Necessidade do trabalho.
O trabalho é lei da natureza, por isso mesmo que constitui uma necessidade, e a civilização obriga o homem a trabalhar mais, porque lhe aumenta as necessidades e os gozos.
Não se deve entender por trabalho somente as ocupações materiais, pois o Espírito trabalha, assim como o corpo. Toda ocupação útil é trabalho.
O trabalho é imposto ao homem por ser uma consequência da sua natureza corpórea. É expiação e, ao mesmo tempo, meio de aperfeiçoamento da sua inteligência. Sem o trabalho, o homem permaneceria sempre na infância, quanto à inteligência. Por isso é que seu alimento, sua segurança e seu bem-estar dependem do seu trabalho e da sua atividade. Ao que é muito fraco de corpo outorgou Deus a inteligência, para suprir essa limitação; mas é sempre um trabalho.
A natureza, por si mesma, provê a todas as necessidades dos animais, pois tudo na natureza trabalha. Como nós, trabalham os animais, mas o trabalho deles, bem como sua inteligência, se limita ao cuidado da própria conservação. Daí vem que do trabalho não lhes resulta progresso, ao passo que o do homem visa duplo fim: a conservação do corpo e o desenvolvimento da faculdade de pensar, o que também é uma necessidade, e o eleva acima de si mesmo. Quando se diz que o trabalho dos animais se limita ao cuidado da própria conservação, é em referência ao objetivo com que trabalham. Entretanto, provendo às suas necessidades materiais, eles se constituem, inconscientemente, executores dos desígnios do Criador e, assim, o trabalho que executam também concorre para a realização do objetivo final da natureza.
Nos mundos mais aperfeiçoados, a natureza do trabalho está em relação com a natureza das necessidades. Quanto menos materiais são estas, menos material é o trabalho. Mas não devemos deduzir daí que o homem se conserve inativo e inútil. A ociosidade seria um suplício, em vez de ser um benefício.
O homem que possua bens suficientes para lhe assegurarem a existência pode ficar isento do trabalho material, talvez; não, porém, da obrigação de tornar-se útil, conforme aos meios de que disponha, nem de aperfeiçoar a sua inteligência ou a dos outros, o que também é trabalho. Aquele a quem Deus facultou a posse de bens suficientes a lhe garantirem a existência não está, é certo, constrangido a alimentar-se com o suor do seu rosto, mas tanto maior lhe é a obrigação de ser útil aos seus semelhantes, quanto mais ocasiões de praticar o bem lhe proporciona o adiantamento que lhe foi feito.
A lei da natureza impõe aos filhos a obrigação de trabalharem para seus pais do mesmo modo que os pais têm que trabalhar para seus filhos. Foi por isso que Deus fez do amor filial e do amor paterno um sentimento natural. Foi para que, por essa afeição recíproca, os membros de uma família se sentissem impelidos a ajudarem-se mutuamente, o que, aliás, com muita frequência é esquecido em nossa sociedade atual.
Limite do trabalho. Repouso.
Sendo uma necessidade para todo aquele que trabalha, o repouso é também uma lei da natureza. O repouso serve para a reparação das forças do corpo e também é necessário para dar um pouco mais de liberdade à inteligência, a fim de que se eleve acima da matéria.
O limite do trabalho se deve às forças do homem.
Todo aquele que tem o poder de mandar, ao abusar de sua autoridade, é responsável pelo excesso de trabalho que imponha a seus inferiores, porquanto, assim fazendo, transgride a lei de Deus.
O homem tem o direito de repousar na velhice mas não é obrigado, senão de acordo com as suas forças.
O forte deve trabalhar para o fraco. O idoso que precisa trabalhar para viver e não pode, não tendo este família, a sociedade deve fazer as vezes desta. É a lei de caridade.
Não basta se diga ao homem que lhe corre o dever de trabalhar. É preciso que aquele que tem de prover à sua existência por meio do trabalho encontre em que se ocupar, o que nem sempre acontece. Quando se generaliza, a suspensão do trabalho assume as proporções de um flagelo, qual a miséria. A ciência econômica procura remédio para isso no equilíbrio entre a produção e o consumo. Mas esse equilíbrio, dado seja possível estabelecer-se, sofrerá sempre intermitências, durante as quais não deixa o trabalhador de ter que viver. Há um elemento, que se não costuma fazer pesar na balança e sem o qual a ciência econômica não passa de simples teoria. Esse elemento é a educação, não a educação intelectual, mas a educação moral. A educação moral não é a dada pelos livros e sim à que consiste na arte de formar os caracteres, à que incute hábitos, porquanto a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos. Considerando-se a quantidade de indivíduos que todos os dias são lançados na torrente da população, sem princípios, sem freio e entregues a seus próprios instintos, não é de se espantar as consequências desastrosas que daí decorrem. Quando essa arte for conhecida, compreendida e praticada, o homem terá no mundo hábitos de ordem e de previdência para consigo mesmo e para com os seus, de respeito a tudo o que é respeitável, hábitos que lhe permitirão atravessar menos penosamente os maus dias inevitáveis. A desordem e a imprevidência são duas chagas que só uma educação bem entendida pode curar. Esse é o ponto de partida, o elemento real do bem-estar, o penhor da segurança de todos.
Referências:
O Livro dos Espíritos - Terceira Parte - Cap. III - Allan Kardec.