade não dispõe o dos animais. A consciência de si mesmo é o que constitui o principal atributo do Espírito. O do animal, depois da morte, é classificado pelos Espíritos a quem incumbe essa tarefa e utilizado quase imediatamente; não lhe é dado tempo de entrar em relação com outras criaturas.
Os animais estão sujeitos, como o homem, a uma lei progressiva. E daí vem que nos mundos superiores, onde os homens são mais adiantados, os animais também o são, dispondo de meios mais amplos de comunicação. São sempre, porém, inferiores ao homem e se lhe acham submetidos, tendo neles o homem servidores inteligentes.
Os animais progridem, pela força das coisas, razão por que não estão sujeitos à expiação.
Os animais não conhecem a Deus. Para eles o homem é um deus, como outrora os Espíritos eram deuses para o homem.
Tudo na natureza se encadeia por elos que ainda não podemos apreender. Assim, as coisas aparentemente mais díspares têm pontos de contato que o homem, no seu estado atual, nunca chegará a compreender. Por um esforço da inteligência pode entrevê-los; mas somente quando essa inteligência estiver plenamente desenvolvida e liberta dos preconceitos do orgulho e da ignorância logrará ver claro na obra de Deus. Até lá, suas ideias restritas lhe fazem observar as coisas por um mesquinho e acanhado prisma. Sabemos não ser possível que Deus se contradiga e que, na natureza, tudo se harmoniza mediante leis gerais, que por nenhum de seus pontos deixam de corresponder à sublime sabedoria do Criador.
Os animais só possuem a inteligência da vida material. No homem, a inteligência proporciona a vida moral.
O homem não tem duas almas. O corpo, porém, tem seus instintos, resultantes da sensação peculiar aos órgãos. O que há no homem é, apenas, uma dupla natureza: a natureza animal e a natureza espiritual. Participa, pelo seu corpo, da natureza dos animais e de seus instintos. Por sua alma, participa da dos Espíritos.
Quanto mais inferior é o Espírito, mais apertados são os laços que o ligam à matéria. O homem não tem duas almas; a alma é sempre única em cada ser. São distintas uma da outra a alma do animal e a do homem, a tal ponto que a de um não pode animar o corpo criado para o outro.
Encarnando no corpo do homem, o Espírito lhe traz o princípio intelectual e moral, que o torna superior aos animais. As duas naturezas existentes no homem dão às suas paixões duas origens diferentes: umas provêm dos instintos da natureza animal, provindo as outras das impurezas do Espírito encarnado, que simpatiza mais ou menos com a grosseria dos apetites animais. Purificando-se, o Espírito se liberta pouco a pouco da influência da matéria. Sob essa influência, aproxima-se do bruto. Isento dela, eleva-se à sua verdadeira destinação.
Os animais tiram o princípio inteligente que constitui a alma de natureza especial de que são dotados do elemento inteligente universal. Emanam de um único princípio a inteligência do homem e a dos animais, porém no homem passou por uma elaboração que a coloca acima da que existe no animal.
O estado da alma do homem, na sua origem, corresponde ao estado da infância na vida corporal, que sua inteligência apenas desabrocha e se ensaia para a vida. O Espírito passa essa primeira fase do seu desenvolvimento numa série de existências que precedem o período a que chamamos humanidade.
Tudo na natureza se encadeia e tende para a unidade. Nesses seres, cuja totalidade estamos longe de conhecer, é que o princípio inteligente se elabora, se individualiza pouco a pouco e se ensaia para a vida. É, de certo modo, um trabalho preparatório, como o da germinação, por efeito do qual o princípio inteligente sofre uma transformação e se torna Espírito. Entra então no período humano, começando a ter consciência do seu futuro, capacidade de distinguir o bem do mal e a responsabilidade dos seus atos. Assim, à fase da infância se segue a da adolescência, vindo depois a da juventude e da madureza. Nessa origem, coisa alguma há de humilhante para o homem. Se alguma coisa há que lhe seja humilhante, é a sua inferioridade perante Deus e sua impotência para lhe sondar a profundeza dos desígnios e para apreciar a sabedoria das leis que regem a harmonia do universo. Reconhecemos a grandeza de Deus nessa admirável harmonia, mediante a qual tudo é solidário na natureza. Acreditar que Deus haja feito, seja o que for, sem um fim, e criado seres inteligentes sem futuro, seria blasfemar da sua bondade, que se estende por sobre todas as suas criaturas.
A Terra não é o ponto de partida da primeira encarnação humana. O período humano começa, geralmente, em mundos ainda inferiores à Terra. Isto, entretanto, não constitui regra absoluta, pois pode suceder que um Espírito esteja apto a viver na Terra desde o início de seu período humano. Não é frequente o caso; constitui antes uma exceção.
O Espírito do homem não tem, após a morte, consciência de suas existências anteriores ao período humano, pois não é desse período que começa a sua vida de Espírito. Difícil é mesmo que se lembre de suas primeiras existências humanas, como difícil é que o homem se lembre dos primeiros tempos de sua infância e ainda menos do tempo que passou no seio materno.
Durante algumas gerações, o homem pode conservar vestígios mais ou menos pronunciados do estado primitivo, porquanto nada se opera na natureza por brusca transição. Há sempre anéis que ligam as extremidades da cadeia dos seres e dos acontecimentos. Aqueles vestígios, porém, se apagam com o desenvolvimento do livre-arbítrio. Os primeiros progressos só lentamente se efetuam, porque ainda não têm a secundá-los a vontade. Vão em progressão mais rápida, à medida que o Espírito adquire mais perfeita consciência de si mesmo.
Há coisas que só a seu tempo podem ser esclarecidas. O homem é, com efeito, um ser à parte, visto possuir faculdades que o distinguem de todos os outros e ter outro destino. A espécie humana é a que Deus escolheu para a encarnação do seres que podem conhecê-lo.
Referência:
O Livro dos Espíritos – Segunda Parte – Cap. XI – Allan Kardec.