(...) não podia esquecer que devia todas as coincidências penosas àquele Cristo crucificado, que não pudera compreender. Por que topava, em tudo, com traços do carpinteiro humilde de Nazaré, que seu espírito voluntarioso detestava? (...) A verdade dolorosa é que se encontrava sem paz interior...
Em dado instante sente-se envolvido por luzes diferentes da tonalidade solar.... vertigem, confusão, queda de joelhos... (...) Outra luz lhe banha os olhos deslumbrados, e no caminho... vê surgir a figura de um homem de majestática beleza...(...) Sua túnica era feita de pontos luminosos, os cabelos tocavam nos ombros, à nazarena, os olhos magnéticos, imanados de simpatia e de amor, iluminando a fisionomia grave e terna, onde pairava uma divina tristeza.
O doutor de Tarso contemplava-o com espanto profundo, e foi quando, numa inflexão de voz inesquecível, o desconhecido se fez ouvir:
— Saulo!... Saulo!... por que me persegues?
O moço tarsense não sabia que estava instintivamente de joelhos...Incoercível sentimento de veneração apossou-se inteiramente dele. Que significava aquilo? que lhe inundava o coração precípite de emoções desconhecidas?— Quem sois vós, Senhor?
Aureolado de uma luz balsâmica e num tom de inconcebível doçura, o Senhor respondeu:
— Eu sou Jesus!..
Então, viu-se o orgulhoso e inflexível doutor da Lei curvar-se para o solo, em pranto convulsivo. (...)Uma torrente de lágrimas impetuosas lavava-lhe o coração... (...) Foi quando notou que Jesus se aproximava e, contemplando-o carinhosamente, o Mestre tocou-lhe os ombros com ternura, dizendo com inflexão paternal:
Não recalcitres contra os aguilhões, Saulo!
Jesus era o Pastor amigo que se dignava fechar os olhos para os espinheiros ingratos, a fim de salvá-lo carinhosamente. Ali mesmo, no santuário augusto do espírito, fez o protesto de entregar-se a Jesus para sempre.
Senhor, que quereis que eu faça?
Saulo de Tarso não escolhe tarefas para servi-lo, na renovação de seus esforços de homem. interroga com humildade o que desejava o Mestre da sua cooperação.
--Levanta-te, Saulo! Entra na cidade e lá te será dito o que te convém fazer!”.
Jesus era o Senhor, inacessível à morte.” Ele orientaria os seus passos no caminho, dar-lhe-ia novas ordens, secaria as chagas da vaidade e do orgulho que lhe corroíam o coração; sobretudo, conceder-lhe-ia forças para reparar os erros dos seus dias de ilusão.
…é que ele ouviu, negou-se a si mesmo, arrependeu-se, tomou a cruz e seguiu o Cristo até o fim.
Por Emmanuel - na Obra Literária Paulo & Estevão